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quinta-feira, novembro 7, 2024

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A reinvenção do jornalismo

* Por Sérgio Lüdtke

 

O dilema do jornalismo

 

“Temos duas casas. Uma está em chamas e a outra ainda por ser construída. Então, nosso problema é que temos que apagar as chamas na casa antiga, ao mesmo tempo em que tentamos descobrir como construir uma nova casa”. A metáfora usada por Jeff Jarvis, diretor do Tow-Knight Center e influente analista de mídia, no recente artigo If I Ran a Newspaper…, ajuda a entender o momento pelo qual passam as organizações de mídia no mundo.

Jarvis diz que a casa em chamas está assentada nos alicerces do antigo modelo de negócios da mídia, baseado em volume: no alcance e na frequência, quando tratamos da mídia de massa; e no número de usuários únicos e cliques, quando tratamos de online. Essa casa, ele explica, está condenada à comoditização, pois a abundância que a internet cria e a competição que ela gera derrubam o preço do que antes era escasso e o fazem pender para o zero. “No entanto, esse é o modelo que sustenta a indústria e, para sobreviver e possivelmente para investir em um futuro alternativo enquanto ocupamos essa casa, ainda vamos alimentar o fogo com gatos, Kardashians e todos os novos truques que pudermos encontrar, dos anúncios programáticos e dos chamados motores de recomendação de conteúdo (que transformam ainda mais os conteúdos em commodities) até a publicidade nativa (que pode causar danos à credibilidade da nossa marca). Sabemos onde isso acaba: em cinzas”.

Jeff Jarvis (Tow-Knight Center): “O futuro dos jornais tradicionais está na construção de relacionamentos”

Jeff Jarvis entende que o futuro dos jornais tradicionais está na construção de relacionamentos. E essa estratégia de relacionamento exige aprender novas habilidades, tais como a de ouvir comunidades para conhecer suas necessidades; treinar equipes em todas as organizações para desenvolver produtos e serviços mais focados nas necessidades dessas comunidades e entender como elas usam as informações; coletar, analisar e trabalhar com as base de dados sobre nossos públicos; e gerar novas receitas com a exploração de outras linhas de negócios, como eventos, comércio e afiliação. As empresas de mídia necessitarão, continua Jarvis, verificar de que maneira poderão oferecer aos anunciantes essas novas habilidades e os dados dos quais dispõem. O dilema que ele coloca e que nos propomos a responder ouvindo publishers e editores de diferentes mídias nesta reportagem é: “Como podemos fazer tudo isso – experimentando e inevitavelmente falhando ao longo do caminho – enquanto ainda estamos apagando um incêndio?”.

(*) Ex-editor executivo nos grupos RBS e Globo, publisher da Artes e Ofícios Editora e coordenador do Master em Jornalismo Digital no IICS. Desenvolveu o curso Modelos de Negócios e Financiamento do Jornalismo Digital baseado em sua pesquisa sobre modelos de negócios de mídia digital. Recentemente produziu a parte brasileira da pesquisa Ponto de inflexão, mais completo estudo já realizado sobre o crescimento e o impacto da mídia digital independente na América Latina, bem como as ameaças ao setor. Dirige a empresa de consultoria em comunicação digital Interatores e a Escola de Interatores.

 

Modelos de financiamento em chamas

 

A estratégia que está sendo adotada por boa parte das empresas de comunicação é estancar as chamas que consomem a publicidade e isolar a área em torno do conteúdo e preservar as marcas. Ou seja, ainda que a publicidade seja a principal fonte de financiamento do jornalismo, as empresas se preparam para mudar o eixo e apostam no incremento das receitas provenientes da venda de conteúdo e na expansão de marca para diversificar suas fontes de financiamento. As diversas mídias, no entanto, tratam o tema com urgências diferentes.

Marcelo Rech (ANJ): “É necessário um rearranjo nas redações”

Marcelo Rech, presidente da ANJ e vice-presidente editorial do Grupo RBS, defende a migração da indústria de jornais para um modelo pago, baseado em assinaturas, o que para ter sucesso dependerá necessariamente da valoração do conteúdo por parte do usuário.

Para melhorar essa percepção, os jornais estão buscando foco no que é mais relevante no momento, assuntos de interesse imediato. Para reforçar isso, Rech entende que é necessário um rearranjo nas redações, que permita a contratação de profissionais especificamente para atender a interesses sazonais e que torne os veículos menos generalistas e mais focados na busca de conteúdos mais relevantes. Ele vê um futuro de redações menores do ponto de vista do núcleo, mas que poderão ser ampliadas para atender a demandas eventuais ou fazer alianças com outros produtores de conteúdo para suprir suas necessidades de oferta de informação.

Marcelo Rech acredita no potencial das estratégias de expansão de marca, aproveitando a credibilidade do veículo para agregar outros modelos de financiamento, como eventos e conferências, por exemplo. Ele aposta no potencial do face to face e na discussão profissional sobrepondo-se à amadora, fatores que reforçariam as marcas e a relação destas com seus públicos.

Os grandes jornais, de alcance nacional, estão apostando em estratégias muito próximas, procurando diminuir a dependência da publicidade e diversificar as fontes de financiamento, o que possibilita antever também uma ampliação da concorrência entre eles.

Ascânio Seleme, diretor de Redação de O Globo, diz que o jornal tem como principal objetivo superar a receita de publicidade, que ainda responde por mais da metade do faturamento, incrementando a participação de assinaturas e de eventos de conteúdo. A estratégia do jornal é apostar na credibilidade da marca, qualificar conteúdo, oferecer mais informação exclusiva e tentar converter em assinantes os usuários que hoje geram seis milhões de pageviews diárias no site.

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A publicidade ainda é a maior fonte de receitas no Estadão, mas segundo o editor executivo David Friedlander, o objetivo do jornal é “viver do anunciante”. O número de assinaturas digitais vem crescendo, chegou à casa das 80 mil, mas outras fontes ainda serão necessárias por um bom tempo. Além de publicidade e assinaturas, a venda em banca, os serviços de branded content e seminários são fontes importantes de financiamento. O Estadão também está valorizando algumas marcas próprias que já têm relevância perante grupos de interesse e que possam se transformar em novas unidades de negócios, como é o caso do Jornal do Carro.

