Por Antonio Rocha Filho

A notícia do fechamento do Agora São Paulo, embora previsível diante da redução de investimentos em jornais impressos, me pegou de surpresa. Soube na última quinta, dia 25, por uma ex-colega de redação, que o Agora seria publicado pela última vez no domingo, 28 de novembro. Senti como se um pedaço de mim estivesse sendo arrancado.

Corria o ano de 1998. Eu era editor de Cidades da Folha da Tarde, um dos jornais populares que o Grupo Folha mantinha, ao lado do Notícias Populares. Na época, eu tinha já uma carreira de quase dez anos na empresa, com passagens pelas redações de Folha de S.Paulo e Notícias Populares. O então editor responsável da Folha da Tarde, Nilson Camargo, montou uma equipe para criar um jornal popular para substituir a FT. Coube a mim ajudar na elaboração do projeto gráfico, junto a um designer alemão, além de bolar novas seções.

A ideia era seguir um novo modelo de jornalismo popular, baseado na prestação de serviços ao leitor, descartando o tripé crime-sexo-futebol que marcava o segmento até então. A inspiração principal era o jornal Extra, lançado com sucesso alguns meses antes, no Rio, pelo Grupo Globo. Após cerca de seis meses de trabalho insano, no dia 22 de março de 1999 nascia o Agora São Paulo.

A preocupação com a prestação de serviços e a publicação de informações de utilidade prática para o leitor permeava todo o trabalho da redação − mantendo em parte o conteúdo clássico do jornalismo popular, com notícias sobre o cotidiano da cidade de São Paulo e da região metropolitana, economia popular, serviços públicos (em especial transporte, educação, saúde e segurança), futebol, celebridades e televisão.

Outro destaque eram as promoções. Selos publicados na capa do jornal, colecionados pelo leitor, davam direito a produtos. A primeira grande promoção, pela qual o Agora ficou conhecido, foi a das panelas. Nos anos seguintes, vieram livros, celulares e até um patinete.

Nos primeiros oito meses do Agora, eu era editor de Cidades. Depois, com a saída de Emerson Figueiredo, passei a secretário de Redação, ajudando Nilson Camargo e Luiz Carlos Duarte, o outro secretário de Redação, a liderar a equipe.

O foco editorial do jornal em seus primeiros anos estava na investigação da máfia dos fiscais, um esquema de desvio de verbas da fiscalização da prefeitura nas ruas para abastecer gabinetes de vereadores na Câmara Municipal. O trabalho do Agora levou ao afastamento e à prisão de políticos. Entre os atingidos, o então prefeito Celso Pitta, o deputado estadual Hanna Garib e o vereador Vicente Viscome.

Em 2004, o Agora deu uma grande virada. Os editores descobriram uma temática que aumentou as vendas do jornal e tornou-se o carro-chefe: as aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Desde então, os temas relativos ao INSS passaram a dominar as manchetes do jornal, até o último dia.

O trabalho no Agora exigia uma dedicação sobre-humana de todos. A carga horária batia fácil em 12 horas diárias e chegava a 16 com frequência. A quantidade de trabalho e a pressão por resultados (qualidade editorial e boas vendas) afetava a todos e gerava um clima pesado na redação, com discussões e gritos desnecessários. Porém, fazia com que os profissionais se tornassem pessoalmente muito próximos, num clima de ajudar uns aos outros.

Nos 14 anos em que estive no jornal, desenvolvemos centenas de reportagens marcantes e inovamos no jornalismo popular de serviços. Sem falar nas matérias que só eram feitas pelo Agora − como colocar uma dupla de repórter e fotógrafo para circular pelas ruas levantando tampas de bueiro, com um pé-de-cabra, para verificar se a prefeitura estava fazendo corretamente o serviço de limpeza para prevenir enchentes.

Um salve aos Agoritos - Agora SP
Antiga redação do Agora, quando ainda funcionava no segundo andar do prédio da Folha (Crédito: Diego Padgurschi)

Era comum ter equipes percorrendo postos de saúde da prefeitura ou agências do INSS para mostrar o que a população enfrentava no atendimento. Acompanhar as condições das escolas públicas em bairros mais afastados era atividade rotineira. Outra pauta comum era contar e fotografar buracos nas ruas para cobrar a prefeitura pela solução do problema.

Tal linha editorial provocava atritos com o Governo do Estado e com a prefeitura, que chegou a chamar o Agora de “jornal do mal”, nas palavras da então prefeita Marta Suplicy. E levava os profissionais da redação a viverem situações críticas.

