[ LUANA IBELLI / ABERTURA ]

Olá! 

Tá começando mais um episódio do #diversifica, um podcast sobre diversidade, equidade e inclusão do jornalismo. Esse é o especial Subjetividades. 

Eu sou Luana Ibelli, e eu sigo conversando com um jornalista que tem história em representar a diversidade nas redações. 

O convidado de hoje tem uma carreira de mais de 20 anos em um dos maiores jornais do Brasil e se tornou uma referência na pauta da inclusão, especialmente pela perspectiva da pessoa com deficiência. 

Jairo Marques, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite! 

[ JAIRO MARQUES ]

Obrigado você, Luana! E que apresentação bonita né? Puxa… [Risos] 

[ LUANA IBELLI ]

Ai, que bom! Brigada… Mas é, faz parte da sua história, e que bom que você tá aqui com a gente pra discutir esse tema, né, que é tão importante. 

[ JAIRO MARQUES ]

Vamo lá! 

[ LUANA IBELLI ]

Então, eu queria que você começasse se apresentando, né, que é gostoso ouvir da própria pessoa sobre a sua trajetória, aquilo que te formou como jornalista, e um pouquinho do que você tá fazendo hoje.

[ JAIRO MARQUES ]

Eu acho que eu sou um jornalista apaixonado por pessoas, por gentes.

Sempre foi o meu grande material, a minha grande bagagem foi gostar de pessoas, gostar de ouvir as pessoas. Desde criança. E foi isso que eu fiz, e faço até hoje, que é ouvir pessoas, buscar histórias, buscar pessoas que não são normalmente vistas ou representadas em grandes veículos, né? 

E eu tenho, felizmente, uma porta, em um grande veículo, e eu confesso a você que tem uma certa até uma certa obsessão por trazer histórias de pessoas que não veem as suas histórias contadas normalmente. 

Então, acho que eu sou isso. Eu sou uma pessoa que conta histórias dos outros, que tem a felicidade de que as pessoas… as pessoas abrem as portas para mim,  abrem o coração, abrem as mentes, abrem as suas dores. 

Mas, enfim, eu sou jornalista de formação, eu nasci em Mato Grosso do Sul e, enfim, me informei em jornalismo e muito rapidamente… É claro, né, com todos os percalços de uma pessoa com deficiência, mas aí já é uma história mais conhecida. Mas vim parar na Folha de São Paulo, onde eu fiz a minha a minha carreira e estou lá quebrando pedra até hoje. 

Tem uma formação, também, em jornalismo social. E já fiz de tudo no jornal, né, já fui repórter, hoje eu sou editor, sou colunista, sou blogueiro, fiz vídeos [risos]. Eu acho que eu consegui navegar por todos os mares, aí, da comunicação. Felizmente. Tive essa felicidade, né. E continuo lá, continuo firme. 

[ LUANA IBELLI ]

E com todo esse histórico, o que você acha da questão da objetividade jornalística? É um grande tema aqui desse nosso especial, então, queria que você falasse um pouquinho disso. É possível ser neutro e imparcial no jornalismo? E como isso se relaciona com a abordagem da pauta das pessoas com deficiência.

[ JAIRO MARQUES ]

Eu acho que eu não vou responder objetivamente [risos]. 

Eu acho que quando você coloca uma frase de um personagem que te faz chorar, ou que aquilo causa, pode causar uma comoção no leitor, você está sendo neutro? Quando a gente coloca uma uma afirmação, né, de um especialista, e essa afirmação mexe com valores, você está sendo neutro? Eu não sei. 

Acho que a gente busca pluralidades dentro de um texto jornalístico. A gente busca vozes, as mais diversas, dentro de um texto. Acho que o bom texto… Eu tô falando de texto porque eu sou do impresso [risos]. Nem existe isso mais, né? Somente impresso, mas enfim, eu sou do texto escrito. Mas vale pra texto televisivo, vale pra rádio, vale pra todos os meios, né? Os textos da internet… 

Então, acho que quando a gente busca fontes diversas, quando a gente busca várias vozes, a gente contribui mais com o entendimento do leitor, e a gente faz o processo de comunicação ser melhor. Mas eu não sei se neutralidade é algo que a gente alcança, muito menos objetividade. Porque qual é o grande objetivo, né? 

Acho que a gente tem vários objetivos num texto. Às vezes a gente tem que esclarecer, a gente tem que informar, a gente tem que dar voz a demandas que são reprimidas, a gritos. Então, são valores que a gente busca, mas eu não sei necessariamente se a gente sempre alcança.

[ LUANA IBELLI ]

E você falou de dar voz, né? E trazer visibilidade a esses grupos, queria falar então desse grupo do qual você faz parte, e que você tão atentamente fala em muitos dos seus trabalhos. Queria que você falasse um pouquinho dos principais erros que o jornalismo ainda comete quando o assunto são pessoas com deficiência.

[ JAIRO MARQUES ]

[Suspira] Eu sou suspirante… 

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ JAIRO MARQUES ]

O principal erro que persiste é o erro de achar que as pessoas com deficiência fazem parte de outro universo. É de tratar a pessoa com deficiência como eles. Como pessoas alheias à  realidade que se vive. Seja na redação de jornal, seja no mundo da moda, seja no esporte…

 Ainda hoje persiste um trato da pessoa com deficiência como alguém que fosse um apêndice de sociedade, de cidadania, e não como parte. Então é muito comum, assim. Ah, mas eles vão fazer como? Como a gente vai tratar deles? Então, eu acho isso bastante interessante. 

E a gente tem atualmente uma sigla, eu não digo que ela está errada, mas é que eu reluto bastante, que é transformar as pessoas com deficiência numa praga chamada PcD.

[Risos] Isso que eu tô dizendo, não tem unanimidade nisso, tá bom? É que eu penso assim e algumas pessoas pensam assim. Mas demorou tanto tempo para para que a gente conseguisse ter entrada de transformar o portador de necessidades especiais, que é um termo que não diz absolutamente nada, e que transforma, isso sim, pessoas com deficiência numa parte da sociedade, né, o que que são eles? 

Demorou muito para que a gente pensasse, não, mas são pessoas, são pessoas que têm uma condição diferente. E agora, lentamente, a gente vai para esse caminho de um tal de PcD, né? Então, de novo, a gente tá transformando numa embalagem assim, né? Isso que a gente precisa estar atento.

