Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Um dos quatro profissionais de imprensa mortos na guerra da Ucrânia foi Oleksandra Kushynova, de 24 anos, a serviço da Fox News.

No entanto, pouco se falou sobre ela na mídia internacional em comparação ao noticiário sobre o colega de equipe que perdeu a vida no mesmo ataque, o cinegrafista irlandês baseado em Londres Pierre Zakrzewski.

Tragédias na guerra da Ucrânia expõem desigualdades no jornalismo internacional
Oleksandra Kushynova

O correspondente ferido no atentado ao carro em que viajavam, Benjamin Hall, foi igualmente alvo de grande atenção.

Duas semanas depois do caso, a Repórteres Sem Fronteiras divulgou um relato pavoroso de um jornalista ucraniano que ficou nove dias em poder de soldados russos e foi barbaramente torturado, com direito a execução simulada. Mas a história também não recebeu grande cobertura.

O que esses dois profissionais têm em comum? Eles eram fixers, jornalistas contratados para ajudar localmente equipes internacionais.

A pouca atenção aos seus casos na Ucrânia em comparação às histórias de jornalistas estrangeiros, como o documentarista Brent Arnaud, também vítima da guerra, expõe um problema há muito denunciado: o tratamento desigual aos fixers e o “anonimato profissional” a que são condenados, na saúde e na doença.

Muitos correspondentes reconhecem que sem ajuda de um fixer suas matérias não seriam possíveis. Eles são os “resolvedores” que falam o idioma do país, sabem como chegar a locais de difícil acesso, negociam autorizações e agendam entrevistas.

Em muitos casos, fazem eles próprios as entrevistas, apurando informações que depois serão utilizadas em matérias assinadas por estrelas da mídia global.

A indiferença com que os fixers são tratados ficou evidente nas manifestações da Fox News sobre a tragédia com sua equipe.

E-mails da CEO da rede de TV, Suzanne Scott, aos funcionários comunicando o ferimento de Hall e a morte de Zakrzewsi não mencionaram Kushynova. O “esquecimento” foi comentado no Twitter.

O trabalho dos fixers tornou-se tão importante que em vários países eles se organizam em grupos, com sites apresentando os serviços. Há ainda uma plataforma global, a World Fixer, criada para conectar contratantes e contratados, com mais de 100 brasileiros listados.

Os mais requisitados têm seus próprios sites. No Brasil é comum ajudarem jornalistas estrangeiros na Amazônia, no Pantanal e em áreas urbanas violentas. Mas nem todos ficam felizes nessa troca.

O tratamento desigual aos fixers foi examinado em uma pesquisa realizada em 2020 por Peter Klein, professor de Jornalismo da University de British Columbia. Foram ouvidos mais de 450 jornalistas de 71 países, sendo o Brasil um deles. Mais de 75% dos fixers disseram raramente receberem crédito por sua contribuição.

Tragédias na guerra da Ucrânia expõem desigualdades no jornalismo internacional
Foto: Pixabay

“Pessoas morenas com sotaque engraçado”

Um dos entrevistados no Brasil disse: “Os correspondentes estrangeiros ainda nos consideram ‘pessoas morenas com sotaque engraçado’. Embora eu tenha feito reportagens importantes e ousadas, é uma luta conseguir crédito. Enquanto isso, essas ‘crianças’ brancas − anos mais jovens − aparecem sozinhas nos créditos”.

Há também o aspecto trabalhista. A jovem ucraniana, encantada com a chance de trabalhar para uma rede americana e colaborar para levar ao mundo as atrocidades em seu país, pode não ter exigido proteções que jornalistas da casa teriam em uma fatalidade.

Essas disparidades foram estudadas também pela pesquisadora de mídia americana Lindsay Palmer, que em 2019 publicou o livro The Fixers. Local News Workers and the Underground Labor of International Reporting.

A escolha da expressão “underground labor” revela o abismo entre as classes distintas de profissionais que atuam em jornalismo internacional.

Muitos freelances estão arriscando a vida na Ucrânia para oferecer conteúdo a empresas de mídia de seus países, igualmente sem proteção de grandes organizações. O caso dos fixers, no entanto, é diferente. Eles fazem parte da equipe de uma empresa de mídia, ainda que de forma temporária. Talvez a guerra da Ucrânia lance luz sobre o tratamento mais igualitário a eles.


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