Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Sediar eventos globais sempre foi o sonho de muitas nações, disputando ferozmente a oportunidade de atrair a atenção do mundo e receitas em turismo e propaganda.

No entanto, depois que ativistas aprenderam a aproveitar os encontros para protestar em escala planetária, e que populações locais tornaram-se críticas quanto aos investimentos e impacto em suas vidas, alguns países podem estar se arrependendo da briga travada.

A COP26, que começa daqui a menos de três semanas, é um exemplo. Embora sem o potencial de impacto urbano de uma Olimpíada, está fazendo com que o governo e até a realeza britânica sejam confrontados mais diretamente pela sociedade.

Para complicar, o Reino Unido vive uma crise energética, com preços elevados e temores de racionamento.

Catastrofistas vaticinam que o país pode repetir o “Winter of Discontent” de 1979, marcado por greves e falta de produtos nos supermercados.

O modelo energético da Grã-Bretanha, fortemente dependente de combustíveis fósseis, é um ponto sensível para o país que recebe a conferência, mais vulnerável por ter sua população (e os ativistas) perto dos acontecimentos.

O grupo Extinction Rebellion começou cedo. Há três semanas bloqueia vias públicas para exigir instalação de proteção térmica nas residências.

O transtorno gera sentimentos ambíguos. Uma pesquisa do instituto YouGov publicada em 8 de outubro mostrou que 72% dos entrevistados opõem-se aos protestos, um aumento de 13% em comparação à primeira semana da ação.

Nem a rainha escapou

Ainda assim os ativistas ambientais seguem firmes, não poupando sequer a realeza.

No sábado (9/10), uma manifestação liderada pelo apresentador da BBC Chris Packham fez barulho diante do Palácio de Buckingham, pedindo que os Windsor deixem a mata voltar a tomar conta de suas propriedades.

Chris Packham

Packham apresenta um dos principais shows ambientais da rede, o Springwatch. E paga caro por seu ativismo fora das telas.

Um dia antes do protesto, seu Land Rover foi incendiado em frente de casa, aparentemente por gente que discorda de sua campanha contra a caça.

Enquanto isso, empresas que operam no país esforçam-se para mostrar seu compromisso ambiental antes da conferência, acelerando projetos e lançamentos capazes de posicioná-las como companhias alinhadas ao que a COP26 vai debater: o desafio de reduzir a temperatura do planeta.

Transformação

Em conversa com Vinícius de Carvalho, professor brasileiro que dirige o Brazil’s Institute do King’s College e mediou um debate promovido com a Aberje na semana passada, ele disse achar louvável a disposição das empresas em ouvir e repensar modos de produção e produtos, o que leva à transformação.

Vinicius de Carvalho

Para o professor, a grande lição da COP26 será demonstrar que há conhecimento disponível para empresas e governos utilizarem. E ele acredita que as empresas reagem mais rápido.

Um exemplo é o McDonald’s, que lançou o Big Mac plant-based no Reino Unido. Não foi a primeira rede a fazê-lo, mas fez bem feito, garantindo ausência de contato com ingredientes de origem animal durante a produção, crítica feita a outros que tinham saído na frente.

Essa é outra lição: não dá mais jogar para a plateia sem consistência, pois ativistas e mídia não engolem greenwashing.

Carvalho está entre os 28% que aprovam a ação de ativistas, mesmo os radicais. Lembra que foi graças ao radicalismo que mulheres ganharam o direito ao voto. E acha que o barulho que fazem é um recado: se não estamos sendo ouvidos, vamos gritar e espernear.

A COP26 é um evento único. Diferentemente da longínqua Rio 92, acontece quando a emergência climática é inquestionável. E na era do engajamento e da descentralização de narrativas proporcionados pelas redes sociais.

Nesse contexto, diz o professor, cabe à comunicação estratégica perceber as situações desafiadoras que exigirão respostas e não discursos. E que mostrem transformação à sociedade.


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