Reportagem de Thiago Assunção, publicada nesta quinta-feira (17/7) no site da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), chamou a atenção para o lançamento de uma campanha criada por 35 organizações da sociedade civil, para tentar impedir que o Ministério da Justiça compre um programa de espionagem digital usado por governos para monitorar e invadir celulares.

O movimento surgiu após o Ministério da Justiça, no mês passado, ter cogitado adquirir no pregão eletrônico, entre outras ferramentas de espionagem, o programa Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group. Para especialistas ouvidos pela Abraji, o software pode violar o direito à privacidade e impactar o exercício do jornalismo no Brasil.

“Se o governo manifesta interesse em comprar essa tecnologia, sem definir os critérios de uso e como será feito esse controle, é bem preocupante para os jornalistas”, afirma Guilherme Amado, vice-presidente da Abraji. Para ele, os profissionais de comunicação têm o direito de manter o sigilo das fontes quando sabem que a informação é de extrema importância para as investigações jornalísticas.

Descoberto em 2016, o Pegasus foi criado para coibir a ação de criminosos e terroristas, mas também já foi utilizado por governos para invadir celulares e monitorar conversas de jornalistas e opositores políticos.

De acordo com reportagem do New York Times, isso teria acontecido no México, em 2017. Esse mesmo programa foi utilizado pelo governo saudita para espionar o jornalista Jamal Khashoggi, morto em 2018, no consulado da Arábia Saudita na Turquia.

O programa se assemelha a um vírus, que permite o rastreamento em segredo de todas as atividades registradas no celular infectado. É possível identificar mensagens digitadas, e não apenas as enviadas, além de acessar contas bancárias, redes sociais e e-mail. O Pegasus também permite que o celular infectado funcione como um espião remoto, pois consegue ativar o microfone para ouvir conversas, tirar fotos, acessar a localização e monitorar os sites navegados.

Para Amado, o interesse na compra dessas ferramentas gera insegurança: “A aquisição de um programa de espionagem ilegal, especialmente nas mãos desse governo, é alarmante, pois há indícios concretos de que a Abin possa estar sendo desvirtuada.”

Vale lembrar que reportagens publicadas por UOL e na Revista Época revelaram que órgãos do governo podem estar envolvidos em ações de espionagem. A do UOL mostra a ação sigilosa do governo para identificar professores e policiais que pertenciam ao chamado “movimento antifascismo”. Já o da Revista Época aponta que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu relatórios para subsidiar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na anulação do caso Queiroz.

“Nenhum governo está autorizado por seu povo ou pela Constituição a espionar pessoas ou organizações. Isso desequilibra a correlação de forças e dá ao governo um poder incomparável, impossível de ser detido. A privacidade, a intimidade e os sigilos telefônicos e telemáticos são garantidos por lei no Brasil, e só podem ser violados em casos muito específicos, sob ordem judicial”, completa Amado.

Além da campanha on-line contra a compra da ferramenta, as organizações Conectas, Igarapé, Rede Liberdade, Sou da Paz e Transparência Internacional, que fazem parte do Pacto pela Democracia, apresentaram denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre irregularidades e ilicitudes na contratação do programa de espionagem.

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