A Folha de S.Paulo pretende continuar explorando a publicidade “em suas mais diversas e inovadoras formas”, dos anúncios ao branded content, passando por produtos especiais, informa o editor executivo Sérgio Dávila. Pioneira na implantação do paywall no Brasil, há cinco anos, a Folha aposta no aumento da circulação paga e vai seguir explorando outras fontes de receita ligadas a conteúdo, como seminários e projetos especiais, e espera que essas fontes sejam suficientes para garantir a sustentabilidade do modelo atual de operação.

Nas empresas de alcance regional, a realidade não é diferente.

A NSC, nova marca que desde julho substitui a da RBS em Santa Catarina, vê um cenário de grande complexidade pela frente. Mario Neves, presidente do grupo, acredita na ampliação das fontes de receita para continuar financiando o jornalismo profissional e conteúdos de qualidade. As perspectivas são desafiadoras, mas ele acredita que a comunicação seja cada vez mais necessária para a formação de uma sociedade mais crítica e desenvolvida.

Leonardo Mendes Junior (Gazeta do Povo): “Expectativa é que até o final de 2018 receita com assinaturas eletrônicas cheguem a 70% do faturamento da publicação”

Na Gazeta do Povo, do Paraná, os números estão se invertendo na balança, conta o diretor de Redação Leonardo Mendes Júnior. “Entramos no projeto mobile first com 70% da receita vindos de publicidade e 30% de assinaturas, a perspectiva é que até o fim de 2018 tenhamos  exatamente o oposto: 70% de assinaturas e 30% de publicidade”.

A Gazeta do Povo, que em maio deste ano extinguiu a sua edição impressa diária para focar em um produto para celular, está sendo olhada com atenção pelo mercado. Leonardo diz que ela está mais leve, que a operação impressa diária exigia uma estrutura maior em todas as áreas e que isso ficou para trás. Hoje, a empresa tem mais agilidade interna para resolver os problemas e isso contribui para a inversão da balança. A boa notícia, conta, é que ambas as fontes de receita, publicidade e assinaturas, continuam crescendo, embora em ritmos diferentes. É um desenho para manter o negócio sustentável, reforçado por um acelerador forte para conquista de assinaturas que é o Clube Gazeta do Povo, com o qual os assinantes conseguem descontos em mais de mil estabelecimentos e shows em Curitiba.

No Jornal do Commercio, do Recife, a receita com assinaturas já supera a metade do faturamento do jornal. E isso com o paywall ainda sendo discutido. A decisão de fechar ou não os conteúdos deve ser tomada até o final deste ano. Maria Luiza Borges, diretora adjunta do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, fala que a área de branded content continua crescendo e contratando novos profissionais, e que fontes como a gráfica são importantes. Eles estão testando eventos para provavelmente estruturar uma área para promovê-los. Maria Luiza conta que as sucursais regionais, embora com geração de receitas menores, exploram muitas fontes de financiamento e que as áreas buscam diversificar o leque de ingressos. A TV JC, iniciativa que nasceu no Facebook e faz streaming para várias redes, começa a virar negócio, tem atraído o interesse dos anunciantes e se mostra um espaço promissor para explorar o branded content.

Roberto Gazzi: “Na Bahia, os chamados gazeteiros, que vendem o jornal nas ruas, ainda representam parte significativa da receita do Correio”

Além de publicidade, assinaturas, venda em banca, seminários e branded content, o Correio da Bahia ainda gera receita com os gazeteiros, que vendem o jornal indo ao encontro dos leitores. Roberto Gazzi, diretor executivo do jornal, até vê a possibilidade de recuperar um pouco da receita com publicidade e mantê-la por algum tempo se a situação econômica do País melhorar, mas acredita mesmo é na importância da marca para a sustentabilidade do negócio jornalístico. Além de prover conteúdos relevantes para a sociedade, o Correio da Bahia quer promover eventos que se valham da sua credibilidade e da experiência em produzir conteúdos relevantes. Gazzi vê necessidade de não só buscar novas receitas, mas também adequar a estrutura da empresa e fazer ajustes nos produtos existentes, principalmente no impresso.

A Rede Gazeta, do Espírito Santo, é afiliada da Globo e opera rádios próprias e uma emissora da CBN. Nesses veículos, a publicidade responde por 100% da receita. Para os jornais e internet, a receita é mais diversificada e contará com o reforço do paywall até o final do ano. Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Neto, o Café, diretor-geral da rede, conta que a empresa acaba de fazer uma mudança importante, eliminando a concorrência entre as unidades de negócios e unificando as áreas comerciais. Agora, há somente uma unidade de negócios que se abastece de informações sobre o mercado e os clientes e oferece um atendimento mais consultivo. Ele acredita que isso vá revigorar a empresa para enfrentar a concorrência das plataformas digitais que enfraqueceram o antigo protagonismo dos meios de comunicação.

A mídia eletrônica tem sido menos afetada que a impressa com o declínio do investimento em publicidade nos meios mais tradicionais, mas há sinais de preocupação no horizonte. Uma pesquisa recente do Pew Research Center mostra que nos EUA há uma queda vertiginosa da TV como fonte de notícias tanto em emissoras locais e de redes quanto a cabo. E essa queda é mais forte nas faixas etárias mais velhas, a partir dos 30 anos. Esse mesmo estudo mostra que o interesse pelo rádio como fonte de notícias mantém-se estável.

