Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Conhecida pela maestria com que administra sua imagem, a família real britânica raramente erra em sua comunicação.

Mas os sagazes assessores da chamada “Firma” erraram feio ao programarem um tour no Caribe para Kate e William.

Era para ser uma “ofensiva de charme” destinada a estancar movimentos republicanos que ganham força nas ex-colônias britânicas à medida que a idade da rainha Elizabeth II avança.

Em novembro passado, Charles presenciou em Barbados o fim da era em que sua mãe era a chefe de estado do país.

Mas o futuro rei ocupa apenas o sexto lugar em admiração entre os membros da família real. Nada mais natural do que designar para o “tour salva-monarquia” os dois mais populares, Wililam e Kate.

O que os estrategistas de comunicação não avaliaram é que os tempos mudaram.

A fórmula do tour real com desfiles em carro aberto, uma princesa exibindo trajes espetaculares a cada compromisso, beijos em crianças e dança com nativos funcionou durante muitos anos, até no Brasil.

Em 1968, Elizabeth II esteve no País e chegou a entregar um troféu a Pelé no Maracanã. Em 1978 foi a vez de Charles, que protagonizou uma inesquecível demonstração da falta de habilidade de requebrar em um dueto com a sambista Pinah.

O tour de William e Kate no Caribe também teve dancinha, mas não teve graça. O casal foi obrigado a cancelar a visita a uma fazenda por reação da comunidade, que entre outras coisas ficou revoltada pela autorização para o helicóptero pousar em seu campo de futebol.

William e a dança, com essa identificação

Manifestações aconteceram em várias cidades. Os primeiros-ministros falaram abertamente de seus planos republicanos. Uma foto do casal cumprimentando admiradores protegidos por uma cerca virou gafe planetária.

Tour no Caribe vira desastre de RP para a família real, que não percebeu a mudança dos tempos

Os assessores − e os próprios William e Kate − devem ter se perguntado por que uma situação como aquela, que se repetiu tantas vezes, foi mal interpretada.

A resposta tem a ver com a passagem do tempo. Acabou a época da inocência, e as redes sociais podem ter um papel nisso.

Quando a população de países coloniais era informada apenas por uma mídia extasiada na presença da realeza, quem tinha ideias diferentes não tinha voz.

Agora eles falam e são ouvidos. Questionam o colonialismo, o racismo e a falta de oportunidades para os imigrantes nos países que os dominaram por tanto tempo.

Um dos grande traumas do Reino Unido é o tratamento dado à chamada “geração Windrush”, em alusão ao navio que trouxe para o país os primeiros imigrantes jamaicanos.

Em 2018, o governo teve que se desculpar porque continuava a ameaçar descendentes dos imigrantes de deportação, em pleno século 21.

Situação desnecessária

Quem comanda a exposição pública de empresas ou pessoas sabe que nem sempre é possível evitar situações que podem gerar conflito com opositores ou má percepção.

Mas o erro colossal da viagem − difícil de acreditar que tenha sido cometido por gente tão competente em comunicação − foi criar uma situação desnecessária.

Não havia obrigação de William e Kate viajarem ao Caribe. O tour foi uma ideia infeliz e um projeto mal planejado, que poderia ter sido abortado se alguém tivesse pesquisado mais sobre o humor dos anfitriões.

Foi a primeira grande turnê desde o Black Lives Matter, das acusações de Meghan Markle de racismo na família real e dos protestos contra a escravidão. Não dá para comparar a reação da sociedade antes e depois de tudo isso. Mas a fórmula do tour foi a mesma dos tempos da inocência.

Setoristas que cobrem a família real disseram que nem tudo foi tão negativo localmente como reportado pela mídia internacional. Pode até ser, pois o encantamento real ainda existe. Mas o saldo foi mais negativo do que positivo nas ilhas e no Reino Unido, alimentando os anti-monarquistas.

William acusou o golpe. No final, disse: “Turnês são uma oportunidade de refletir. Você aprende muito”.

Ainda que a monarquia não caia tão cedo no Reino Unido, como muitos acreditam, certamente caiu a magia da competência dos comunicadores reais. A exemplo de William, eles também devem ter aprendido algumas lições com o fiasco.


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