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sexta-feira, abril 26, 2024

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Regiani Ritter: Pioneirismo dentro e fora dos gramados

Primeira repórter esportiva do rádio brasileiro, Regiani Ritter foi também a primeira narradora, âncora e mulher a cobrir uma Copa do Mundo, em 1994. Desde 2010 dá nome a uma das categorias especiais do Prêmio da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo), que desde então premia anualmente uma mulher que se destaque no jornalismo esportivo. Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, ela fala sobre as dificuldades, preconceitos e os casos mais curiosos envolvendo seus tempos de coberturas dentro dos campos e vestiários de futebol. Portal dos Jornalistas ? Como foi ser pioneira numa área de atuação fortemente masculina? Regiani Ritter ? Tomava chuva, choque de microfone, sol de 35º graus, levava pedrada que não era pra mim, pedrada que era pra mim, cheguei a escutar a torcida me xingando em coro, bati de frente com segurança que não me deixou entrar no vestiário do Guarani em Campinas, levei cantada de jogador e treinador que era obrigada a recusar, mesmo tendo vontade de conversar mais demoradamente com um ou outro. Em resumo, não folguei sábado, domingo ou feriado durante 15 anos. Mas valeu a pena, como valeu! PJ ? Mas nesse período chegou a acontecer algum tipo de assédio mais sério por parte de atletas e dirigentes? Regiani ? Assédio não, porque eles me respeitavam muito, acabava até fazendo amizade com mulher de jogador por força do trabalho. Mas cantada houve sim e confesso que teve hora que balancei, mas não podia ceder. Esse meio não perdoa, e eu estava decidida a vencer. Era uma coisa ou outra. Escolhi a profissão. PJ ? E em relação a preconceito? Regiani ? Com atletas, comissão técnica e dirigentes nunca tive problemas. Era surpreendente a facilidade que tinha com eles. Episódios isolados ocorreram apenas com um conselheiro, alguns poucos torcedores e até alguns ?coleguinhas?.   PJ ? Algum clube chegava a dificultar mais o seu trabalho? Regiani ? Não, nos clubes o tratamento foi igual, todos me receberam bem. Acho que o fato de ter apresentado o Jornal do Esporte na TV Gazeta, com Cléber Machado e Roberto Avallone me deu suporte. Apresentei também o Record nos Esportes na TV Record, e fiz durante bons anos o Mesa Redonda, também na TV Gazeta onde era comentarista. PJ ? Nesses anos de reportagem em campo, qual foi o fato que mais lhe marcou? Regiani ? Eu era setorista do Palmeiras quando o contrato de cogestão Palmeiras-Parmalat, inédito no futebol brasileiro, caiu no meu colo através de uma pessoa que gosto muito. Era o furo do ano, ninguém sabia, e ela me deu todos os pormenores, com nome e tudo. Por pura intuição de que era real, comecei a dar a notícia numa jornada que ia transmitir exatamente um jogo do Palmeiras. Todos caíram em cima de mim, amigos de jornais principalmente, de TV?s e rádios queriam saber de onde, como e por que. Eu continuei dando detalhes de como seria a parceria por mais uns três dias, quando a diretoria do Palmeiras reuniu a imprensa e disse claramente que o anuncio seria em 15 dias, mas que uma jornalista xereta tinha descoberto e contado, então eles apresentaram os parceiros, e itens do contrato, que batiam com tudo o que eu dei. Dias depois, meu narrador disse em um programa que o furo de reportagem era do nosso comentarista, que não desmentiu e disse apenas: ?meu e da Regiani Ritter?. Quase caí de costas, afinal, dei minha cara pra bater, se fosse rebate falso era fim de carreira. E ai vem alguém e me tira o mérito, foi ai que eu senti a barra pesar, por que era o meu narrador e meu comentarista, da mesma emissora. PJ ? Como foi a primeira vez que você entrou em um vestiário? Regiani ? Na primeira vez que entrei num vestiário, ele não havia sido liberado nem para os repórteres masculinos. Era homem nu pra todos os lados. Quando me viram, começaram os passos apressados, corridos, mãos na frente, mãos atrás, e em segundos eu estaria sozinha no vestiário, não fosse o Casagrande, que ficou na dele, pelado, como se eu não estivesse ali. Me armei de coragem e pedi uma entrevista, ?você fala comigo?? ele: ?falo sim, você espera eu tomar uma injeção??. Foi quando veio o doutor Marco Aurélio Cunha. O Casão subiu no banco de madeira e o medico aplicou a injeção ali mesmo, na minha