Silvia Faria (TV Globo): “A empresa não sentiu impacto ou perda de audiência da tevê para o digital”

No Brasil, a Globo trata os modelos de TV aberta e digital como complementares e tem investido cada vez mais na produção e distribuição de conteúdo multiplataforma. Silvia Faria, diretora de Jornalismo da Globo, diz que a empresa não sentiu impacto ou perda de audiência da TV para o digital. “Muito ao contrário, são oportunidades de consumo de conteúdo complementares. Desde 2011, a média consolidada da audiência dos telejornais da Globo não alcançava um número tão alto. De janeiro a julho deste ano foram mais de 76 milhões de pessoas impactadas diariamente em todo o Brasil. Ao mesmo tempo, o sinal ao vivo dos nossos telejornais também têm altos índices de audiência pelo Globo Play – o que reforça a conveniência desta oferta quando o público não tem a oportunidade de assistir ao noticiário pela TV”.

O ambiente recessivo no Brasil não afetou os modelos de negócios e operações da Globo, conta Sílvia Faria: “Ele estimulou a empresa a rever processos e otimizar recursos, mas sempre preservando a qualidade do trabalho. Mas mesmo em momentos difíceis, nunca paramos de investir. Nossa nova redação no Rio de Janeiro é uma prova disso. Não houve comprometimento de quadro de pessoal ou de acesso a recursos tecnológicos adequados”.

Para Ricardo Gandour, diretor executivo da rede de rádios CBN, a fonte de financiamento da emissora, assim no singular, é a publicidade. “Imagina-se que no futuro possamos monetizar o podcast por assinatura, mas ainda não exploramos esse modelo e o nosso conteúdo é aberto e gratuito”. Por ora, a receita advinda dos anunciantes está estabilizada e Gandour acredita que assim ela permanecerá por um bom tempo, mesmo com a concorrência do digital e dos buscadores. “O rádio perde em competitividade para o clique no transacional, no anúncio que visa uma venda imediata, mas para as áreas de projeto, para fixação de conceitos e posicionamento de marcas, um bom jingle é imbatível. E o áudio é sensorial, é mídia que pode ser consumida enquanto se fazem outras coisas ou até quando se usa outra mídia”.

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A casa nova

 

As empresas jornalísticas querem mudar para poder continuar fazendo o mesmo. Ou seja, fazem ajustes na planta para continuar operando com sustentabilidade, mas o propósito é oferecer conteúdo com relevância suficiente para atrair um naco da disputada atenção de seus públicos.

Para Marcelo Rech, a indústria de mídia tem conseguido inovar na capacidade produtiva para criar conteúdos, expandir para outras plataformas de relacionamento direto, como eventos e prêmios, mas não consegue pensar em criar coisas como um novo Waze, por exemplo. Quando vamos cobrir trânsito, diz ele, pensamos de imediato em um helicóptero para apoiar a apuração, “pensamos em reportar e não em solucionar um problema”. E o Waze é mais eficaz do que dez helicópteros. Rech acredita que as empresas consigam pensar mais em soluções incrementais, que sejam parte de um processo evolutivo. “Creio que o espírito de startup deve estar presente no início de uma reportagem, mas acho difícil criar espaços de tentativa e erro ou incubadoras. Com recursos mais restritos, a margem para tentativa e erro é menor”.

Ele diz que é preciso reconhecer que estamos publicando pouco conteúdo original e que precisamos apurar a técnica: “A produção de conteúdo está na mão de dois bilhões de pessoas, nós devemos fazer a certificação disso. Temos que sair da posição defensiva, histórica, de um certo encolhimento da atividade profissional, e fazer marketing. Não basta fazer diferente, é preciso acelerar essa percepção junto ao público, de maneira transparente. Os conteúdos têm que subir alguns degraus nas escalas de profundidade e de qualidade e temos que tornar isso mais atraente para o público”.

De fato, espaços dedicados à inovação, aceleração ou Media Labs não fazem parte do ecossistema das empresas de comunicação no Brasil. A Rede Gazeta do Espírito Santo criou o Gazeta Lab com a intenção de gerar relacionamento com as universidades. O laboratório tem levado alunos e professores à empresa para trabalhar em ciclos de projetos que geram um produto. Café Lindenberg vê nele algo promissor, mas não pretende transformá-lo e nem criar uma aceleradora: “É uma mentalidade fora do nosso campo de competência, um arranjo produtivo muito específico, que exige habilidades que nós não temos”.

 

Gazeta Lab, da Rede Gazeta do Espírito Santo, foi a alternativa criada para gerar relacionamento com as universidades.

O Correio da Bahia avançou na criação de um cargo de editor de Inovação, função analítica e propositiva, que analisa dados de performance e propõe uma pauta multimídia. Roberto Gazzi diz que a empresa está pleiteando também financiamento junto à Finep para desenvolver projetos de inovação que podem gerar um Media Lab e transformar outras áreas além do conteúdo. As áreas precisam se digitalizar, a transformação da mídia tradicional em uma empresa do mundo digital exige novos sistemas e ferramentas, núcleos de dados que atendam não somente ao jornalismo, mas também ao negócio. Gazzi entende que tudo isso é necessário, mas sem esquecer que o jornalismo e as marcas ainda são protagonistas: “A baixa estima faz com que percamos um pouco essa percepção”.

A Gazeta do Povo, empresa que passou pela maior transformação na mídia brasileira nos últimos anos, compensa a falta de um laboratório específico para testar novos projetos com abertura e estímulo para que suas áreas testem formatos novos no dia a dia. Ela aposta na rápida troca de ideias entre pessoas de diferentes áreas como um modo para enfrentar um problema ou para abrir novos caminhos, que levem a soluções eficientes, inovadoras e que se multipliquem pela Redação. Para Leonardo Mendes Júnior, a busca constante por eficiência em todos os aspectos é o novo normal: “Se na era impressa lançar um projeto era sinônimo de ficar pelo menos cinco anos com aquilo, na era digital o lançamento é apenas o início de um trabalho contínuo de reavaliação e aprimoramento. Estamos permanentemente em modo beta”.

