Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi celebrado este ano durante uma crise combinando todos os elementos que fazem parte do rol de preocupações de jornalistas, veículos, organizações que defendem a liberdade de imprensa.

Na guerra entre a Rússia e a Ucrânia há ameaças físicas, com jornalistas emboscados, torturados e mortos. Há perseguição judicial, com uma lei draconiana que pune com 15 anos de cadeia quem veicular fake news sobre a guerra − ou chamá-la de guerra e não de “operação especial”.

Há ataques cibernéticos, com o uso de ferramentas de espionagem e disseminação de propaganda política em larga escala. E há sobretudo o que a organização Repórteres Sem Fronteiras destacou no World Press Freedom Index 2022 como o maior risco para a liberdade de imprensa: a polarização.

Na abertura do documento, que trouxe o Brasil em 110º lugar entre 180 nações, a RSF aponta um duplo efeito do que chama de “polarização amplificada pelo caos da informação”.

Um é a polarização da mídia alimentando divisões dentro dos países. O outro é a polarização entre países.

O conflito Rússia x Ucrânia é um exemplo perfeito (ou muito imperfeito) dessa preocupação. A mídia independente russa foi praticamente extinta. Restaram veículos estatais cujo conteúdo é assustador, tachando de inimigos os cidadãos que discordam da invasão ao país vizinho.

Essa mídia estatal ultrapassa as fronteiras russas, sobretudo por meio das redes controladas pelo governo, como a RT (Russia Today).

Ou por veículos internacionais, como a americana Fox News, que embora não apoie a invasão como linha editorial permite que comentaristas como Tucker Carlson defendam o indefensável, ao ponto de dizer que a mídia exagera na cobertura.

O alerta feito pela RSF é de que nas sociedades democráticas as divisões crescem como resultado da proliferação de veículos que seguem o mesmo padrão.

O fenômeno não ocorre somente nos EUA. A RSF destacou o crescimento da “mídia de opinião” especialmente na França.

Imagem Polarização (Crédito: Beatriz Crivelari)

Abrigar opiniões divergentes é essência do jornalismo A diferença para o jornalismo profissional que defende um partido político, como no caso do Reino Unido, e o modelo Fox News criticado pela RSF é o limite entre opinião e desinformação.

Ao criticar a cobertura da mídia sobre a guerra, Carlson ignora os fatos: número de mortes, ataques cruéis a civis e colegas de profissão emboscados mesmo identificados como jornalistas. E coloca a audiência contra quem informa com precisão.

Os riscos digitais

As entidades de liberdade de imprensa, a Federação Internacional de Jornalistas e organismos internacionais como ONU e Unesco também chamaram a atenção neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa para os riscos digitais, em dois níveis.

Um é a vigilância. A Federação cobrou ação para impedir o uso de spyware para espionar jornalistas, como vem acontecendo com frequência cada vez maior. O outro é o efeito das redes sociais na polarização e no fortalecimento do ódio contra o jornalismo, que tem impacto direto sobre a liberdade de imprensa na medida em que intimida os profissionais e em alguns casos resulta em ataques físicos e mortes.

Em uma conversa com a diretora de campanhas globais da RSF, Rebecca Vincent, durante um encontro com jornalistas na FPA (Foreign Press Association) esta semana, ela fez uma observação sobre as iniciativas regulatórias em curso no Reino Unido e na União Europeia.

Vincent, que atua na linha de frente acompanhando o caso de Julian Assange, acha que a regulamentação é necessária, pois “ficou para trás o tempo em havia esperança de que as plataformas resolveriam os problemas sozinhas”.

Mas defende que a liberdade de expressão deve ser assegurada, protegendo-se fontes e o trabalho dos jornalistas cidadãos. O difícil é achar o ponto de equilíbrio.

Datas como o Dia da Liberdade de Imprensa passam, e palavras se perdem no tempo. Mas o que statements e relatórios como o da RSF levantaram este ano é vital não apenas para jornalistas, mas para a sociedade. E não deveria ficar esquecido até 3 de maio de 2023.


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