Por Lília Gomes de Menezes

Pai, afasta de mim esse cale-se! Em 1978, quando a letra dessa canção foi composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, em plena ditadura militar, o cálice era na verdade um cale-se!: um grito de alerta e de resistência contra o silenciamento do cidadão que queria pensar diferente, analisar, questionar. Rebelando-se com o imprevisível foi capaz de driblar a lente da censura e ganhar as ruas. Hoje, esse cale-se! pode ser um belo convite para uma análise dos fatos e dados da atualidade considerando pontos de toque entre a ditadura do silêncio imposta pela força policial na década de 70 e a algazarra ou ditadura do silêncio manejada pelos algorítmicos, via redes sociais. Na essência, ambas miram um mesmo alvo letal para a democracia: a desinformação, que alija ou distrai o cidadão do que de fato lhe importa para pensar, fiscalizar e cobrar prestação de contas e bons serviços públicos.

O balanço dos acontecimentos no Brasil e no mundo neste mês de janeiro, a comunicação em favor da desinformação foi a vedete. Tivemos a Big Tech Meta (7/01), responsável por WhatsApp, Facebook e Instagram, anunciando o fim da moderação e da checagem de conteúdo a começar pelos EUA. Na mesma esteira, Donald Trump bate seu recorde de ameaças e medidas antidemocráticas anunciando ordem de silêncio a servidores, restrições de acesso a jornalistas, perseguição a servidores de carreira, tudo sob o falso argumento de proteger a democracia, como analisa Zack Beauchamp da Vox. Aqui no Brasil, o governo federal, imediatamente após tentar mudar os rumos da comunicação em busca de mais acertos, capota na crise da comunicação do pix, encerrada com vitória para a  desinformação.

Gerenciando a algazarra na arena da informação/desinformação, a serviço das big techs, está o intangível e onipresente algoritmo, que “administra” os interesses individuais de informação na sociedade do controle (Deleuze,1990), silenciando ideias de minorias e dando visibilidade a discursos de ódio, preconceito.  Sob a embalagem e o discurso de “liberdade de expressão”, os chefes dos algoritmos controlam “o quê” o “quem” o “quando” e o “onde” um conteúdo vai viralizar. “A desinformação, defendida por essas empresas ao recusarem a moderação de conteúdos, é um instrumento político que combate as forças democráticas, impede o exercício dos direitos civis e o debate de ideias sem discurso de ódio”, alertam as professoras e pesquisadoras da USP Roseli Figaro e Claudia Nonato.

Analisar o cenário atual por meio de pesquisas recentes e buscar inspiração em projetos que romperam paradigmas no passado talvez possa fornecer insights úteis a jornalistas e comunicadores. Atualíssimas e carimbadas de credibilidade são as recentes pesquisas divulgadas pelo Instituto Reuters sobre o panorama do jornalismo para 2025 e o uso de dados pessoais pela empresa Meta feita pela USP.

O relatório da pesquisa « Journalism and Technology Trends and Predisctions 2025” do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, produzido a partir da escuta de  326 líderes digitais de 51 países apresenta um panorama do futuro do jornalismo em 2025. Além de revelar em quais redes sociais os grandes CEOs e heads pretendem centrar força em 2025, há pistas reforçando conteúdo curto, divertido, ilustrado, acessível, investimento em história de vida, em criar conexão emocional com o público e equilibrar as doses de cobertura negativa com histórias inspiradoras de superação.

A pesquisa da USP, “Meta: se apropriar de seus dados. O caminho das informações pessoais no ambiente digital”, resultou em uma cartilha que explica em detalhes como e pra que o usuário é usado, tudo que as plataformas querem captar para vender e obter lucro, boa para ajudar comunicadores a pensar em possíveis antídotos.

Para arrematar as atualizações oferecidas aos comunicadores no mês de janeiro, vale ler os resultados da pesquisa da Université de Zurich e o ETH Zurich e respondida por 72 mil pessoas de 68 países. O estudo revela que a confiança das pessoas na ciência não está em declínio, mas que os pesquisadores precisam se aproximar mais do cidadão explicar de modo acessível as implicações sociais de seus estudos, ou seja: falta comunicação.

Então, bora buscar inspiração! Irreverência, forte identificação com o leitor, quebra dos padrões jornalísticos da época foram algumas das estratégias que levaram o “rato que ruge”, o nanico periódico O Pásquim a viralizar à moda antiga, saindo de uma tiragem de 28 mil exemplares para 250 mil, em seis meses. Dá pra conhecer essa história por meio do livro Rato de redação: Sig e a história do Pasquim e ler todas as edições no acervo digital da Biblioteca Nacional.

Na certeza de que o “cale-se!” da atualidade ditado pelos algoritmos é sutil e talvez mais potente que o do passado em função do seu poder (até agora livre dos freios da lei na maior parte do mundo) para selecionar e impulsionar o que será distribuído aos usuários; para favorecer a circulação de ideias equivocadas sobre fatos e sobre o funcionamento da democracia, por meio do silenciando de opiniões contrárias de interesses públicos e de pautas democráticas, o cenário exige de jornalistas e comunicadores muito mais esforço, qualificação e criatividade. Vale então considerar para 2025, capacitar bem para identificar o custo-benefício de cada rede social e definir sem paixão onde vale concentrar esforços; identificar um seguimento de público e adequar formato e linguagem para surpreender; fazer esforço para entrar em relação com o público, humanizar postagens colocando pessoas para entregar seu conteúdo, com bom humor e bom astral, tentar tirar do papel os 12 Princípios da Comunicação Pública. E, principalmente, acreditar no pequeno mas importante compromisso de cada um com a democracia brasileira, que depende da verdade dos fatos.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal dos Jornalistas.

 

Referências

Carta Capital – https://www.cartacapital.com.br/mundo/a-conversa-entre-lula-e-macron-sobre-mudancas-na-moderacao-da-meta/?utm_source=chatgpt.com

Embaixada da França em Lisboa – https://pt.ambafrance.org/Integridade-da-informacao-Recuo-da-empresa-META-na-moderacao-de-conteudos-e-na?utm_source=chatgpt.com

Site Razão inadequada – Deleuze sociedade de controle – https://razaoinadequada.com/2017/06/11/deleuze-sociedade-de-controle/

AH Aventuras na História – https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/vitrine/o-pasquim-o-jornal-humoristico-que-foi-icone-de-resistencia-durante-ditatura-militar.phtml

A Tribuna RJ – https://www.atribunarj.com.br/materia/livro-resgata-historia-de-o-pasquim-icone-da-resistencia-contra-a-ditatura-militar-no-brasil

Correio Brasiliense – https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2025/01/7041563-zuckerberg-sinaliza-que-big-techs-querem-governar-a-politica-mundial.html

Tendencias do jornalismo em 2025 – relat´rio Reuters – https://mediatalks.uol.com.br/2025/01/13/relatorio-apresenta-tendencias-para-o-futuro-do-jornalismo-em-2025/?utm_source=NEWSLETTER

https://mediatalks.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/01/Trends_and_Predictions_2025.pdf

Como Trump esconderá sua política antidemocrática – Vox – https://www.vox.com/on-the-right-newsletter/396127/trump-democracy-executive-orders-day-one?utm_source=sailthru&utm_medium=email&utm_content=wildfireroundup&utm_campaign=storyroundup&ueid=x&utm_term=All%20newsletter%20subscribers%20%28valid%29

Link dos boletins da vox para Jornalistas e Cia – https://www.vox.com/newsletters


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