[ LUANA IBELLI ]

Você acha que esses erros diminuiriam se a gente tivesse mais pessoas com deficiência construindo as narrativas jornalísticas? 

[ JAIRO MARQUES ]

Com certeza! 

Eu acho que, ainda, voltando na questão dos erros, que eu acho que só apontei um… Acho que erros é uma palavra forte, mas talvez, impressões ou distanciamentos, né? 

Eu acho que a gente precisa ter menos melindres para aprender, para ouvir o que é diverso, sabe? A gente ainda tem muito medo de… Ah, puxa, mas ele é cego Mas eu posso falar, cê tá vendo? Sabe? 

Posso usar tal…Embora eu tenha falado de uma expressão aqui, mas a gente a gente parece que usa uma armadura. E também na comunicação, quando se trata de uma pessoa com deficiência. Ou a gente infantiliza, ou a gente superprotege… 

Tentar ser natural é um caminho importante. É claro, ser natural não quer dizer desconsiderar as necessidades que essas pessoas têm. Você não pode convidar uma pessoa, um cadeirante, para uma festa, se vai ter uma escadaria [risos] no lugar, né?  

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] Claro…

[ JAIRO MARQUES ]

Então, enfim, é tentar pensar nas diferenças com duas maneiras, né, com naturalidade, agir com naturalidade, mas entendendo que essa pessoa tem uma maneira, talvez, de olhar para o mundo, e necessidades do mundo que não são as mesmas que você. E ninguém tem as mesmas necessidades, digamos de passagem, né?

Com absoluta certeza, tendo mais pessoas diversas em ambientes, as respostas são quase que imediatas, né? A gente tá falando de redação, mas eu adoro falar sobre escola. 

[ LUANA IBELLI ]

Uhum… 

[ JAIRO MARQUES ]

A minha filha tá numa escola em que eu acho bárbaro… uma observação que eu faço, que é o seguinte. Então, ela tá nessa escola, e desde sempre ela fala que o pai é cadeirante, né? Tem situações que eles debatem em sala de aula sobre diversidade, e tal… Então, quando eu chego, e a gente vai muito na escola, né, festinhas, e essas coisas de criança… não tem estranhamento. É incrível! 

Eu até me emociono, falar isso… E esse eu tenho vivido agora, dá até um texto isso, hein, puxa vida… É, eu tenho vivido muito agora… não tem estranhamento!  Porque elas já sabem, elas sabem que existe uma pessoa, um dos pais, que usa uma cadeira de rodas, que é assim, que é assado, né? 

E eu venho… a minha infância foi totalmente diferente. E talvez a sua tenha sido diferente, que é aquela coisa, meu Deus, mas como assim, como ele pode ser pai, como ele pode fazer isso?

Não. Então, quando você tem a entrada… Eu dei um exemplo aqui da minha filha, mas poderia ser uma criança com deficiência na sala dela, né…

[ LUANA IBELLI ]

Uhum… 

[ JAIRO MARQUES ]

Pode ser um repórter com deficiência dentro de uma redação. Quando você tem as experiências diversas, essa naturalização acontece muito mais rápido, de uma maneira muito mais impactante. Disso eu tenho certeza. 

[ LUANA IBELLI ]

E quando esse estranhamento sai da frente, o que que surge, né? Para você ser mais leve, pra você estar ali convivendo com todo mundo.

[ JAIRO MARQUES ]

Possibilidades. 

[Suspira].  

Eu não sei porque eu sempre me emociono falando sobre diversidade…

[ LUANA IBELLI ]

Eu também me emociono, viu, eu já aviso que podem rolar lágrimas… É Subjetividades, ninguém foi enganado! [Risos]. 

[ JAIRO MARQUES ]

Ah, tá louco… Toda vez que eu falo, eu me emociono. 

Mas se abrem possibilidades, quando a gente naturaliza. 

A gente… Grupos sociais que vivem à margem da sociedade padecem de ausências diversas, de acessos, né, de oportunidades, de viveres, de experiências. De amores, de dissabores, às vezes. 

Então, quando você naturaliza os convívios, você amplia as experiências das pessoas. E ampliar a experiência quer dizer viver mais! Sabe, Luana, isso é muito sério! As pessoas que estão marginalizadas, elas vivem menos. 

E por que vive menos? Porque elas não chegam, porque elas não são entendidas, porque elas não têm oportunidade, porque elas não podem enxergar tal situação, né? 

Tem um debate que eu adoro também, que é sobre acesso em áreas naturais. Parques, cachoeiras, né? Puxa vida, é um imenso valor humano você tá em contato com a natureza.

[ LUANA IBELLI ]

Sim. 

[ JAIRO MARQUES ]

Você concorda? 

[ LUANA IBELLI ]

Claro… 

[ JAIRO MARQUES ]

Tipo, nossa! É a coisa mais natural… Nossa, tô precisando de ir pra praia… 

[ LUANA IBELLI ]

A primeira vez que eu vi o mar… 

A primeira vez que eu levei o meu filho para ver o mar… 

[ JAIRO MARQUES ]

Puxa! …Que pisei na areia! 

Ah, a cachoeira! Ah, o vento, as árvores, pude abraçar as árvores! 

Isso é algo muito impactante para o ser humano. 

Mas, a pessoa com deficiência não vai, né? É bem complicado, acessar o mar, a cachoeira, então, a gente também é excluído disso. 

E eu gosto muito de… E já tem um debate sobre isso, acessar essas coisas sabe? Ter direito a esse bem natural, espiritual, de alguma maneira, né? 

Nossa, e eu falo horrores, Luana. 

[ LUANA IBELLI ]

Tá ótimo! 

[ JAIRO MARQUES ]

[Risos] 

[ LUANA IBELLI ]

Mas todos esses assuntos estão pra esse mesmo lugar né, que a gente quer as pessoas entrando e acessando os lugares.

[ JAIRO MARQUES ]

Claro. 

[ LUANA IBELLI ] 

Tem uma coisa muito legal também que você costuma falar, da importância da representatividade, quando você se vê nos lugares, né? Qual que é essa importância, além de você tirar o estranhamento, também você ter essa pessoa ali naquele meio.

[ JAIRO MARQUES ]

É. E a gente ainda não tá em muitos lugares. 

Eu tenho uma preocupação muito latente que nesse… às vezes eu chamo de ônibus, às vezes eu chamo de foguete das questões da diversidade, dos grupos de diversidade, eu vejo muitas vezes as pessoa com deficiência, e os velhos, não embarcando.