Mário Neves (NSC): “Caminho para se renovar constantemente está no público e não na tecnologia”

A NSC, de Santa Catarina, busca no público e não na tecnologia o caminho para se renovar constantemente. Mario Neves diz que a empresa procura soluções diferenciadas para os diferentes públicos e acredita que, ainda que as formas estejam se reinventando, a comunicação é cada vez mais necessária para a formação de uma sociedade mais crítica e desenvolvida: “Temos o compromisso de fazer o melhor jornalismo para os catarinenses, valorizando os temas locais, nacionais e internacionais que impactam o dia a dia daqueles que vivem no nosso Estado. O olhar atento às demandas desse público é o nosso grande diferencial. O que não muda é o foco na produção de conteúdo relevante, que possa servir ao público e provocar mudanças na sociedade”.

A Folha está atenta aos ventos da inovação consistente, é uma empresa ágil para fazer os ajustes necessários, mas sua aposta é na qualidade do conteúdo verificado, conta Sérgio Dávila. Ele diz que “nunca o jornalismo profissional, com sua série de princípios éticos, de apuração, validação e curadoria, foi tão necessário quanto hoje. Na verdade, nunca antes na história se consumiu tanto jornalismo profissional como agora. O importante é inovar sem perder de vista que o que fazemos, o que confere valor ao que fazemos, é o jornalismo profissional”.

Para Silvia Faria, o jornalismo se faz no dia a dia, nas redações e com equipes nas ruas: “Hoje todos concorremos pelo tempo e pela atenção do público e ele tem cada vez mais opções. Mas continuamos acreditando que o mais importante é o conteúdo”. Em função disso, a Globo tem investido no desenvolvimento da equipe em várias frentes, por exemplo nas oficinas de roteiro, para estimular diferentes formas de contar uma história e novas maneiras de explorar os conteúdos.

 

Os portais

 

Os portais já foram o principal meio de acesso dos leitores para a navegação na web. Com as redes sociais e o aumento do uso do acesso por meios móveis, o papel dos portais foi mudando e hoje eles se tornaram uma expressão da curadoria, um espaço para encontrar conteúdo de vários temas, selecionados por critérios de relevância e atualidade. Mas qual o lugar do portal em um ambiente em que a informação é tão fragmentada e no qual prosperam meios de nicho ou especializados, que atendem a públicos de interesses específicos?

Para Marcia Menezes, diretora do G1, um portal tem sucesso quando alcança dois objetivos: ser confiável e oferecer um cardápio amplo para o leitor: “A credibilidade é a base de tudo. Com o fenômeno das fake news, consolidar e validar informações com rigor jornalístico ganhou ainda mais importância. Sobre o segundo ponto, os portais não são mais somente uma página que abre um leque de conteúdos diferentes. A homepage dá bastante audiência e é relevante, mas a origem da audiência é cada vez mais diversificada”.

Marcia diz que o G1 se preparou para a migração da audiência para o celular e que quando foi lançada a nova homepage, com uma lista de notícias que funciona bem no desktop e no celular, alguns leitores estranharam. Mas, que, desde então, a audiência subiu: “Estamos atentos às mudanças na forma de consumo (alertas no celular, por exemplo) e a temas que ganhem espaço entre as prioridades dos leitores”.

Rodrigo Flores (UOL): Portal aposta na importância de sites ou apps que servem para agregar ou fazer curadoria de informação relevante e de qualidade.

Rodrigo Flores, diretor de conteúdo do UOL, aposta na importância de sites ou apps que servem para agregar ou fazer curadoria de informação relevante e de qualidade: “Há excesso de notícias, muitas delas falsas, circulando por redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Nesse cenário, um site que condense, compile, priorize e verifique o que está sendo veiculado torna-se mais importante do que nunca”. Prova disso, segundo ele, é que o UOL atinge mais de 80 milhões de pessoas (dados da ComScore) e que o alcance do portal nunca foi tão grande em 21 anos de história.

Para ser um meio relevante para cada indivíduo, Rodrigo Flores diz que o portal precisa também de tecnologia: “Hoje usamos clusters para identificar o perfil de nossos usuários e entregamos chamadas customizadas para cada pessoa. Quem se interessa por carros vê chamadas na home do UOL que não aparecem para quem não se interessa pelo assunto. O mesmo vale para receitas, por exemplo. Em casos mais delicados, como o time do coração ou o signo do zodíaco, criamos áreas customizáveis e passamos a priorizar a entrega de conteúdos específicos”.

 

Meios nativos digitais: os novos arquitetos

 

Os meios que nasceram na internet têm um alcance de público cada vez maior, movidos pelo propósito de causar impacto e um trabalho eficiente nas redes sociais. Eles parecem entender que uma organização enxuta, com equipes preparadas e diversificação das fontes de financiamento são fundamentais para garantir a sustentabilidade num mercado em que a atenção é um bem cada vez mais raro.

Ponto de Inflexão, recente estudo elaborado pela Sembramedia em quatro países da América Latina, inclusive o Brasil, mostra que um número crescente de novos meios digitais desenvolve negócios sustentáveis e até lucrativos sem abandonar o jornalismo de qualidade. Entre as conclusões desse estudo estão: a diversificação de receitas é uma chave para o sucesso, a inovação é movida pela audiência e as mídias sociais ampliam a audiência do jornalismo.

Os novos meios digitais estão formando um novo ecossistema comunicacional que aumenta a oferta de conteúdo verificado, de qualidade, disponível na rede e criam um horizonte de esperança para aqueles que temem pela sustentabilidade dos modelos de operação das empresas de mídia tradicionais. Um colapso desse modelo deixaria um vazio que não seria preenchido rapidamente pelo novo ecossistema digital, mas algumas iniciativas brasileiras já permitem sonhar com um novo ambiente.

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Jota

 

O Jota foi lançado em 2014 em Brasília com uma equipe de cinco pessoas e, desde então, com base na própria capacidade de gerar receita, já aumentou o time em mais de seis vezes. Felipe Seligman, chefe de operações e responsável por Cultura e Pessoas, conta que o Jota opera com diversos produtos e serviços de informação, que funcionam por meio de assinaturas. “Com diferentes audiências e diferentes formatos, conseguimos diversificar as fontes de receita de maneira personalizada. Não dependemos de publicidade, doações ou bolsas”.

