Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Contrariamente à tese de que jornalistas não devem ser notícia, a mídia britânica tem coberto obsessivamente dois casos que expõem práticas pouco elogiáveis da imprensa.

O príncipe Harry tornou-se o primeiro membro da realeza a testemunhar em um tribunal em 132 anos, em uma ação movida contra o Daily Mirror.

Ele ataca a empresa e profissionais como Piers Morgan, editor do tabloide na época em que hackeamento telefônico e uso de detetives para espionar famosos eram comuns.

Enquanto isso, a maior emissora privada do país, a ITV, vive um drama que lembra enredo de novela: Philip Schofield, apresentador do programa This Morning, que se assumiu como gay em 2020, caiu em desgraça por um caso com um jovem produtor, ocorrido enquanto ele era casado com a mulher com quem passou 27 anos. A crise chegou ao Parlamento.

As duas histórias viraram circos midiáticos, com cobertura ao vivo dos lances mais importantes, especialistas analisando os desdobramentos e euforia nas redes sociais.

Harry x tabloides: quem tem razão?

Retratado a vida toda pela mídia ávida por vender jornais como encrenqueiro que se vestia de nazista e fumava maconha, Harry não é unanimidade.

Sua guerra com a imprensa é tachada por muita gente, inclusive por jornalistas, de hipocrisia, oportunismo ou resultado de manipulação pela suposta megera Meghan.

O processo movido por Harry, junto com outros famosos, mira em práticas que não são mais usadas, até onde se sabe. Talvez o príncipe não consiga reparação devido ao tempo entre os fatos e a abertura do processo, em 2019.

Isso não significa que o movimento dele e dos demais famosos que decidiram encarar a briga com tabloides seja condenável.

Harry não parece estar em busca de dinheiro, e sim de provar que tem motivos para se sentir desconfortável com a imprensa.

Para uma parte do público, ele sai como vítima e o jornal como vilão, respingando no jornalismo, o que é negativo.

Por outro lado, é possível que o medo de escândalos e de processos leve algumas redações a repensarem práticas atuais, um efeito positivo.

Phil x Holly: quem tem razão?

O caso da ITV é mais complicado para a reputação da mídia porque não ocorreu em um passado distante.

A dupla de apresentadores, Phil, 61 anos e Holly, 42, tinha uma química perfeita no This Morning. Ele foi acolhido com carinho e compreensão quando se assumiu gay.

O castelo começou a cair em maio. Seu irmão, Tim, foi condenado por molestar meninos. O âncora se disse indignado e assegurou desconhecer os atos.

Mas tabloides e grandes jornais o arrastaram para a história ao insistirem em qualificar o autor dos crimes como “irmão de Philip Schofield” em textos e títulos.

Semanas depois veio a bomba: Phil teve um caso com um produtor mais jovem, quando ainda era casado. Os dois se conheceram quando o rapaz era menor, mas segundo o âncora, o relacionamento só aconteceu anos depois. E o emprego no programa não foi obtido com a ajuda dele.

Phil garante que tudo foi consentido e “legal”, embora “não sábio”. Mas a doce Holly teria pedido a cabeça do colega, por se sentir “enganada”. E conseguiu.

A ITV tentou manter o âncora em outros programas, mas após virem a tona mais detalhes e a informação de que ele mentiu para a emissora ao negar o caso em uma investigação interna, a queda foi inevitável.

Histórias de poderosos que se prevalecem da posição para favorecer quem cede aos seus encantos não são novas − e o #MeToo começou com uma delas. Mas continuam a assombrar a indústria de mídia, onde vaidades e o sonho do estrelato podem levar a situações extremas.

Aparentemente, não foi o que aconteceu com Philip Schofield. Ainda assim, os chefes da ITV estão sendo questionados no Parlamento por não terem percebido ou terem feito vista grossa a uma suposta cultura tóxica nos bastidores do This Morning.

A exemplo do caso judicial de Harry, pode dar em nada − fora o já decretado fim da carreira de Schofield.

Phil admitiu em uma entrevista no início da semana ter pensado em suicídio e estar consciente de que sua carreira acabou, bem como negócios com a sua marca.

Mas a mídia britânica também saiu chamuscada, pois nem todos que acompanham o circo sabem separar o joio do trigo. E fica mais difícil recuperar a credibilidade que vem sendo perdida.


Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments