Por Sílvio Lancellotti (*)

Copa de 90. Na Folha de S. Paulo já fazia quase uma década, a comentar o “Calcio” na Band já fazia mais de cinco anos, natural que o jornal me incumbisse de cobrir a competição na Itália. Em 1986, na Copa do México, eu havia me limitado a participar da brigada de retaguarda, cá em São Paulo. Ivan Siqueira, da revista de bordo da Varig, a Ícaro, com a qual eu também colaborava, me propiciou um upgrade à primeira classe do voo desde a Paulicéia até Roma. Pegaria o avião no Rio, no Galeão.

Claro que me trajei convenientemente, num blazer e com gravata. Porém, constrangido para não parecer pomposo, acomodei-me no bico do avião, onde existe uma poltrona de cada lado, um barzinho no meio. Embora entretido na leitura de La Gazzetta dello Sport, que havia comprado no aeroporto, imediatamente reconheci o cidadão abrupto que esbarrou no meu braço e nem esboçou um pedidinho de desculpas: Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Com ele estava Kleber Leite, um repórter de campo que depois se transformou em vendedor de placas de publicidade em estádios e ainda, em 1995, no presidente do Flamengo.

Ambos se sentaram na fileira precisamente atrás de mim. Teixeira navegou através de um punhado de boas doses de uísque, levantou a voz e, num rompante, passou a falar mal de meio mundo, principalmente de um tal Sebastião Lazaroni, exatamente o treinador que ele havia escolhido para comandar – sim – a seleção do Brasil. Eu dispunha de um gravadorzinho de bolso, no tamanho e no formato de um maço de cigarros. Armei o apetrecho e o coloquei numa posição em que captasse a diatribe enfurecida. Por uns quinze, vinte minutos, Teixeira espalhou palavrões. Nos seus momentos menos cruéis, acusou Lazaroni de frouxo, imbecil, incompetente, um coitado, inclusive manifestou-se arrependido por tê-lo contratado.

Assim que desembarquei em Roma, corri a uma agência da Italcable, datilografei um texto e transmiti à Folha por fax. Saiu com destaque de primeira página, já na edição da manhã seguinte, dias antes de a Copa começar. Ricardo Teixeira tentou desmentir e até me processar. Desistiu quando exibi, a um grupo de colegas, e a um amigo magistrado, a fita e o conteúdo gravado com a sua parlapatice. Detalhe: eu nem fora à Bota para cobrir o Brasil. Minhas prioridades eram a Azzurra, concentrada em Marino, numa das periferias de Roma; e a Argentina, em Trigoria, no lado oposto.


Silvio Lancellotti

(*) Arquiteto por diploma e jornalista por paixão, Silvio Lancellotti participou das equipes inaugurais de Veja e de IstoÉ, dirigiu a revista Vogue, foi cronista de Esportes e Gastronomia da Folha de S.Paulo e do Estadão. Na TV, apresentou programas de culinária, comentou futebol, oito edições da Copa do Mundo e seis dos Jogos Olímpicos. Escreveu cinco livros sobre esportes, 13 de culinária e quatro romances. Integra o elenco de colunistas do portal R7 desde 2012.

A série Histórias do Jornalismo Esportivo traz causos vividos por profissionais da imprensa esportiva ao longo de suas trajetórias, como parte da campanha de divulgação do novo Prêmio +Admirados da Imprensa Esportiva.

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