Felipe diz que há uma busca constante para encontrar modos diferentes de fazer as coisas, não apenas no formato jornalístico, mas na gestão da empresa. O Jota desenvolve seus produtos e serviços: “Estamos desenvolvendo um processo interno para a avaliação constante e montando um time de excelência. Atualmente, estudamos muito e contamos com pessoas que têm conhecimentos tecnológicos que nos permitem otimizar processos jornalísticos, administrativos e financeiros. Tudo isso nos dá melhores resultados e nos deixa muito felizes. Temos uma filosofia de testes constantes, prototipagem rápida e pivotagem sempre que necessário. Partimos sempre de uma pergunta a ser respondida, nunca de uma certeza a ser colocada em prática a qualquer custo.  Nossa maior preocupação em termos de sustentabilidade é nunca descuidar da nossa missão de dar transparência à informação pública, levar maior segurança jurídica ao mercado e transformar a sociedade por meio de um jornalismo especializado, técnico, imparcial e ágil”.

O sucesso do Jota passa pela compreensão de qual problema ele resolve e pela sua missão no mundo. Para ajudar a resolver esses problemas, como falta de informação, transparência ou segurança jurídica, Felipe entende que é necessário ter as melhores pessoas: “O time é fundamental para permanecer relevante”.

Nexo

 

O Nexo é outro veículo nativo digital que se destaca no novo ecossistema de informação no Brasil. Renata Rizzi, diretora de estratégia e negócios, acredita que ele inovou no modelo editorial, na produção de jornalismo de contexto no Brasil, no uso de gráficos e de recursos interativos, mas também no modelo de negócios e na compatibilidade de ambos para que tudo seja sustentável. Ela acrescenta que a aposta na multidisciplinaridade da redação é uma inovação que faz diferença.

Renata acredita que o Nexo tem servido de referência a muitos veículos da mídia tradicional na maneira de comunicar, por exemplo: “As newsletters de vários veículos já se alteraram a partir do nosso surgimento. Há também um esforço maior em aumentar ou desenvolver a parte de conteúdos gráficos e de adaptar a apresentação dos conteúdos de texto para facilitar o entendimento do leitor”. Ela considera que, assim como outros empreendedores, o Nexo teve a possibilidade de olhar o contexto da indústria como é hoje e já definir seu modelo a partir desse contexto: “Foi fundamental entender muito bem o quê e para quem, e compreender os números e tempos todos do negócio antes de lançar, operar e promover. Começamos a pensar no Nexo mais de um ano antes de ele ser lançado”. Agora, uma grande prioridade é entender cada vez mais a audiência e continuar crescendo em público, pautas e novas seções, com equilíbrio e fidelidade ao modelo editorial que adotou.

Metrópoles

Dois anos depois de seu lançamento em Brasília, o Metrópoles já conta com uma equipe de 132 profissionais e se prepara para virar um portal. O site transbordou. A diretora de Redação Lilian Tahan atribui o sucesso à habilidade de lidar com as redes sociais, o que projetou o Metrópoles para além do Distrito Federal. A mudança não foi deliberada, mas uma oportunidade, já que a proximidade com o poder dá ao site uma vantagem competitiva relevante: “Enquanto os grandes veículos trabalham em Brasília com sucursais, o Metrópoles tem mais de uma centena de profissionais trabalhando na cidade”.

A composição da equipe também difere da de outros veículos. Lilian tem um terço do time de conteúdo dedicado às redes sociais, investe em campanhas no Google e tem quatro pessoas trabalhando com otimização para buscadores (SEO). O modelo de financiamento está baseado em publicidade e o site aposta muito no varejo e nos pequenos anunciantes para alcançar o ponto de equilíbrio entre receitas e despesas.

Poder360

O Poder360 foi lançado em 2016 e, embora não cobre pelo conteúdo e nem exiba nenhum anúncio, já é um negócio sustentável. Fernando Rodrigues, que dirige a Redação, relata que a ideia era antes consolidar todas as funcionalidades e uma audiência mínima mais fiel para depois buscar patrocínio. Como ele se sustenta? O Poder360 é mantido por três verticais de rentabilização: o Drive, newsletter com assinaturas pagas criada em 2015; o DataPoder360, divisão de pesquisas que oferece estudos de opinião pública para o mercado privado; e o Poder360-ideias, divisão de eventos sobre a conjuntura nacional. E terá em breve um quarto vertical, destinado aos anunciantes e patrocinadores do site.

A proximidade com o poder e uma equipe preparada e motivada são as chaves para que o negócio sobreviva e prospere. Fernando diz que toda a equipe está ciente de que a crise dos últimos anos na indústria de mídia foi causada pela disrupção do modelo de negócios, mas que o público continua interessado em bom jornalismo: “É importante ter clareza ao fazer essa análise de conjuntura e assim manter a paixão pela profissão. A meta é sempre clara: produzir o melhor jornalismo possível sobre o poder e a política”.

Segundo ele, o Poder 360 está tentando construir um veículo de comunicação sério, independente do ponto de vista editorial e financeiro, nativo digital, com ambição de falar com o Brasil sobre o que se passa no poder e, muito importante, com sede em Brasília. “Por razões históricas e de mercado, os principais veículos de comunicação jornalística de expressão nacional sempre tiveram suas sedes no Rio e em São Paulo, mas costumavam manter grandes sucursais em Brasília. O cenário agora não é mais esse. Nenhum grande jornal ou revista ou portal de expressão nacional tem escritórios em Brasília com o número suficiente de jornalistas para fazer uma cobertura extensiva e intensiva dos assuntos do poder e da política”.

Agência Pública

 

O jornalismo que emerge do novo ecossistema nativo digital revela também exemplos de empreendimentos capazes de provocar grande impacto, ainda que estejam fora do mercado da comunicação. Um exemplo dessas organizações sem fins lucrativos que estão inovando no jornalismo é a Agência Pública.