E às vezes se pinça uma pessoa com deficiência ali no humor, uma pessoa com deficiência ali nos influenciadores digitais, mas no debate grosso da história, que é o trabalho, que é a educação, que é o acesso à saúde, que são os direitos básicos e fundamentais, esses debates, da representatividade cultural… na novela, no filme, na propaganda, né? Que é o espelho da sociedade, que tem um impacto social muito forte, eu vejo que a pessoa com deficiência não tá indo nesse barco, ou tá indo de uma maneira muito a conta-gotas, né? 

Acho que tem uma uma questão aí bem, também, provocativa, dentro deste de debate de diversidade. E as pessoas, me desculpem quem se agredir com isso, mas as pessoas precisam ter essa representatividade com o tamanho que elas têm de fato. 

Então, não é o passar perfume, não é dar um belo banho… As pessoas são o que são, entende? Então, às vezes, a gente precisa questionar o que é bonito para uma televisão, pra um comercial. A gente precisa questionar o que é falar bem às vezes, né? A gente precisa, porque senão, a gente não vai dar acesso aos plurais nunca. 

[ LUANA IBELLI ] 

É, porque eu fico às vezes com a impressão, né, também falando de pessoas com deficiência, que parece que você sempre precisa provar que você pode fazer igualzinho às pessoas que não têm deficiência, que você pode… e às vezes até mais, né? 

Porque algumas pessoas têm aquele imaginário do superpoder… Ah, a pessoa não enxerga, mas ela tem uma super audição, uma super sensibilidade, um texto incrível. Mas e se não, né, também? Será que ela também não pode errar em outros aspectos? Como que você vê isso? 

[ JAIRO MARQUES ]

Que é uma invenção, né? Assim, o super poder não existe né? O que existe é um super esforço. Sabe? É um super esforço, às vezes, compensatório, de algo que você não tem. 

Eu não posso ser um jornalista ok. Eu preciso ser um ótimo jornalista, porque senão, eu não vou conseguir ter acessos, né? Senão, eu não vou conseguir ter, galgar o espaço que eu gostaria de ser.

Então, o super vem muito disso, da sua necessidade de se… Pra sobreviver, você precisa ser muito, você precisa fazer muito, você precisa ouvir muito mesmo, você não… 

Se você não enxerga, você precisa ouvir muito, se você não anda, você precisa ser mega inteligente. Enfim, são coisas aí que não necessariamente são naturais, né? Digamos assim.

[Suspira]. 

[ LUANA IBELLI ] 

E esse cansaço, né, acaba com certeza tirando oportunidades, porque se você tem que se esforçar tanto para chegar no mesmo lugar que talvez uma pessoa medíocre esteja, né… Quantas pessoas deixaram de chegar nesse mesmo lugar? 

[ JAIRO MARQUES ]

Sim!

E sem falar que o olhar sobre você é sempre diferente. O olhar sobre uma pessoa com deficiência, sobre qualquer grupo diverso, a gente ainda tá construindo esse olhar um pouco mais plural, um pouco mais diverso, um pouco mais respeitoso com as características da pessoa. 

Em geral, você nem vai ser considerado pra muitas coisas. Porque o que é considerado é o que você não tem. Né? O que você tem… é mais difícil alguém parar para escutar aquilo que você não tem. 

E é um exercício humano de vanguarda, necessário a gente parar para entender os outros que não são iguais a gente, sabe? 

Eu me lembrei agora de um de uma reportagem que eu fiz recentemente, porque eu ainda continuo fazendo reportagem, e hoje eu tenho cargo de edição, né… Eu acho que eu teria que ter falado um pouco sobre isso… [Risos] 

[ LUANA IBELLI ] 

Quando surgir já tá ótimo… 

[ JAIRO MARQUES ]

Eu sou editor de uma sessão nova do jornal chamada Vida Pública, que debate questões relacionadas ao serviço público, às políticas públicas. 

Continuo como colunista do jornal, mas eu também me atrevo a escrever, ainda, faço muita reportagem, enfim. E uma das reportagens que eu fiz, sobre pessoas com afasia, que são pessoas com dificuldade de fala em decorrência, enfim, ou por AVC, ou outras questões.

E entrevistar essas pessoas, para mim, foi um desafio muito interessante. Porque você precisa mudar o seu tempo. A gente tá aqui numa entrevista, você já tá pensando no que você vai me perguntar em breve… 

[ LUANA IBELLI ] 

Exatamente… 

[ JAIRO MARQUES ]

…E eu não paro de falar, e tem uma dinâmica. Agora, tem pessoas que tem outra dinâmica, que precisam de um outro tempo para pensar, para elaborar aqui, para [que] as palavras saiam… 

[ LUANA IBELLI ] 

Que não é o tempo da edição…

[ JAIRO MARQUES ]

Exato!

[ LUANA IBELLI ] 

…Que não é o tempo perfeito que vai aparecer naquela reportagem, né, com o corte perfeito… 

[ JAIRO MARQUES ]

Com o corte perfeito! Mas esta reportagem me transformou muito. Sabe? Porque eu tive que ouvir muito mais atentamente, com mais calma, deixar a minha ansiedade pelas próximas perguntas de lado para dar o espaço que aquela pessoa precisava para falar, né?

[ LUANA IBELLI ] 

E isso foi, com certeza, mais importante do que um formato, ali…

[ JAIRO MARQUES ]

Qualquer coisa! Além de dar voz a essas pessoas, né? Porque, geralmente, se esse personagem não atende a uma expectativa, você descarta, né? 

[ LUANA IBELLI ] 

Isso é muito comum! Na minha trajetória de jornalista, eu já me deparei bastante com isso, né? Ah, essa entrevista não ficou tão boa… E muitas vezes, nessas questões, né, não fala bem… e como isso exclui, né, também, as fontes… 

E eu acho que você estando numa redação, e sendo uma pessoa com deficiência, e tendo esse olhar diferenciado, com certeza você faz a diferença nisso, né, de olhar para essas fontes de uma forma diferente. Como que é? 

[ JAIRO MARQUES ]

Claro! Total! E uma das vantagens de você ter muito tempo de carreira, é que você fica muito chato [risos]. E você consegue dialogar, né? Com outros, em outros caminhos dentro de um grande veículo. 

Então eu me lembro, também, faz pouco tempo, a gente conseguiu colocar uma foto na primeira página, de um grupo de pessoas com nanismo. E uma foto enorme, no principal jornal do Brasil, no alto. Isso é mega importante!