frente, ele desceu, e disse estar à disposição. Eu não sabia se ria ou chorava, não fiz nenhuma das duas coisas. Só fiz a entrevista que era ao vivo e agradeci. PJ ? Há alguns anos longe dos campos, você sente vontade de voltar? Regiani ? Sinto saudades mas vontade de voltar não. Até porque essas malditas coletivas acabaram com a liberdade do jornalista. Hoje ligo o rádio, a TV, leio o jornal, vejo a internet, é tudo igual. Sempre os mesmos caras falando as mesmas coisas, talvez por isso os repórteres não exerçam sua criatividade. PJ ? Como foi sua reação ao receber o convite para dar nome a um dos prêmios do Troféu Aceesp? Regiani ? Eu estava no ar quando o Erick Castelheiro e a Michelle Giannella (Aceesp) entraram, esperaram o intervalo e então perguntaram se podiam dar meu nome a um troféu para premiar a jornalista que se destacar durante o ano na área esportiva. Eu olhei pra cara deles para ver se estavam brincando, mas não estavam, então eu chorei. Quando voltei do intervalo tentei disfarçar, mas não dava, era tudo que eu não esperava, era o sonho que eu não sonhei. PJ – Hoje o espaço para as mulheres no futebol e no esporte é bem maior. Dentre as jornalistas da atualidade, quais você acha que se destacam? Regiani ? É difícil citar nomes, até porque não conheço todas. Há alguns anos conheci uma repórter que, na minha opinião, tinha tudo pra se tornar referência, a Luciana Mariano, de Campo Limpo Paulista. Ela veio para a radio a meu convite, mas no caminho acabou se casando com o Luciano do Valle, trocou seu sobrenome também para ?do Valle? e sumiu. Aqui da nossa faculdade (N.R.: Fundação Cásper Líbero) saiu a Natalie Gedra, que fez estágio comigo e me disse que queria ser igual a mim quando crescesse, respondi que ela chegaria mais longe do que eu tinha chegado, pelo talento natural. A Natalie já foi premiada a revelação de 2009, é muito inteligente, boa no que faz, e tem tudo pra ser um ícone. Vai depender só dela. Entre as que ficaram amigas, Kitty Balieiro, Abigail Costa, são pessoas e profissionais incríveis. Isabel Tanese, Lia Bentchen, Fernanda Factori, Débora Menezes, Mariana Godói, que depois se bandeou pra ancorar jornais na Globo, Renata Fan, que hoje estrela na Band. Fatalmente, vou esquecer alguém, têm muitas mulheres nos bastidores, produção e tudo mais, como a Elo Campanholo, que eu levei pra Gazeta, hoje está na TV Record, já viajou o mundo. É um universo grande, cuja tendência é crescer ainda mais. PJ ? Quais profissionais lhe serviram de inspiração? Regiani ? Eu ouvia rádio e via TV, lia tudo pra me inteirar de tudo, mas principalmente do esporte. E não gostava de todos, não. Mas ficava por perto de Luiz Carlos Quartarollo, Wanderlei Nogueira e outros bons pra aprender a mecânica da coisa toda, sou caipira, mas não sou modesta, sabia que tinha personalidade forte pra ter meu próprio estilo, então não buscava em quem me inspirar, buscava apenas por gostar. PJ ? Em 30 anos de carreira, quais foram suas maiores realizações? Regiani ? Cobrir a seleção brasileira durante as eliminatórias de 1993. Foram 84 dias respirando seleção, e durante a Copa do Mundo de 1994, mais 55 dias nos Estados Unidos, quando saímos do jejum de 24 anos sem títulos. Mas também algumas homenagens me marcaram muito, como ser eleita a melhor jornalista esportiva de 1991, pelo jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas. Naquela época um outro colega me disse: ?Você foi escolhida a melhor, mas não há nada a comemorar, você foi eleita a melhor repórter feminina e só tem você?. Achei que ele foi longe demais, e então respondi de imediato, ?não existe nada pior do que um jornalista mal informado, eu fui escolhida entre seiscentos homens, inclusive você?. Depois até achei que fui muito dura com ele, mas não aguentei a forma irônica que ele falou, então como era provocação, não aguentei. PJ ? Falta algo ainda para realizar? Regiani ? Sempre falta, quando a gente fala que fez tudo é porque o tempo está vencendo a vida. Eu tinha um programa na radio Gazeta, A Parada do Craque que entrevistava gente do esporte falando de tudo, menos do esporte. Era política, teatro, cinema, música, medicina, drogas, sexo, gostos pessoais, superstições, religião, literatura, enfim hoje eu gostaria de fazer o mesmo programa na TV, algo semanal ou coisa assim, mas ainda vou pensar nisso com carinho.

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