A Pública, segundo Natália Viana, tem o DNA da inovação e se empenha para desenvolver o campo do Terceiro Setor de jornalismo independente e investigativo. A agência foi o primeiro veículo a usar o crowdfunding como fonte de financiamento, criou o Truco, que é o mais longevo fact-checking do País, fundou no Rio de Janeiro a Casa Pública, para fazer uma conexão off-line com seus públicos, e criou as Residências de Jornalismo para receber jornalistas estrangeiros. Desde o ano passado, a Pública conta com o Labs, para experimentar novas linguagens, como no projeto 100, sobre as remoções para a realização dos Jogos Olímpicos, vencedor do Prêmio Vladmir Herzog 2016.

Como em qualquer organização sem fins lucrativos, a busca por fontes de financiamento é contínua e a agência tenta desenvolver alternativas de recursos e conscientizar as fundações para a importância de investir no jornalismo. Natália vê o surgimento no Brasil de uma cultura de doação de pagamento por parte dos leitores. Esses leitores não estão pagando pelo acesso a um conteúdo via paywall. Eles valorizam tanto alguns conteúdos que pagam para que eles sejam produzidos, pagam para incentivar um modelo de jornalismo. Ela cita o Nexo e Outras Palavras como exemplos de meios que são apoiados por essa sensibilidade dos leitores.

 

A reinvenção do jornalista

 

Se as empresas de mídia se transformam lentamente, os jornalistas precisam se reinventar com urgência. Um profissional completo domina as técnicas e as linguagens das múltiplas plataformas, entende o universo das redes sociais, conhece métricas e dados e é fiel aos fundamentos do jornalismo. Infelizmente, as redações já não oferecem o espaço de “residência” que complementava a formação dos jornalistas. Esse é um papel que as faculdades de Jornalismo terão que assumir muito em breve.

A seguir veremos quais os principais requisitos para o jornalista profissional na visão de alguns dos maiores empregadores do setor no Brasil.

Maria Luiza Borges (Sistema Jornal do Commercio): “Das 200 pessoas que trabalham nos veículos do Sistema Jornal do Commercio em Pernambuco, não há nenhuma que não atue em ao menos duas plataformas

Entusiasta dos novos arranjos que o digital impôs às redações, Maria Luiza Borges diz que, das 200 pessoas que trabalham nos veículos do Sistema Jornal do Commercio em Pernambuco, não há nenhuma que não atue em ao menos duas plataformas. Até os antigos diagramadores, que agora são designers, conhecem vários softwares e alguns se tornam programadores. Não há mais fotógrafos, quem foi fotógrafo um dia agora ao menos faz foto e vídeo. Não há mais Fotografia, agora é JC Imagem.

Para ela, a fronteira que precisa ser transposta é a dos dados: “Jornalismo não é mais da área de humanas. A orientação para dados precisa estar na veia e a pauta deve ser pensada com o que o leitor irá visualizar. Precisamos entender de monitoramento e nenhum editor pode ignorar redes sociais. O jornalista precisa dominar muito bem todos os passos porque ele já não domina a pauta”.

Com 410 pessoas produzindo conteúdo e mais 30 no back-office, a redação integrada de O Globo, Extra e Expresso é a maior redação de impresso/digital do Brasil, segundo Ascânio Seleme. Hoje, apenas 36 pessoas estão dedicadas ao fechamento das edições impressas. Para o diretor de Redação de O Globo, o jornalista não pode mais se dar ao luxo de desconhecer o que é a indústria e as diversas plataformas em que a marca opera.

A atenção com o negócio também é premissa para os 350 profissionais da NSC. Mario Neves diz que, além da capacitação profissional e atualização constante, que são essenciais em qualquer área, dois pensamentos guiam os profissionais da empresa para o futuro: “O foco em Santa Catarina, em produzir conteúdo que contribua para tornar a nossa sociedade ainda mais desenvolvida e relevante no cenário nacional, e ter em seu mindset uma perspectiva multiplataforma”.

Sérgio Dávila descreve o que espera dos 300 profissionais que trabalham na Folha: “Queremos profissionais que sejam produtores de conteúdo de qualidade, que sigam os preceitos do jornalismo profissional e coloquem em prática os pilares do Projeto Folha (apartidarismo, pluralismo, crítica). Que acreditem no jornalismo profissional como antídoto para notícia falsa e intolerância. Que não se prendam à plataforma em que seu conteúdo vai ser publicado, mas sim em conseguir a informação exclusiva, o olhar original. Que se envolvam na distribuição do conteúdo e se preocupem com sua audiência qualificada”.

A Globo tem cerca de 1.300 profissionais distribuídos pelas cinco emissoras próprias (Rio, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife), incluindo TV aberta, GloboNews e G1. Para Sílvia Faria, com o crescimento das notícias falsas, propagadas por web e mídias sociais, o papel do jornalismo profissional ficou ainda mais importante. O desafio, segundo ela, é o de sempre: “Dar notícias de maneira ágil e, ao mesmo tempo, correta. Com pluralidade e isenção. Os profissionais precisam lidar com equipamentos leves de captação de conteúdo, para elaboração do trabalho ou entradas ao vivo quando os fatos se impõem. A integração entre as plataformas (TV aberta, TV fechada e web) também é fundamental. Os novos profissionais precisam estar preparados para esse cenário”.

Ricardo Gandour (CBN): “O rádio sempre foi interativo, sempre foi uma rede social, só que operava com a tecnologia existente”

Ricardo Gandour vê vantagens para quem trabalha no rádio. “O biorritmo que a web introduziu não era nem um pouco estranho para os profissionais do rádio. Pelo contrário, o ritmo da web já era natural para o meio. É fascinante ver que o protocolo de atuação da web já era conhecido do rádio, só o que mudou foi a tecnologia. Ela vai avançando, mas a atitude humana é que vale. O rádio sempre foi interativo, sempre foi uma rede social, só que operava com a tecnologia existente”.

