Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

A gestão da Coivd-19 no Reino Unido foi turbulenta desde o início. Mas nem quando o país registrava 1,2 mil mortes por dia, número absurdo diante de seus 67 milhões de habitantes, o desgaste de imagem do primeiro-ministro foi tão grande como agora.

A culpa não é só do coronavírus. Boris Johnson enfrenta denúncias envolvendo doações ao partido Conservador e uso de verbas para reformas na residência oficial, bem como questionamentos sobre o custeio de viagens de férias.

No entanto, tudo piorou depois das notícias sobre confraternizações realizadas em Downing Street 10, onde trabalha a cúpula da administração pública, no longínquo dezembro de 2020, quando o país amargava um lockdown.

Parece notícia velha. Mas a mídia, os adversários políticos e sobretudo a população não perdoam o fato de os criadores das regras que separaram famílias inteiras no Natal passado terem sido os primeiros a descumpri-las.

Assessores de comunicação têm a missão de aconselhar os líderes nas crises e atenuar problemas diante da imprensa e do público.

Ironicamente, coube a uma graduada assessora o episódio mais inacreditável do enredo.

A protagonista foi Allegra Stratton, experiente jornalista de TV, que havia sido contratada por Johnson para ser a porta-voz do governo. A ela caberiam os briefings diários para a imprensa, no modelo americano, em um auditório que consumiu quase 2 milhões de libras (e mal foi usado).

Stratton cometeu um erro infantil, ignorando um conselho elementar dado a executivos em media trainings: nem de brincadeira deixar-se gravar falando o que não falaria em público.

Em uma simulação para o papel que viria a desempenhar, respondeu com ironias a perguntas sobre uma suposta confraternização na sede do governo durante o lockdown, em meio a risos.

A falha primária, capaz de comprometer o governo se o vídeo vazasse − como vazou −, é incompatível com uma profissional de seu calibre. E mais: tendo ao lado um time de profissionais de comunicação.

Difícil entender como ninguém apagou o trecho, que ficou esperando para sair das trevas e assombrar o governo no momento certo.

O momento foi justamente após rumores sobre as festas começarem a aparecer. Sem provas, quem poderia confirmar? Mas as provas existiam, verbalizadas pela principal figura da comunicação do governo britânico naquele momento.

Depois do vazamento, um furo da ITV, Stratton pediu demissão aos prantos, desculpando-se por ter dado a impressão de fazer troça. Não era impressão, como se pode atestar no vídeo.

Mas continuou faltando assessoramento. O primeiro-ministro passou a semana esquivando-se de responder sobre as confraternizações, e se teria participado delas. Até que o tabloide Sunday Mirror colocou a pá de cal.

“Nada vai acontecer”

No domingo, publicou uma foto de Johnson comandando alegremente um quiz, ao lado de dois auxiliares sem máscara. Não há provas de que os demais competidores estivessem ou em grupos em outras salas da sede do governo, quebrando o isolamento, como as “fontes” informaram à imprensa.

No entanto, diante de imagens, fica difícil acreditar que as outras festinhas não aconteceram ou que o líder da nação não tinha conhecimento delas.

Mais difícil ainda é entender como nenhum assessor impediu seu assessorado de comandar o quiz, já que qualquer um poderia capturar a imagem.

Alguns analistas atribuem esse comportamento de Boris Johnson a um excesso de confiança, a uma sensação de que nada vai acontecer com ele.

Pode ser. E quem trabalha ou já trabalhou em assessoria de imprensa sabe que nem sempre os conselhos são seguidos.

Mas, nesse caso, os próprios assessores entraram no jogo do “nada vai acontecer”, falha imperdoável para quem é treinado para antecipar crises.

É verdade que ao fim de 2020 todos estavam extenuados depois de quase um ano de pandemia, ansiosos para confraternizar. Mas não eram apenas os que comandavam o governo. Era toda a população.

Não foi seguro brincar com esse sentimento. E o preço para a nação é alto.

Uma pesquisa feita pelo instituto YouGov na semana passada revelou que 70% dos entrevistados não confiam em Boris Johnson para liderar as medidas de contenção da variante ômicron.

Pior: entre os que não se mostram inclinados a cumprir regras de isolamento, um em cada cinco atribui a decisão ao mau exemplo dado pelo primeiro-ministro e por seus auxiliares.

Isso é mais do que crise política. É uma severa crise de confiança, com efeitos sobre a saúde pública, que assessores mais responsáveis e cuidadosos poderiam ter ajudado a evitar − para começar, proibindo festas e não participando delas ou brincando com a câmera ligada.

Se há uma lição nessa história é a de que contra fatos (e fotos, e gravações…) não há argumentos.


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