Depois de mais de 30 anos na Rádio Guaíba, do Rio Grande do Sul, o correspondente em Brasília Fabio Marçal foi desligado da emissora do Grupo Record. Em um texto de despedida encaminhado a este Portal dos Jornalistas, ele destacou o importante papel que a rádio teve em sua carreira, inspirando-o inclusive a fazer jornalismo, pela isenção em suas entrevistas, mas lamentou os rumos tomados nos últimos anos pela atual direção: “Essa Guaíba morreu. Morreu depois que um extremista de direita assumiu o jornalismo”.

A crítica, ainda que sem citar o destinatário, é direcionada ao gerente-geral de Jornalismo Guilherme Baumhardt, que assumiu o posto em julho de 2020, em substituição a Nando Gross.

Em seu artigo, Marçal denuncia casos de assédio, desrespeito, diminuições de seu espaço na programação e práticas de bullying feitas por colegas de redação por causa de seu posicionamento, muitas vezes contrário ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em um desses episódios, em dezembro do ano passado, a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul (Sindjors) e o Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul emitiram nota reportando casos de assédio moral contra o jornalista.

Na ocasião, Marçal participava via chamada de vídeo do programa Agora, com os âncoras José Aldo Pinheiro, Julio Ribeiro e Rogério Amaral. Por causa de divergências políticas e de opinião, Marçal foi constantemente interrompido, ridicularizado e atacado pessoalmente pelos âncoras e apresentadores.

Procurado, até o fechamento desta nota Guilherme Baumhardt não havia respondido às acusações de Fabio Marçal.

Desligado no final de maio, Marçal chegou a receber sondagens de outras emissoras, mas alegando esgotamento mental optou por se afastar por um período do jornalismo diário. Enquanto não retorna, seguirá sua atuação como profissional concursado do Governo do RS, onde atualmente é assessor da Secretaria Extraordinária de Relações Federativas e Internacionais do Rio Grande do Sul, em Brasília.

Confira o artigo na íntegra:

 

Sou jornalista, não sou militante da extrema direita, nem de esquerda.

Hoje é um dia para ser comemorado. Fui humilhado durante dois anos por tentar fazer um jornalismo sério e correto. Em respeito aos ouvintes, não pedi demissão. Depois de mais de 30 anos, meu ciclo acabou na Rádio Guaíba, emissora que me inspirou a fazer jornalismo pela isenção em suas entrevistas. Essa Guaíba morreu. Morreu depois que um extremista de direita assumiu o jornalismo.

Fui consultado quando ele foi sondado para ir para a empresa. Um diretor da sua antiga empresa me pediu para indicá-lo. Em um primeiro momento, ele foi para apresentar um programa e logo depois derrubou o nosso gerente, Nando Gross. Esse, sim, sempre fez o bom e velho jornalismo. O agora novamente presidente Lula foi tirado do ar segundos antes de ser entrevistado pelo Juremir, pois alegaram que ele não poderia estar ali porque era um ladrão.  O bom jornalismo é básico: ouvir os dois lados.

Curiosamente o atual substituto sempre defendeu a liberdade de expressão. Liberdade desde que você fale bem do Bolsonaro e enalteça os extremistas de direita.

Quem é ouvinte antigo da Guaíba sabe que o meu comentário no programa do Mendelski era de 20 minutos. Nos últimos meses, eu tinha menos de um minuto. Um ano antes das eleições começou o meu martírio. Fazer o bom e velho jornalismo não bastava. Você só tinha espaço se falasse bem do Bolsonaro e da extrema direita. Que ironia, a rádio outrora reconhecida por liderar a Campanha da Legalidade, para garantir a posse de João Goulart como presidente do Brasil e a democracia, virou defensora de golpistas viúvas da ditadura!

Luiz Inácio Lula da Silva, de forma pejorativa, sempre foi chamado de Lula ladrão. Eduardo Leite, que concorria à reeleição ao governo gaúcho contra o candidato da empresa, Onyx Lorenzoni, era chamado de Dudu Milk. Confundem desrespeito com liberdade de expressão.  E há quem pense que isso é jornalismo.

Nunca aceitei isso, e nunca fiquei calado. Fui humilhado diversas vezes, até pelo medíocre língua presa que defendeu juntamente com o apresentador a tentativa do golpe de 8 de janeiro. Estou em tratamento psicológico devido ao bullying diário que sofria. Desafio o atual gestor a dar ao presidente Lula o mesmo tempo que foi dado durante quatro anos a Jair Bolsonaro. Desafio a colocar algum porta-voz de uma religião africana no ar. Desafio a colocar algum porta-voz dos grupos LGBTQIA+. É criminoso o preconceito racial e social, a intolerância religiosa, a misoginia e a xenofobia.

Saio de cabeça em pé. Fiz jornalismo, não fiz circo, para uma plateia de extremistas. Quero agradecer o carinho de cada ouvinte. Sempre coloquei o meu telefone no ar à disposição (61999722823).

Muitos foram bloqueados nas redes sociais da Guaíba por divergirem das ideias extremistas do atual gestor. Desafio o senhor das liberdades a desbloquear esses ouvintes. Muitos ouvem a Guaíba há mais de 20 anos. Sempre dialoguei cordialmente com todos, mesmo com aqueles que me atacavam.

Quero agradecer aos meus colegas e aos operadores e técnicos, que defendem o bom jornalismo. Isso não é um desabafo, é um relato da realidade de hoje em um veículo que amei desde criança.

Quanto aos ouvintes que apreciam o que se tornou a Rádio Guaíba, só tenho uma coisa a dizer: Há pessoas que buscam as drogas lícitas ou ilícitas para fugir da realidade; outros preferem mergulhar em um mundo paralelo de narrativas que atenda às suas expectativas de vida. Ali, se encontram com seus pares para trocar todo tipo de bobagens e preconceitos.

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