Ele entende, no entanto, que há um grande desafio pela frente porque “cada vez mais é necessária a capacitação em novas narrativas, novos jeitos, capacitação técnica-operacional nos modos de fazer. Assim como foi lá atrás, no jornalismo impresso, hoje nós temos essas novas demandas de capacitação, mas nunca foi tão necessário, ao mesmo tempo, revisitar e aprofundar os fundamentos,  que em muitos casos estão se perdendo, casos do contexto, das referências e da problematização de uma pauta”.

Para Marcelo Rech, a chave de toda a gestão do jornalismo profissional é o que vai diferenciá-lo do resto da humanidade que produz conteúdos: “Algumas coisas que são básicas serão aprofundadas e necessárias: expressar-se bem e precisamente, por escrito, por imagem etc., usar técnicas de apuração que se enquadrem no conceito de precisão, comunhão universal com determinados valores comuns ao jornalismo e um mínimo denominador comum de padrões éticos, independentemente de culturas”. Rech visualiza um espaço enorme para quem tem a capacidade de ser mais autoral: “Há uma padronização que abre espaço para o que é diferenciado. Em última análise, a diferença se fará por uma combinação de estilo, rigor e capacidade de ser reconhecido como referência”.

Os novos meios

Os novos meios digitais empregam menos gente, mas são tão ou mais exigentes com os seus profissionais. Alguns deles exigem habilidades específicas e apostam no engajamento dos profissionais com os propósitos de suas marcas.

A Agência Pública tem cerca de 20 pessoas trabalhando em São Paulo e no Rio de Janeiro. Para Natalia Viana, o jornalista que quer trabalhar na Pública precisa ter conhecimento do veículo, propensão para o jornalismo investigativo, engajamento, saber que importa menos a experiência e mais o comprometimento. E deve acreditar no potencial transformador do jornalismo.

O Nexo emprega 30 profissionais e, desses, 26 produzem ou editam conteúdo. Para trabalhar no veículo, Renata Rizzi diz que “o jornalista deve estar apto a explorar de fato todo o potencial do nosso modelo editorial e do jornalismo que é somente digital. Entender a sua natureza e se adaptar bem aos novos fluxos de produção, que envolvem diferentes profissionais e competências variadas. Ter criatividade para experimentar e propor diferentes tipos de conteúdo, saber escolher qual dentre os formatos será melhor para expor cada tema ou pauta (texto, vídeo, gráfico, interativo etc.), ser versátil para produzir bem esses variados tipos, e trabalhar em equipe com arte, tecnologia e pesquisa. E ser extremamente competente e rigoroso do ponto de vista tradicional do jornalismo”.

O Jota emprega 31 profissionais e pelo menos 23 deles estão na área de produção de conteúdo. Felipe Seligman apresenta os requisitos para trabalhar no Jota: “Somos uma empresa que fornece informações aprofundadas e altamente técnicas para um público que precisa delas em seu cotidiano profissional. Não dá para brincar em serviço. Precisamos especializar nossos jornalistas para que eles consigam, no longo prazo, tornarem-se referência em suas respectivas áreas. Por isso, vemos com bons olhos profissionais com formação em Direito, Economia e Ciência Política, mas o conhecimento de dados também será fundamental”.

No Poder360 trabalham 30 profissionais, 23 deles jornalistas. Fernando Rodrigues espera que os jornalistas do século 21 tenham tudo o que os do final do século 20 tinham: excelente conhecimento de português, fluência em outras línguas, ampla cultura geral, alguma especialidade, raciocínio lógico, capacidade de apuração e redação: “Acrescento algo que já era muito útil e tornou-se vital e indispensável: saber lidar com bases de dados, interpretar tabelas e estudos estatísticos, bem como dominar completamente os principais recursos de planilhas de cálculo como o Excel”. Para ele, agora no século 21, é necessário que os profissionais tenham também muito prazer em lidar com os desafios da mídia online, como, por exemplo, saber “taguear” corretamente um texto; saber quando e como postar nas redes sociais; saber fazer excelentes vídeos e fotos com o celular; e saber editar texto, áudio e vídeo no próprio celular. Outra coisa que o diretor de Redação do Poder360 considera muito importante: ter um hábito de leitura além dos posts de redes sociais. “Há uma tendência de jornalistas hoje passarem muito tempo pescando dicas em redes sociais, o que é bom, mas é necessário continuar a ler o que escrevem os concorrentes, a mídia tradicional do Brasil e do exterior”.

Os repórteres do Poder360 recebem MacBookPro, iPhone e iPad para trabalhar. Eles são treinados para usar os equipamentos da melhor forma possível. Ter um equipamento de ponta não é um fetiche vazio, alerta Fernando Rodrigues: “Trata-se de dar ao profissional o melhor ferramental para produzir no meio digital. Não podemos exigir que o repórter se especialize em áudio e vídeo sem fornecer a ele/ela treinamento e bons equipamentos. Dou grande valor a esse tipo de habilidade que os jovens jornalistas desenvolvem ao colocar a tecnologia a serviço da apuração das notícias”.

 

As plataformas

As plataformas sociais e de busca têm drenado parte considerável do bolo publicitário que anteriormente era dividido quase que exclusivamente pelas organizações de mídia. Não somente por isso, essas plataformas estão na origem da crise do modelo de negócios que sustenta o jornalismo. Há fuga de receita, mas, sobretudo, há fuga de audiência e de atenção.

Ambas as partes, plataformas e organizações de mídia, vivem a dicotomia de se apoiarem umas nas outras para obter conteúdo e audiência e, ao mesmo tempo, serem concorrentes. Há disputa entre elas, por certo, mas há também muitas oportunidades.

Google News Lab

O Google abriu neste ano um Google News Lab no Brasil. A seção brasileira, liderada por Marco Túlio Pires, pretende ser o balcão de atendimento dos jornalistas no Google, uma estação que os conecta a todos os recursos que o buscador tem disponíveis para ajudar os profissionais da mídia. E eles não são poucos.