[ LUANA IBELLI ] 

Como foi esse esse bastidor de conseguir colocar essa foto? Conta um pouco.

[ JAIRO MARQUES ]

[Suspira] 

Tá! [Risos]. Vamos lá. 

Primeiro, eu tinha convicção de que a gente tinha uma grande foto. Então, a pauta era pessoas com nanismo se mobilizando para ter mais acesso a vestimentas que fossem adequadas a eles. 

Então, eles iam fazer um desfile de moda de roupas que eram mais apropriadas para pessoas com nanismo, e tudo. Então cê tinha tudo ali, a questão imagética tava meio que resolvida, né? Era um desfile de pessoas com nanismo, de roupas bacanas, que caiam bem a elas, e tudo mais. Então, jornalisticamente já tinha um fator. 

Depois, você precisa fazer um processo de convencimento. A pauta não era necessariamente a questão da moda, mas a pauta era uma questão de identidade das pessoas com nanismo, que eles estão numa… eles não, nós estamos estamos na trajetória de mudança também em relação à perspectiva das pessoas que nanismo, que é de deixar de ser o anãozinho, da Cinderela, ou sei lá, para serem pessoas, né?

Tirar esse estigma para a gente passar a visualizar essas coisas como pessoas. Então, esse debate vai junto quando você tá vendendo essa pauta, quando você insiste que a pauta é importante quando… Então, foi bacana esse processo, e foi bom, e foi bem-vindo na redação, mas até o último segundo você fica meio tenso.

[ LUANA IBELLI ] 

Será que vão fazer, colocar algum termo equivocado?

[ JAIRO MARQUES ]

Ou será que vão dar mesmo a foto? 

[ LUANA IBELLI ] 

Vão dar a fotoE depois como essa fonte vai se ver nesse lugar? Como que depois eu vou conversar com essa fonte se der algo errado? Tem esses momentos quando você pauta, [quando] você traz suas fontes? 

[ JAIRO MARQUES ]

Muito! Muito, muito, muito, muito.  

E nesse caso, foi muito bacana, foi muito ao contrário assim, eles sentiram muito bem representados, né? Eu acho que foi… eu não posso afirmar categoricamente, mas com uma chance de acerto grande, eu acho que foi a primeira vez que pessoas com nanismo estavam na capa de um grande jornal. E sem ser de uma maneira estereotipada, digamos assim, né. 

Então, é legal. [Risos]. 

[ LUANA IBELLI ] 

Pois é, né? Isso tem… tinha uma das perguntas, que eu tinha preparado, que vão nesse sentido, né… Da sua presença, você sentir que mudou o rumo da conversa. 

Porque eu acho que quando… eu acho que faz muita diferença, né, assim, nós que temos essa experiência de estar fazendo, falando diversidade, às vezes, na nossa vivência, às vezes você tá ali, muda mesmo o rumo da conversa, e aí você começa a ter esses resultados, né? 

[ JAIRO MARQUES ]

Muda, e ainda é bastante cansativo. 

É uma conversa cansativa porque você tá enfrentando valores que todo mundo traz das suas casas, sem pessoas com deficiência, das suas casas que todo mundo viu a Cinderela, da sua casa que todo mundo achou que  tudo bem dar um tapa na cabeça de uma pessoa com nanismo, tudo bem achar que uma criança com deficiência não precisa estar numa escola convencional, porque ele precisa de cuidados especiais… 

Então, você entrar nesse universo de valores que… estabelecidos, e que muita gente propaga, é uma luta, né? Eu acho que vai mudar cada vez mais, tá mudando, mas quem tá na batalha hoje sente muitas dores e ansiedades. 

[ LUANA IBELLI ] 

Com certeza, né? 

E o jornalista, você falou isso dos valores, né, que as pessoas trazem de casa, voltando naquela conversa da neutralidade, muitas vezes o jornalista não percebe esses valores, ele não percebe que ele não tá, muitas vezes, ali, com um um intuito jornalístico, né? 

São os valores culturais desses preconceitos que ele carrega, e isso vai até às vezes influenciar como ele vai fazer uma imagem, né? 

Olha, imagina, essa pessoa com nanismo aqui se casou, como assim? 

Eu já vi pautas, assim, que agora pensando, é bem chocante, né? Assim… você pressupõe que essa pessoa não poderia estar casada, né? E a pessoa acha que isso é uma pauta e que é ok fazer isso.

E aí que eu acho que é necessário mudar a conversa, mas cansa também porque toca nas nossas dores né? Imagino… 

[ JAIRO MARQUES ]

Sim! 

E é incrível que, volto a dizer, acho que a nossa, uma das nossas principais funções sociais é ouvir o outro, né? Tentar ouvir e tentar captar o que é uma realidade, para que você relate essa realidade.

E às vezes a gente esquece, né, de ouvir atentamente, de entender atentamente. Então, aí a chance de errar é grande, ou de representar de uma maneira oblíqua, né?

[ LUANA IBELLI ] 

E como ouvir atentamente? 

Você, que dica você daria para um jornalista, porque a gente sabe que são poucos jornalistas com deficiência nas redações, a gente não pode esperar isso pra que as pessoas com deficiência sejam bem representadas nas reportagens. 

Como você acha que um jornalista pode ouvir atentamente uma pessoa com deficiência? 

[ JAIRO MARQUES ]

Eu vou lançar mão de uma expressão que um chefe meu, um dos primeiros chefes que eu tive, usava, e que acho que muita gente já ouviu, mas…

Quando você está diante de um entrevistado, você diz pra ele assim: faz de conta que eu sou uma criança de cinco anos. 

[ LUANA IBELLI ] 

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

[Suspira] 

E quando você faz de conta que você é uma criança de cinco anos, né, você precisa entender profundamente as questões. Você precisa ter humildade de dizer que você não compreende aquele universo e que você gostaria de compreender mais aquele universo.

E se você não conseguiu de uma maneira definitiva, mergulhar, então você procura outros mares. Sabe? Você pega um escafandro, você busca maneiras de estar de fato dentro daquela nova realidade. 

A gente vai errar. É natural do nosso trabalho. 

Mas o que eu percebo sobretudo nas questões relacionadas à diversidade, é que nós temos muita pressa às vezes, pra relatar determinadas coisas. A gente não ouve, e daí a gente no último caso a gente lança mão do que a gente acha que a gente sabe, e aí a gente pode escorregar, né. 