Um dos momentos mais difíceis e tristes que vivi à frente da redação aconteceu em 2000. Durante a cobertura de um protesto de servidores, na avenida Paulista, o fotógrafo Alex Silveira foi ferido por um disparo de bala de borracha de um policial militar, o que lhe tirou 85% da visão do olho esquerdo e criou limitações permanentes de trabalho, já que ele tinha problemas prévios de visão no outro olho.

A busca por pontos de vista múltiplos levava o jornal a criar seções inusitadas. O Agora teve um detento colunista que escrevia semanalmente para o jornal, de dentro da Casa de Detenção, implodida em 2002. A coluna, vetada pela Secretaria de Administração Penitenciária, exigia uma complexa logística para que o texto chegasse à redação. O jornal também chegou a criar o posto de colunista na comunidade de Heliópolis, a maior de São Paulo. O repórter Rogério Panda ficou morando incógnito na comunidade por semanas, até ser descoberto e precisar ser retirado do local.

A morte precoce de Panda por problemas cardíacos, aos 31 anos, em 2005, foi um dos traumas vividos pela redação. Assim como foram as mortes dos editores Vilma Cazarin, vítima de um câncer (2002), Eduardo Hiroshi, que tirou a própria vida (2013), e Domingos Ferreira Alves, o seu Domingos, que se foi em 2008, aos 75 anos. A partida de Roberto Hirao, em 2012, aos 68, depois de longa batalha contra o mal de Parkinson, também causou comoção.

A necessidade de trabalhar até 16 horas por dia fazia com que muitos jornalistas juntassem sua vida pessoal com a profissional. Eu costumava levar meus dois filhos, então pequenos, para os plantões de fim de semana na redação. Viver amores com colegas de trabalho também era comum, diante da convivência por longos períodos resolvendo problemas juntos. Vários casais formaram-se no Agora. Eu mesmo vivi um grande amor na redação.

O Agora me proporcionou momentos inesquecíveis na carreira. Foi pelo jornal que realizei um sonho de menino e cobri, como enviado especial, duas Copas do Mundo (2006, na Alemanha, e 2010, na África do Sul), e dois Jogos Olímpicos (2000, em Sydney, e 2012, em Londres). Também enfrentei crises e situações muito complicadas. Como a morte do governador Mario Covas, em 2001, quando colocamos uma edição extra nas bancas logo cedo, o fizemos em apenas duas pessoas, eu e a então pauteira de Cidades Mariana Carvalho.

Outra grave crise foi a suspeita da existência, na redação do Agora, de antraz, o pó tóxico usado nos EUA por terroristas supostamente ligados ao fundamentalismo islâmico. Este episódio, também em 2001, levou a PM e o Corpo de Bombeiros a ameaçarem interditar o prédio da Folha, o que teria consequências desastrosas. Minha atuação junto às autoridades e o suporte da então editora de Cidades Rita Camacho, do departamento jurídico e da direção da Folha foram fundamentais para evitar o pior.

Um salve aos Agoritos - Agora SP
Integrantes da antiga redação do Agora no segundo andar do prédio da Folha (Crédito: Diego Padgurschi)

Em junho de 2013, depois de 24 anos no Grupo Folha, saí do jornal. Era um momento em que o jornalismo impresso já dava sinais de inviabilidade financeira. O histórico Jornal da Tarde havia fechado em 2012. O Diário de S.Paulo, sucessor do clássico Diário Popular, deixaria de circular alguns meses depois. Desde 2017 dedico-me exclusivamente à atuação como professor no curso de Jornalismo da ESPM-SP. Muito do conhecimento que hoje compartilho com meus alunos vem dos meus tempos do Agora.

Tudo isso não seria possível sem a participação direta de centenas de profissionais que fizeram a história do Agora. O jornal não seria o que foi sem o esforço e o sangue desses guerreiros e guerreiras, que costumam se chamar entre si, carinhosamente, de Agoritos. Torço para que o jornalismo aguerrido, independente e voltado para o interesse público praticado pelo Agora fique como legado para outros veículos. E para que os colegas que deixam a redação do Agora neste momento se recoloquem rapidamente.

Cogitei encerrar este texto com uma lista de profissionais com quem convivi no Agora e que me ensinaram muito. Desisti porque ocuparia um espaço imenso e eu acabaria cometendo injustiças ao deixar de citar alguns nomes. Entendo, porém, que qualquer texto sobre o Agora precisa dar o devido crédito a quem fez o jornal durar estes 22 anos, 8 meses e 6 dias. A todos os Agoritos, meus parabéns e meu muito obrigado.


A colaboração desta semana é de Antonio Rocha Filho, jornalista e professor do curso de Jornalismo da ESPM-SP, que trabalhou por 24 anos no Grupo Folha, 14 dos quais na redação do Agora São Paulo, jornal que ajudou a criar e que encerrou suas atividades em 28 de novembro.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments