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sexta-feira, março 29, 2024

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Quando viver é um ato de rebeldia, por Mauri König

Durante cinco anos, Mauri König, repórter especial da Gazeta do Povo, de Curitiba, resgatou a história de um homem que até os 17 anos foi empurrado de um orfanato para outro, escapou de um afogamento ainda bebê, foi torturado quando criança, e sobreviveu a dois envenenamentos e a um tiro na cabeça que o deixou 40 dias na UTI. Condenado como bode expiatório, ficou por quatro meses trancado numa masmorra sem ver a luz do sol. Há 12 anos descobriu-se com HIV no exato instante em que a mulher descia ao túmulo, vítima da Aids. Esse homem, Alceu Siqueira Ramos, superou a tirania da contingência e completou 60 anos em 27 de maio. O resultado desse relato de vida e dor Mauri publicou em 22/5 na versão digital do jornal, e em 23/5 na edição impressa, em caderno especial com oito páginas. O primeiro contato de Mauri com sua personagem aconteceu em agosto de 2009. Após ler uma reportagem dele, Alceu ligou para a redação da Gazeta em busca do repórter: “Faltava pouco para as 14 horas de sexta-feira, dia 28, quando o telefone tocou na minha mesa na redação da Gazeta do Povo”, conta Mauri na reportagem. “Foi tão insólito o diálogo, pois eu já havia conversado com toda classe de gente, e a conversa me fez ver que estava diante de um sujeito diferente, porque suas palavras não me soaram como as de alguém posto detrás de um carrinho de lixo reciclável. E foi curioso, porque algo me impelia a querer saber mais sobre ele. De pronto sabia que se tratava de um homem original. O que eu ignorava era até que ponto. Tomei nota do endereço e em meia hora o motorista do jornal me deixava na rua dele, na Vila Pompeia”. Na matéria, Mauri também fala sobre sua longa relação com o entrevistado, admitindo, inclusive, que por vezes o idealizava, tomando decisões e fazendo escolhas por ele: “Nunca tive com Alceu uma relação de desconfiança. Sabia que no curso de nossas conversas algumas verdades ocultas iriam emergir. Entre uma revelação e outra, as coisas iam ficando às claras. Não esperava algo diferente. Só um ingênuo acreditaria que um desconhecido que bate à porta vá abrir-lhe o baú de confidências logo nas primeiras falas. Foi preciso mais de um ano, pelo menos 50 encontros, para ele se sentir à vontade para assumir que havia mentido. Era 29 de setembro de 2010, estávamos numa sala nos fundos da Gazeta do Povo quando ele começou a tergiversar. Em meias palavras, dizia-se envergonhado por ter escondido algo grave. Abriu o jogo quando pedi para deixar de rodeios. Temeroso da minha reação, passou a discorrer sobre seu passado como contrabandista […] Quando fiz com Alceu o trato de apresentá-lo nem melhor nem pior do que era, tinha o propósito de que, se fosse o caso de ser julgado, que o fosse pelos seus atos, bons ou maus, não pelas benesses de apologias literárias. Mas é escusado dizer a impressão de quem esteve com ele por quase seis anos. Uma questão a saber era se os prejuízos que o meio causa ao indivíduo lhe podem diretamente influenciar o caráter. Alceu adaptou-se aos diferentes meios em que viveu. Como poderia deixar de fazê-lo? Isso não quer dizer, no entanto, que concordava com todas as coisas. Conviveu com drogados e alcoolistas, sem no entanto compartilhar desses vícios (nunca bebeu nem fumou), conviveu com assassinos sem nunca pegar em armas”. Vale a pena conferir!

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