Então eu acho que essa é uma dica preciosa, sabe, fazer de conta que você é uma criança de cinco anos e ouvir bem, e estar atento, e ter a humildade que você não sabe, muitas vezes, o que é aquele universo. 

 [ LUANA IBELLI ] 

Às vezes, a gente como jornalista quer resolver, né? 

Eu lembro… você falou isso da pressa, eu lembrei de uma história que eu vivenciei, que eu fui pra Fortaleza fazer uma reportagem sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, na época da Copa, e foi muito chocante me deparar com aquilo. 

E eu conversando com uma ativista e falando, o que adianta eu tá aqui, fazer essa reportagem não vai mudar nada. 

Aí ela virou e falou, calma, primeiro que você não vai mudar o mundo com a sua reportagem única e incrível, isso é um processo, a gente tá nessa luta há muito tempo. Há dez anos atrás, as pessoas nem sabiam o que era isso, a gente não tinha denúncias desse assunto e hoje a gente tem mais. Então, segura a emoção, você não é uma super heroína que vai resolver tudo com a sua reportagem, esse é um passo dentro de uma luta. 

E eu lembro que naquela época era muito difícil as pessoas colocarem, falarem, exploração sexual de crianças e adolescentes. Falava muito em… 

[ LUANA IBELLI, JAIRO MARQUES ] 

…prostituição infantil.        

[ LUANA IBELLI ] 

E os editores, eu lembro que tinha editor que falava, ai que absurdo, porque isso aí é um título péssimo. E hoje nenhum veículo de mídia utiliza prostituição infantil, né. 

E quanto tempo isso levou, pra gente chegar nesse termo que esses ativismos e as pessoas consideraram que seriam mais justos, né. Por outro lado, é difícil pra gente… e por exemplo, a pessoa com deficiência, ela quer se ver, é difícil… 

Ao mesmo tempo que a gente não pode ter pressa, a gente tá vivendo, né. E tem pessoas que estão com as suas demandas. Como que é lidar com isso? 

[ JAIRO MARQUES ]

Interessante que eu também fiz uma grande série sobre exploração sexual de crianças, e vivi o mesmíssimo conflito que você viveu…

[ LUANA IBELLI ] 

Pois é. 

[ JAIRO MARQUES ]

…de você voltar pra sua casa e pensar que aquelas crianças tão lá. 

Mas não é isso, acho que a função social do jornalismo não é necessariamente alterar uma realidade de imediato, né. A nossa função é mostrar, e existem outros poderes, outros agentes sociais, que esses sim, talvez tenham poderes pra mudar. Eu acho que isso ajuda a gente. 

Então eu acho que com pessoa com deficiência é a mesma coisa. Eu não vou conseguir com uma reportagem fazer com que as calçadas da zona leste de São Paulo melhorem. Mas quanto mais gente falando que as calçadas da zona leste não são as ideais, são ruins, mais pressão a gente vai criando para quem de direito faça essas mudanças. 

Então, quando mais pessoas com deficiência eu consigo representar, dentro de um meio de comunicação, mais outras talvez, ao invés de um buraco de fechadura, ou da fresta de uma porta, consigam ter aquela portinha de cachorro, né? A gente ainda precisa passar pela portinha de cachorro. As portas não são extremamente abertas, a gente precisa ser honesto em relação a isso. 

É um processo lento, porque a gente tá falando ainda, e volto, vou insistir nisso até o final, a gente ainda tá falando de acesso à educação. Se as pessoas podem ou não podem estudar na escola junto com as crianças convencionais. 

O que é uma aberração! Me desculpa, mas é uma aberração você tá discutindo em 2022 se as crianças com deficiência vão estudar à parte. Meu Deus do céu! [Risos]. 

Apartar ser humano é uma coisa bem antiga, né, e que não deu muito certo.

[ LUANA IBELLI ] 

É, mas hoje, você tava falando disso, né, da pressão e das pessoas colocarem, né, a gente vive num cenário bem diferente e eu acho que isso acaba beneficiando. 

Você tá há 20 anos como repórter falando desses temas, e um pouco menos pautando a questão das pessoas com deficiência, eu imagino que você se sentia um pouco mais sozinho. Assim, tô supondo. 

Como que é isso, e hoje ter muito mais gente te acompanhando, cobrando também, esse feedback vem muito mais rápido… 

[ JAIRO MARQUES ]

Eu me sentia muito sozinho.

Tanto é que, quando eu comecei a escrever sobre pessoas com deficiência, foi um boom, muita gente se aglutinou ali naquele entorno, muita gente estranhou, porque eu era muito provocativo, né… ainda sou, mas… 

[ LUANA IBELLI ] 

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

…hoje já existem outras plataformas. Mas o que eu vejo hoje, eu me sinto menos pressionado, sabe? Eu me sinto menos pressionado porque eu percebo que já tem mais gente agindo aí, já tem outras frentes de labuta armadas.

Então eu consigo ter mais paciência pra não ter que falar só do buraco de rua, porque eu falava muito do buraco da rua, da calçada podre, do lugar que não tinha rampa, entende? E isso continua sendo importante, mas eu tô velho, né…

[ LUANA IBELLI ] 

[Risos]   

[ JAIRO MARQUES ]

…eu tô mais experiente, então eu quero pensar sobre outras perspectivas. Sem querer ter sido… etarismo, com esse velho mas [risos]… Sem etarismo com isso mas… eu quero pensar sobre outras possibilidades. 

Eu já tenho outras experiências para além da acessibilidade crua e nua, né. Então é um processo interessante de olhar em perspectiva. 

[ LUANA IBELLI ] 

É, né, acho que essa coisa que você falou, de ter mais gente falando das coisas e vindo depois de você, o que você vê de mais interessante, assim, nesse sentido, de outros temas que antes não se falavam, e hoje a gente já tá falando? 

[ JAIRO MARQUES ]

Adorei essa colocação, porque eu tava querendo muito dizer uma coisa que eu vi na internet um dia desses e que eu amei, e que eu achei muito original, que era uma garota, influencer, que ela … e ela faz vários debates de gênero, e tudo mais, e ela dizia o seguinte.

Pra pessoa com deficiência sair do armário, não tem rampa.

Eu achei espetacular isso. E é disso que eu tô falando com você, que eu não quero mais falar… não é que eu não quero mais, mas eu não vejo mais tanta necessidade de eu ter que falar do buraco na calçada, mas agora a gente já tem as consequências de algum acesso. 

