Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

A semana do Dia Internacional da Mulher não foi de festa em alguns países. No Reino Unido, uma tragédia disparou uma onda de protestos contra discriminação e violência contra mulheres. E alimentou o debate sobre como a imprensa deve noticiar crimes.

A vítima foi Sarah Everard, de 33 anos, assassinada em Londres na semana em que mulheres deveriam ser homenageadas. O autor foi um policial qualificado para patrulhar embaixadas.

Não dá para comparar os números britânicos de agressões a mulheres e de violações cometidas por autoridades com as vergonhosas estatísticas do Brasil. O caso de Sarah,  no entanto, mostra que não há lugar seguro para as mulheres.

Mas as maiores críticas à polícia não vieram após a revelação de que o criminoso era um agente, graças ao respeito desfrutado pela instituição. Os depósitos de boa imagem acumulados fazem com que episódios como esses sejam relativizados pelo público.

Mas tudo tem limites. E o limite chegou sábado (13/3). Uma vigília em memória de Sarah foi reprimida com violência por policiais, por violar o isolamento social.

A foto de Patsy Stevenson, imobilizada por um agente, dominou o noticiário. E fez recordar o valor do treinamento para lidar com o público em uma era em que todos têm celular com câmera.

violência contra mulheres
Patsy imobilizada por agente: ira da sociedade contra a polícia

Nesse momento, a ira da sociedade voltou-se contra a polícia, com um movimento exigindo mudança no comando da Scotland Yard. A ironia é que a chefia está nas mãos de uma mulher, Cressida Dick.

Ela conseguiu ficar. Na coletiva em que anunciou a decisão de permanecer, lembrou sua condição de mulher e a importância de esse espaço não ser perdido.

Mas tem sido enxovalhada, inclusive pelos que aproveitaram para lembrar que coube a ela o comando da operação que vitimou o brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado no metrô em 2005 ao ser confundido com um terrorista. Culpada ou não, seria triste uma mulher em um cargo tão associado a homens ser obrigada a sair justamente por fatos envolvendo um feminicídio.

A controvérsia de identificar suspeitos

Nos meios jornalísticos o caso de Sarah motivou uma discussão sobre padrões éticos e jurisprudência relacionada à identificação de criminosos. Vários jornais (não apenas os tabloides) revelaram o nome do autor do crime e de sua esposa antes da confirmação oficial, indo de encontro a um parâmetro estabelecido quando o cantor Cliff Richards ganhou uma processo contra a BBC.

Richards tinha sido acusado de crime sexual. A operação que culminou em sua detenção virou um espetáculo, com helicóptero sobrevoando a casa. Foi inocentado e ganhou uma indenização.

A Bloomberg também perdeu ação semelhante, por ter identificado um empresário sob investigação. O mesmo aconteceu com o Daily Mail, que revelou o nome de um suspeito do atentado da arena de Manchester, depois inocentado.

Não há lei proibindo a identificação. Sobra para os editores a missão de decidir se a revelação enquadra-se no critério de interesse público, justificando assim dar o nome do acusado.

No caso de Sarah, a tese foi invocada por ser o autor do crime um policial. Mas há pouco tempo um parlamentar acusado de assédio sexual não foi identificado, levando a crer que há dois pesos e duas medidas de acordo com o poder do envolvido.

Bullying custa a cabeça do editor do Bild

Julian Reichelt é outro que não teve o que comemorar. Ele afastou-se do cargo de editor do jornal mais lido da Alemanha, o Bild, durante investigação sobre sua conduta.

Reichelt, de 40 anos, é uma celebridade do jornalismo e atribuiu as acusações aos que discordam da linha editorial do jornal, sensacionalista e orientada para a direita. A Der Spiegel relatou denúncias de bullying e de favorecimento a funcionárias com quem ele teve relações íntimas.

Uma história que, se confirmada, enquadra-se no que apontou o relatório da Repórteres sem Fronteiras sobre violência contra jornalistas mulheres: 51% dos casos de assédio foram cometidos por superiores, e em 61% eles ficaram impunes.

Veja em MediaTalks mais detalhes do caso, do editor acusado, do Bild e do grupo que o controla.

Gráfico da RSF sobre sexismo e violência contra mulheres jornalistas
As estatísticas da RSF

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