O News Lab foi criado para atender a demandas que os profissionais de imprensa endereçavam ao Google. Essas demandas foram alocadas em quatro áreas prioritárias: Jornalismo de Dados, Jornalismo Imersivo, Diversidade no Jornalismo, e Verificação e Credibilidade. Cada uma responde a questões que podem ser comuns ao jornalismo e a uma empresa de tecnologia como o Google.

Marco Túlio explica essas questões a partir de algumas perguntas: “Pode uma empresa como a nossa ajudar a trazer mais diversidade, já que a tecnologia abriu espaço para muitas vozes? Nessa multiplicidade de vozes, consegue o jornalismo enfrentar bem o desafio de separar o que é ruído do que é sinal? Pode o Google ajudar a enfrentar os desafios éticos que surgem a partir do uso de tecnologias como realidade virtual, aumentada, AI ou drones para contar histórias, já que enfrentou antes esses mesmos desafios? E, por fim, como profissionais de comunicação podem se capacitar para usar os recursos tecnológicos que permitam a exploração das grandes bases de dados disponíveis? Para ajudar a respondê-las, o Google News Lab propõe quatro tipos de atividades: pesquisa, treinamento, formação de redes e programas. E qualquer jornalista pode participar disso”.

Ele diz também que o Google News Lab tem a intenção de trazer para dentro da conversa o tema do valor jornalístico e do impacto que o jornalismo é capaz de gerar, de como dar prioridade a esses temas para que o valor do jornalismo seja melhor percebido e, assim, enriquecer os modelos de negócios jornalísticos.

Uma iniciativa que o Google está testando e deve lançar nos próximos meses para ajudar a mensurar o impacto jornalístico é o impacto.jor. O objetivo é fornecer às redações um ferramental capaz de entender como elas causam impacto na sociedade e como isso pode ser um trampolim para apoiar seus modelos de negócios. E qualquer organização poderá usá-lo.

Leonardo Stamillo (Twitter): “É necessária uma mudança de mentalidade para que os meios possam aproveitar melhor as ferramentas que estão disponíveis nas plataformas” – Foto: Fernando Cavalcanti

Leonardo Stamillo, diretor editorial do Twitter para a América Latina e responsável pelo relacionamento com os veículos de comunicação, vê a necessidade de uma mudança de mentalidade para que os meios possam aproveitar melhor as ferramentas que estão disponíveis nas plataformas.

Ele percebe uma vontade dos veículos em conquistar mais do estoque de atenção das pessoas, mas acredita que parte da dificuldade que os meios de comunicação enfrentam está no fato de eles ainda entenderem que as pessoas deveriam consumir conteúdo em suas próprias plataformas. Ou seja, os veículos querem que a audiência venha até os seus canais, não querem ir até onde o público está. Para Stamillo, isso se dá possivelmente pelo desconhecimento de que há ferramentas disponíveis nas plataformas que podem ser usadas em benefício dos negócios desses veículos.

No Twitter existem hoje modelos de monetização que não dependem necessariamente da visita a um ponto específico de uma página web, explica Stamillo: “O nível de energia que é necessário gastar para trazer uma pessoa a um ponto específico dentro de uma página é enorme, é necessário arrancá-lo do ambiente onde ele está e levá-lo para aquele ponto onde irá gerar uma receita. O que hoje faz sentido, na verdade, é encapsular esse conteúdo de uma maneira criativa e interessante, de tal forma que essa cápsula de conteúdo viaje na rede, vá ao encontro das pessoas e gere receita nesse caminho”. Alguns veículos como Estadão e G1 têm experimentado esse modelo.

Para ele, a questão da pertinência é uma das chaves para a solução da crise do modelo de negócios do jornalismo. Se um anunciante quiser se conectar a determinado público usando conteúdo pertinente, o melhor veículo é o conteúdo jornalístico, produzido por quem sabe fazer conteúdo pertinente. E o Twitter está criando ferramentas para fazer essa conexão. Nesse modelo, o veículo ganha duas vezes: o anunciante amplia o alcance dos conteúdos e ele ainda é remunerado pelo uso do conteúdo.

O Twitter deve lançar no Brasil em breve um sistema que vai mapear, de um lado, a oferta de conteúdo que está sendo publicada na plataforma e, de outro, a demanda dos anunciantes. Esse sistema vai fazer o match.

À parte dessas soluções, Stamillo diz que os projetos do Twitter são desenvolvidos em conjunto com os veículos de comunicação, totalmente customizados, moldando os recursos das ferramentas que a plataforma oferece, como Moments, Periscope e Amplify: “Nós apresentamos o projeto primeiro para o editorial para que depois ele seja levado ao comercial. Nós precisamos garantir que esse projeto tem relevância editorial e que ele não fere nenhum tipo de política editorial do parceiro. Além disso, se esse projeto chegar pelo comercial, ele não necessariamente será desenvolvido pelo editorial; se chegar pelo jornalismo, poderá ser realizado mesmo que não seja vendido”.

Segundo o diretor editorial do Twitter, ainda existe nos veículos uma resistência em gerar receita fora de suas propriedades, porque há o entendimento de que se participarem de um projeto comercial nas plataformas eles perderiam a oportunidade de capturar a verba do anunciante para usá-la em um projeto no próprio veículo. Stamillo diz que os veículos ainda não conseguem entender que já existe no mercado um dinheiro destinado às plataformas de redes sociais. Ao não fazerem a sua ativação na plataforma, eles estão, na verdade, abrindo mão de brigar por uma nova receita. No mercado, o dinheiro do digital já não é mais o dinheiro do social.

O Twitter elegeu três pilares de conteúdo aos quais dá mais atenção: notícias, esporte e música. O porte do veículo parceiro importa menos. Embora alguns meios façam um bom trabalho na rede, os novos meios digitais, diz Stamillo, estão ensinando novas formas de levar os conteúdos à plataforma. Ele arrisca dizer que ninguém faz hoje um live-tweeting como o Jota, o que significa que o Jota, assim como BuzzFeed News e Nexo, captou a essência do Twitter, uma plataforma que responde ao que está acontecendo agora.

 

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