A gente já tem as consequências de ter filho, pessoas com deficiência não tinham filho, ou era muito residual. Hoje a gente tem família, tem filho, você vai ao trabalho, você tenta ir, ter uma vida cultural. 

Então, isso tudo te dá um novo molho. De enfrentamentos, de olhares, de portas na cara, entende? Então, essa é a minha atual obsessão, essa é a minha atual busca. Avançar pras consequências dessa alguma inclusão que tá acontecendo, né? 

E aí, talvez, seja menos olhar pras pessoas sem deficiência, que hoje ainda é o foco, você tentar educar, entre aspas, essas pessoas, e pensar um pouco mais sobre as dores das próprias pessoas com deficiência, e esses convívios, e essas novas relações, e esses novos enfrentamentos. 

[ LUANA IBELLI ] 

Eu acho que eu vi essa época que essa influenciadora falou isso, né.. E me toca muito quando você fala isso de o quanto a gente fica às vezes pra trás em algumas experiências, e isso influencia totalmente nas conquistas que você vai ter também, né. Em como você vai progredir na sua carreira… 

Então, enquanto essa pessoa já viveu a adolescência, uma pessoa sem deficiência foi adolescente, fez tudo o que ela podia fazer, quebrou a cara, aprendeu, e já tá em outra fase a pessoa com deficiência ainda tá… 

[ JAIRO MARQUES ]

Perfeito!

[ LUANA IBELLI ] 

… pensando, né… você vive uma adolescência tardia, não sei…

[ JAIRO MARQUES ]

Perfeito.

[ LUANA IBELLI ] 

Já ouvi muitos LGBTs falando isso, né, que tavam lidando com outras questões. Eu também lidei, né, enfim, como pessoa com depressão… 

A gente acaba ficando atrás aí nas experiências da vida.

[ JAIRO MARQUES ]

Exatamente! A sua colocação é perfeita. 

A gente tem acesso ao sexo? A pessoa com deficiência tem acesso ao sexo? A pessoa com deficiência tem acesso a relacionamentos saudáveis? Ou são relacionamentos abusivos? A gente escolhe os parceiros ou a gente é escolhido? Sabe? 

São discussões que tão batendo à porta. E que, não sei, eu quero usar a minha energia ainda pra esses olhares, sabe?  

[ LUANA IBELLI ] 

Mas cê tem conseguido, né? Agora… Falar disso nos seus textos…

[ JAIRO MARQUES ]

Tenho falado um pouco, tenho falado um pouco. 

Tanto é que, as pessoas que me lêem há muito tempo conseguem observar que antes eu falava muito mais das necessidades, e agora talvez eu tenha falado mais das questões mais íntimas, mais internas, né? Mais das dores. 

 [ LUANA IBELLI ] 

Agora, entrar numa questão que tá relacionada com isso, né, que você tava falando, que você tem esse público do blog, público da coluna, das reportagens… 

Qual a diferença de você abordar esses temas nesses formatos jornalísticos diferentes? 

 [ JAIRO MARQUES ]

É. E é uma diferença bastante importante. Ainda é uma diferença importante. 

E eu também escrevi um livro, né, que é um outro público. E eles, embora tenham algum diálogo, as necessidades são diferentes. 

Então, por exemplo, no blog, que eu me distanciei um pouco nos últimos tempos por várias questões, mas enfim. O blog é o leitor mais próximo, é o cara que cê tá tomando um cafezinho mesmo, sabe? É o cara que tá na tua casa, e que você fala com ele com as gírias que você quer, é o cara que te entende mais profundamente, você não precisa muito falar o bê-a-bá com ele, ele… enfim, é uma troca maior… 

[ LUANA IBELLI ] 

São pessoas com deficiência, a maior parte desse público, eu imagino? Que se identificam? 

[ JAIRO MARQUES ]

Eu não sei te responder, é uma questão que eu nunca soube responder. Porque o blog sempre teve vários eventos, as pessoas faziam eventos. E normalmente eram mais pessoas sem deficiência que iam…  

[ LUANA IBELLI ] 

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

[Risos] 

Embora houvesse muitas pessoas com deficiência né. Mas geralmente as pessoas têm alguma ligação, né, com a causa. 

Os textos de coluna, de opinião, que vão para as plataformas oficiais do jornal, que vão estar no jornal impresso, ou vão estar constando como algo da Folha de São Paulo, eles exigem um pouco mais de aprofundamento, um pouco mais de técnica… por que? 

Porque é o texto que vai ser lido na escola, que vai ser lido no trabalho das pessoas, é o livro… é o texto que pode estar no livro didático, como felizmente já aconteceu, que pode tá numa roda de uma conversa pra discutir determinado tema de diversidade. 

Então, necessariamente, me parece óbvio que você precisa ter um pouco mais de cuidado. Um pouco mais. Eu sou também, acho que sou atrevido nessa questão de linguagem. 

A reportagem, aí, eu tiro essa minha identidade de Jairo, né, que acho que tem algumas marcas, alguma questão de estilo. Aí sim, eu preciso praticar outras coisas né, que aí não importa muito o que eu penso ou deixo de pensar, aí eu preciso dar vozes às pessoas, preciso, enfim.

São estilos muito diferentes, muito distintos.        

[ LUANA IBELLI ]      

E eu acho muito legal que você tenha oportunidade de exercitar todos esses estilos, né…

[ JAIRO MARQUES ]

É.  

[ LUANA IBELLI ]      

…porque você pode falar para mais públicos, você também como profissional pode tá além.

Porque você não é só o jornalista com deficiência escrevendo sobre inclusão. É muito importante isso, mas você transita em vários temas, e eu acho que isso é muito rico, né. 

Isso é bastante da inclusão, você poder também trazer a sua perspectiva pra outros temas, desenvolver outras habilidades.  

[ JAIRO MARQUES ]

É! De fato, é um privilégio. 

E mesmo aqui, nesse ambiente que a gente tá, eu acho que eu sou outra pessoa também. Tanto é que, quando eu dou alguma entrevista, seja em vídeo, seja em áudio, são outras pessoas que me acionam. Elas são tocadas por outras coisas, por outros elementos. 

Talvez esses elementos se repitam, né, com o público da coluna, sei lá, mas é outra maneira de você chegar. Aí, eu acho que a gente consegue transmitir emoção de uma outra maneira, intensidade de uma outra maneira, né. 

E eu sou um tanto intenso, eu acho. 

