Por Álvaro Bufarah (*)
Era só uma questão de tempo. Aquilo que começou com vídeos de gatos, tutoriais de maquiagem e gravações amadoras feitas em quartos mal iluminados agora dita as regras do jogo também no universo sonoro. O YouTube, o gigante da imagem, parece querer ser também o senhor dos sons. Em janeiro de 2025, a plataforma anunciou um feito que, à primeira vista, parece descomunal: atingiu a marca de 1 bilhão de ouvintes mensais de podcasts.
Mas, como em toda boa história da mídia, é preciso saber ouvir além dos números. Segundo o próprio YouTube, esse dado considera qualquer interação com conteúdos marcados como podcast, mesmo que o usuário tenha clicado sem querer ou ouvido apenas por alguns segundos. A reprodução automática entra na conta. Não é exatamente uma audiência fiel, mas, convenhamos, é um marco simbólico. E simbologia, em comunicação, tem peso.
Ainda assim, os números impressionam. Em outubro de 2024, a Edison Research já indicava que o YouTube era a plataforma mais utilizada para ouvir podcasts nos Estados Unidos – superando inclusive players de áudio puro, como Spotify e Apple Podcasts. O Spotify, por exemplo, havia registrado 120 milhões de ouvintes mensais no final de 2024. Já a Apple, segundo dados da Podtrac, ainda mantém uma forte presença em volume de downloads, embora com um número absoluto menor de ouvintes.
Mas o que, afinal, é um podcast no YouTube? Essa é a pergunta que bagunça a métrica. Na plataforma, são os próprios criadores que classificam suas playlists como podcasts. Isso permite que a aba de podcasts nos Estados Unidos abrace desde programas noticiosos tradicionais – como o NBC Nightly News ou o PBS NewsHour – até listas de reprodução de clipes jornalísticos soltos, como o australiano 7NEWS Just In. Não é raro encontrar videocasts, programas com estúdio e plateia, entrevistas filmadas, debates esportivos e até lives reeditadas figurando como “podcast”.
Tim Katz, apresentado agora como vice-presidente de Parcerias em Podcasts do YouTube – cargo que pouco aparecia em comunicações oficiais ou mesmo em seu LinkedIn −, afirmou em entrevista à Bloomberg que esse crescimento é “orgânico”. Segundo ele, o YouTube apenas deu visibilidade a um comportamento que já existia. A constatação é interessante: a plataforma não criou a onda, apenas ampliou a maré.
Mas nem todos estão convencidos. Justin Jackson, cofundador da Transistor.fm – uma empresa de hospedagem de podcasts –, apontou que a indústria pode estar superestimando o impacto do YouTube como destino final para ouvintes. Já Hernan Lopez, ex-CEO da Wondery, lembrou que os 400 milhões de horas de podcasts consumidas por mês em TVs ainda representam pouco dentro das 30 bilhões de horas mensais de vídeo no YouTube em telas grandes (dados da própria Alphabet). Ele também alerta que os números sobre o mercado de podcast, estimado em US$ 2 bilhões anuais, muitas vezes não contemplam receitas internacionais, assinaturas, publicidade de vídeo e conteúdo exclusivo de grandes plataformas.
Enquanto isso, o modelo tradicional de podcast – aquele que nasceu como uma extensão digital do rádio e que virou trilha de academia, trânsito e noites insones – tenta se reinventar. O consumo mudou de dispositivo: saiu dos fones e foi para a TV. É o podcast no sofá da sala, compartilhado com a família, transformado em programa de variedades com luz, câmera e ação. Um retorno silencioso ao espetáculo visual.
O fenômeno aponta para algo mais profundo: a convergência total dos formatos. O YouTube é vídeo, mas agora é som. O podcast era áudio, mas agora é imagem. O rádio virou stream. E o futuro, ao que tudo indica, será multimodal – com conteúdo fluido, narrativas transversais e dados difíceis de comparar.
Na guerra dos ouvidos e olhos, o YouTube larga na frente com um alcance massivo. Mas ainda não está claro se essa é a vitória de um novo modelo de podcast ou apenas mais um capítulo da plataforma que se adapta a tudo e tudo engole. Como o velho rádio que resistiu à televisão, talvez o podcast raiz encontre seus espaços de respiro fora do tubo, nas curvas da escuta íntima.
Fontes consultadas
Edison Research. The Infinite Dial 2024. Disponível em: https://www.edisonresearch.com/
Podtrac. Top Podcast Publishers Rankings. Acesso em: https://podtrac.com/
Bloomberg. YouTube Hits 1 Billion Monthly Podcast Listeners. 2025. (para assinantes)
Spotify. Q3 2024 Earnings Report. Acesso: https://investors.spotify.com
Alphabet/YouTube. YouTube Internal Data 2024. Trechos publicados em Bloomberg e The Verge.
Jackson, Justin. Just Good Enough – Podcasting Trends. Blog pessoal: https://justinjackson.ca
Lopez, Hernan. Entrevistas e análises publicadas em Medium e Bloomberg Tech.

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.