Por Valdir Sanches 

Um daqueles telefonemas que põem um repórter a correr. A redação informava que Tubarão, cidade catarinense ao sul de Florianópolis, fora devastada por uma enchente colossal. Era maio de 1974, manhã. Peguei a máquina de escrever portátil e alguma roupa, chamei um táxi, e parti para o Campo de Marte, o aeroporto para aviões de pequeno porte, na zona norte paulistana. Logo estava na companhia de Inajar de Souza, de texto, e Alfredo Rizzutti, com suas câmeras e o aparelho de transmitir telefotos.

Um avião bimotor, alugado, nos esperava. Daqui seguiríamos para uma pista nos arredores de Florianópolis. Embarcamos. O avião correu na pista e… sofreu uma pane séria. Uma vibração forte, que chacoalhava sua estrutura e a nós passageiros. Por sorte, ainda houve tempo de o comandante abortar a decolagem.

Algum tempo depois, embarcamos em outro bimotor, mas este não era um esquife voador, como, por chacota, chamávamos os aviões velhos. Ao cabo de longa viagem, nos preparamos para o pouso. Pista de terra, molhada. Quando tocou o solo, o avião deu uma derrapada, mas o comandante conseguiu controlá-lo.

Prosaica dúvida nos acometia. Como chegar à cidade inundada? Por terra, sabíamos, não havia meios. Tubarão estava isolada. Ora, os jornalistas devem ter um santo forte, que os ajuda. A pequena pista estava servindo aos helicópteros das equipes de socorro da FAB. Conversamos com os militares, e conseguimos uma carona. Era um helicóptero grande, viajava-se em pé.

Bebê na pia batismal foi capa do JT (Crédito: Alfredo Rizzutti/Jonal da Tarde)

Uma vez em Tubarão, começamos a levantar dados, o que não era tão difícil, sem contar a dificuldade de andar na lama e em escombros. O resultado da catástrofe estava à nossa frente, onde quer que fossemos. Via-se um boi pendurado nos galhos de uma árvore. Havia sido levado pelas águas da enchente. Quando elas baixaram, sobrou o animal lá em cima.

Alfredo Rizzutti vê-se diante de uma igreja. Entra e encontra um grupo de flagelados. Ouve o choro de um bebê, de onde…? Descobre o bebê na pia batismal, onde fora deixado. Alfredo faz fotos e se angustia; tem medo de que o bebê caia de lá. Mas uma mulher entra na igreja e vai para a pia batismal. O bebê está seguro.

O Jornal da Tarde abriu a foto na primeira página. A imagem foi reproduzida, e colada em postes de cidades de Santa Catarina, com pedido de ajuda humanitária − alimentos, remédios, roupas. O que salvou os jornalistas (Ricardo Kotscho e Claudinê Petrolli haviam chegado e cobriam pelo Estadão) foi que a rede de energia elétrica se manteve intacta. Assim, pudemos mandar nossos textos pelo telex, e as fotos por telefotos.

O número oficial de mortos na enchente de Tubarão é de 199. Mas restou suspeita de que tenha sido muito maior.


Como o período é de excesso de chuvas, Valdir Sanches mandou-nos esta colaboração que rememora a enchente que assolou Tubarão (SC) há quase 48 anos. Foto dele vamos ficar devendo e ele mesmo explica: “Este texto na primeira pessoa é bossa recentíssima, passei a vida driblando a prática com ‘o repórter fez isto e aquilo’ etc. Agora, foto minha não tenho condições, mesmo”. Sanches foi um dos mais importantes repórteres dos anos áureos do Jornal da Tarde, onde publicou matérias históricas, como a que descreve neste texto.

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