[ LUANA IBELLI ]      

Isso é ótimo, né, pro que a gente faz, porque você consegue passar emoção pras pessoas, consegue fazer elas entenderem as realidades, né, que a gente… 

[ JAIRO MARQUES ]

Tomara!

[ LUANA IBELLI ]      

… precisa mostrar.

[ JAIRO MARQUES ]

Tomara. [Risos]. 

[ LUANA IBELLI ]      

[Risos] 

Agora, falando de perspectiva, assim. Você tem mais de 20 anos de carreira, o que você acha que mudou, que melhorou… 

Uma coisa que me chamou a atenção numa entrevista que você deu uma vez, você falando que, por exemplo, coisa muito básica, que as redações eram no segundo andar, que tinha essa tradição… 

 [ JAIRO MARQUES ]

Sim. 

[ LUANA IBELLI ]      

… e hoje mudou um pouco, né, então fala um pouquinho o que você vê de mudança…

 [ JAIRO MARQUES ]

Mudou bastante. 

[ LUANA IBELLI ]      

… especialmente pra pessoas com deficiência. 

[ JAIRO MARQUES ]

Mudou bastante.

Sabe que eu continuo com um chip mental que é ter a preocupação se eu vou conseguir ou não chegar nos lugares. 

Então eu, felizmente, eu tenho carro pra me deslocar, mas por exemplo, às vezes eu tenho pânicos pra saber se o cara do aplicativo não vai ter um chilique quando perceber que o cara é um cadeirante, que ele vai ter que levar a cadeira, né. 

Porque eu continuo respondendo, inacreditavelmente, se eu fizer dez viagens, talvez em cinco eu tenha que responder se a cadeira vai junto. Eu digo que…

[ LUANA IBELLI ]      

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

… se ela não aprender o caminho, se ela não for correndo atrás do carro, ela vai junto

Isso acontece, mas eu preciso ser razoável. Eu acho que já tem a vaga, já tem a rampa, as pessoas sabem que um cadeirante vai precisar de uma porta um pouco maior, e não era óbvio isso. 

Isso me emociona também, Luana, me emociona muito. Isso não era óbvio. 

[Suspira] 

Eu conto diversas vezes que eu, [na] minha vida escolar, eu não ia ao banheiro. Né? Eu não ia ao banheiro, não tinha como ir ao banheiro. Não cabia no banheiro! 

É dramático isso, né? Eu imagino o quanto isso não afetou meu Tico e Teco

Então hoje, você ter alguma tranquilidade pra ir aos lugares, me deixa contente, me deixa… Eu tenho uma filha pequena, então eu consigo… esse negócio do pai levar a filha aos lugares, ainda a gente tem alguns conflitos, porque eu levo a minha filha no banheiro dos homens, ou levo a minha filha no banheiro das mulheres? 

Eu tenho menos esse problema porque eu uso o banheiro dos cadeirantes, né? 

[ LUANA IBELLI ]      

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

Mas é uma questão moderna, enfim. 

[Suspira] 

Mas voltando pra tua questão, sim, eu acho que as redações estão mais preparadas, eu acho que os gestores estão com algum ouvido nas necessidades específicas das pessoas, né, não é simplesmente você colocar lá um repórter cego e falar se vira! Um repórter cadeirante, e achar que ele vai subir o Himalaia.

É gostoso de ver que alguma mudança acontece. 

[ LUANA IBELLI ]      

Queria aproveitar a sua presença pra gente explicar um conceito que é bem presente aqui no podcast, que é, a gente tá falando de DEI, né, diversidade, equidade e inclusão. E tem tudo a ver com isso que você falou, respeitar as singularidades. 

Então, o que é equidade, se você puder contextualizar, por exemplo, numa redação, seria muito legal. O que é equidade, né, diferença pra igualdade, pra gente realmente chegar na inclusão. 

[ JAIRO MARQUES ]

A igualdade é quando a gente tem lá, uma bancada, ah, a gente tem lá um repórter cadeirante, temos um repórter negro, temos um repórter com origem periférica, talvez… então você dá alguma igualdade ali de oportunidade naquele ambiente. 

A equidade é quando a gente consegue entender que cada uma dessas pessoas tem uma história diferente, vão agir de forma diferente, e às vezes elas vão ter maneiras diferentes de interagir e necessidades diferentes. 

Então, uma coisa é a gente abrir a porta pra todo mundo, isso me parece relativamente simples, né. Agora, abrir a porta pra todo mundo e entender que essas pessoas não tenham a mesma experiência padronizada que a gente viveu até aqui, e que às vezes até o resultado dela pode ser feito de uma maneira diferente, medido de uma forma diferente, é um pouquinho mais desafiador. 

Mas é esse o mundo que a gente tá buscando. Que as pessoas sejam respeitadas de acordo com o que elas são. Então, acho que é esse um pouco o conceito mais moderno. 

Antes, a gente só achava que era abrir a porta, né? Basta botar todo mundo aqui. Mas como que a gente bota todo mundo aqui, se as pessoas às vezes não conseguem chegar aqui. Concorda? 

[ LUANA IBELLI ]      

Sim… 

[ JAIRO MARQUES ]

Assim… Ah, todo mundo pode vir! 

Mas se você mora num lugar que não passa ônibus, você vai chegar lá como? Você quer ir…

Então, eu acho que a equidade é quando a gente consegue pensar em todos esses… potenciais diferenças, de fato, das pessoas. E respeitando essas diferenças. 

[ LUANA IBELLI ]      

Eu vi numa reportagem que você mesmo escreveu, uma das gestoras explicando, de uma forma prática, assim, que era você dar condições da pessoa produzir. Eu achei isso tão legal, né, porque realmente… Eu acho que foi uma reportagem de um rapaz cego, né…

[ JAIRO MARQUES ]

Sim.

[ LUANA IBELLI ]      

… numa sala escura, e montaram essa estrutura pra ele, né? Porque no final das contas a gente tá falando disso, né, a gente quer que o jornalista seja jornalista, que ele possa escrever uma reportagem assim como todos os outros.     

[ JAIRO MARQUES ]

Exatamente! 

Foi a Tabata Contri que deu essa declaração. E, de fato, é interessante como você não é a primeira pessoa que cita essa declaração que ela deu, é muito poderosa essa moça, essa Tabata. 

E de fato, é isso, de fato é a gente tentar pensar, como é que eu posso dar condições pra uma pessoa, pra que ela possa contribuir efetivamente com o ambiente, né? 

E às vezes isso pode ser uma sala escura, pode ser uma rampa, pode ser falar mais devagar, pode ser ouvir com mais atenção, e pode ser… eu acho que esse é o desafio do século 22. Achar, deixar de achar que nós precisamos agir das mesmas maneiras. 

As pessoas com autismo, pessoas com Síndrome de Down, pessoas com deficiência intelectual, possuem, às vezes, uma outra maneira de ver o mundo. E outra maneira de se relacionar com o mundo. E o que a gente quer hoje? Que elas façam exatamente como nós fazemos. 

Então, o nosso desafio, talvez, pro próximo século, é entender que as pessoas têm formas também diferentes também diferentes de ver o mundo, e de agir, e de interagir com o mundo. 

[ LUANA IBELLI ]      

Maravilhoso! 

[ LUANA IBELLI / INDICAÇÃO CIÊNCIA SUJA ]       

Antes da gente ir pro final, vou dar um respiro, que a gente sempre tem o momento de indicar um conteúdo aqui da Rádio Guarda-Chuva, que a gente tem o selo, então vou fazer essa indicação pra aumentar o repertório, né, do nosso público.

Hoje, eu queria falar de um podcast que tá chegando também na Rádio Guarda-Chuva, assim como a gente, nós não somos os únicos a estar estreando aí na Rádio Guarda-Chuva. 

Quem tá chegando também, nesse catálogo, é o Ciência Suja, que conta histórias de fraudes científicas que geraram grandes prejuízos pra sociedade. Quer um exemplo? Eugenia, que atingiu ao longo da história, entre outras pessoas, aquelas com deficiência, né, que é o assunto que a gente tá falando aqui hoje. 

A segunda temporada estreou dia 21 de julho e fala sobre como o mau uso da ciência pode influenciar a política e as eleições. Então, pra ficar por dentro, você pode seguir o Ciência Suja no Twitter, @cienciasuja,  e ouvir no seu tocador favorito

[ LUANA IBELLI ]      

Bom, agora, pra gente ir pro final, eu quero te fazer uma pergunta sobre sonhos. 

Lá no começo, você falou sobre possibilidades, né. E os sonhos são isso, eu acho que os sonhos eles abrem as portas pra gente correr atrás daquilo que a gente deseja. 

Então, eu quero que você compartilhe os seus atuais sonhos, você ainda quer conquistar alguma coisa na sua vida profissional, pessoal? 

[ JAIRO MARQUES ]

Uau!

É.. Bom, eu tenho um sonho breve, que é, vou ter o lançamento de um novo livro, ainda nesse ano, até o final desse ano, que vai ser uma coletânea dos textos talvez mais impactantes, ou melhores, enfim, não sei, mas são os 100 melhores textos aí que eu escrevi ao longo dos últimos doze anos de colunista, então eu acho que eu tenho um sonho, talvez, de que as pessoas tenham acesso a isso, né. 

Eu fiquei muito contente… o meu primeiro livro, o Malacabado, eu tive a sorte de ele estar em todas as livrarias públicas de São Paulo. Isso é bem gostoso, né, de você, poxa… vai tá lá, né? As pessoas, em escolas, enfim. 

Então eu acho que eu tenho esse sonho, pra que… Não que o que eu falo seja um candeeiro, mas talvez que o que eu escreva seja um ponto, uma velinha, sabe, diante desse universo todo. Então é bacana pensar nisso. 

Eu tenho um sonho, é de que a minha filha seja uma criança, uma pessoa muito inclusiva… 

[Voz embargada] 

Que seja um valor natural pra ela… E é muito gostoso perceber que ela, ela tem bastante disso no DNA, sabe, é muito legal. 

É muito legal porque, quando você é cadeirante, a sua filha fala assim. Corre pai! Voa pai! Levanta, pai! Pra ela tanto faz como tanto fez, né? São só verbos. Então é… quero muito que ela siga nessa trajetória de pensar o ser humano como plural, né. 

Tenho um sonho de dar entrevista e não chorar…

[ LUANA IBELLI ]      

[Risos] 

[ JAIRO MARQUES ]

Eu costumo chorar muito… 

[ LUANA IBELLI ]      

Isso eu já desisti… [risos]. 

[ JAIRO MARQUES ]           

É.. e eu preciso dizer que eu tenho um sonho também, de ver a ciência, já que cê falou dos cientistas, deu a dica, né? Que a ciência veja as diversidades, de uma forma a chamar as diversidades para os seus estudos. 

E chamar quer dizer, não adianta a gente apresentar uma fórmula pronta, achando que você vai mudar a vida de uma pessoa. A gente precisa tá junto. 

As pessoas com deficiência ainda padecem muito de soluções mágicas pras suas vidas. Um robô, um não sei o que eletrônico. 

Eu não sou contra, evidentemente que não sou contra melhorias tecnológicas, mas eu sou contra quando você quer que a ciência altere o que é seu nato, e não dialogue com o que é seu nato.

Enfim. Tenho alguns sonhos! [Risos] 

[ LUANA IBELLI ]      

E eu espero que você realize os seus sonhos, e que seja também uma inspiração, né, não só pra pessoas com deficiência, mas também pra quem tá ouvindo a gente entender que a inclusão é urgente. 

Esse papo foi muito legal, Jairo, muito muito obrigada, quero te agradecer por ter topado, por ter trazido todos esses insights, eu tenho certeza que a gente vai ficar ruminando isso por muito tempo e eu espero que seja uma semente, né, eu sei que cê já falou, antes da gente entrar aqui, gravar, que às vezes você não é tão otimista, mas eu vejo esse otimismo, eu acho que a gente tá começando uma conversa, né. 

Eu adorei, muito obrigada.

[ JAIRO MARQUES ]           

Que bom! Obrigado você. 

[ LUANA IBELLI / ENCERRAMENTO ]      

Bom, gente, pra gente encerrar eu quero fazer os nossos agradecimentos. 

Nossa equipe, incrível, do Portal dos Jornalistas, Anna França, estagiária, Fernando Soares, editor, Victor Félix, repórter. 

Os nossos apoiadores, a Ajor, Associação de Jornalismo Digital, a ICFJ, International Center for Journalists, Meta Journalism Project, Imagem Corporativa, e a Rádio Guarda-Chuva.  

E também os nossos parceiros institucionais, Énóis Conteúdo e Oboré Projetos Especiais

A gente se vê num próximo episódio. Tchau!

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