Por Marcelo Laguna

A partir desta sexta-feira (23/7), com o início da Olimpíada de Tóquio, uma legião de fanáticos por esporte começará uma maratona pelas madrugadas tentando acompanhar tudo o que acontece lá no Japão. Mas para uma outra turma, as próximas duas semanas reservarão poucas horas de sono, raros períodos para fazer uma refeição decente e uma correria absurda em busca da melhor informação. Os jornalistas que cobrem os Jogos Olímpicos não terão vida fácil para trabalhar no maior evento esportivo do planeta.

Se normalmente a jornada olímpica do jornalista é insana, quando se vai cobrir uma edição dos Jogos do outro lado do mundo, as dificuldades são ainda maiores. Afinal, não basta apenas trabalhar no horário em que as coisas acontecem na cidade-sede da Olimpíada. No caso da imprensa brasileira, significa encarar uma jornada de pelo menos 18 horas diárias, em que muitas vezes a rotina em Tóquio se confunde com os horários da redação no Brasil. 

Já cobri quatro Jogos Olímpicos, mas não tive oportunidade de estar na edição de Pequim-2008, a última Olimpíada realizada na Ásia até esta edição no Japão. Mas fui para Sydney, em 2000, com um fuso horário ainda mais cruel, 13 horas à frente do Brasil. Aqueles seriam Jogos nos quais a tecnologia teria um peso considerável na cobertura. Foi a primeira Olimpíada em que a internet teria um papel relevante na cobertura. 

Como era uma situação totalmente inusitada, o próprio COI chegou a cogitar não permitir o credenciamento de jornalistas apenas de empresas de internet. O medo de pirataria das imagens das competições era a maior neurose entre os cartolas do COI, cuja mentalidade era muito mais fechada em relação ao relacionamento com a mídia, algo que mudou muito nos dias atuais.

Por acaso, na época eu trabalhava justamente em um veículo dessas chamadas “novas mídias”. No início de 2000, a convite do amigo Maurício Noriega, atual comentarista de esportes do Grupo Globo, deixei o Lance para integrar a equipe que iria colocar no ar um novo portal esportes chamado SportsJá!, que não existe mais. 

Teoricamente, não haveria tempo hábil para conseguirmos uma credencial. Mas graças ao esforço do Noriega, que comandava a redação do site, conseguimos duas credenciais, em uma parceria com a Rádio K, de Goiânia, que pertencia ao atual senador Jorge Kajuru. Os escolhidos para ir a Sydney fomos eu e Erick Castelhero, atualmente diretor de Redação da Gazeta Esportiva.

Apesar do fuso horário ser pior, havia em Sydney-2000 ao menos uma vantagem em relação aos colegas que estão agora no Japão: os Jogos foram realizados na primavera australiana, em setembro, com temperaturas bem agradáveis, em comparação com o calor sufocante que o verão de Tóquio tem mostrado nos últimos dias. De resto, foram os mesmos desafios que toda Olimpíada reserva: acordar bem cedo, fazer diversas pautas ao longo do dia e correr para transmitir o seu material. Como o SporstJá! tinha a parceria com a Rádio K, tínhamos que gravar sonoras com os atletas nas zonas mistas das arenas. Como nossa credencial era de rádio, tínhamos uma posição até privilegiada em relação aos colegas de jornal e de internet.

Foi essa tarefa que me causou o maior sufoco nessa Olimpíada. Estava programado para acompanhar a final do vôlei de praia feminino, no qual o Brasil tinha a melhor dupla do mundo na época: Adriana Behar e Shelda. As duas cumpriram uma campanha impecável e a final contra a dupla australiana Natalie Cook e Kerri Pottharst não deveria trazer maiores dificuldades.

O problema é que as brasileiras erraram demais naquele dia e foram derrotadas por 2 sets a 0. Abaladíssimas após cerimônia do pódio, onde não paravam de chorar, Behar e Shelda foram para a coletiva. Obviamente a conversa foi rápida porque as duas não tinham condições psicológicas de dar entrevista. Só que eu precisava de uma sonora decente delas. O assessor de imprensa do COB me disse que haveria a chance de conversar com elas em um espaço de relacionamento com patrocinadores que o comitê tinha no centro de Sydney. O problema: elas só estariam lá após às 22 horas. E ainda eram 14h!

Bom, deu tempo de cobrir um jogo de vôlei, mandar o material para a redação e me dirigir ao local onde Behar e Shelda estariam. Era do outro lado da cidade, bem distante do hotel onde estava hospedado. As duas se atrasaram meia hora até que chegaram. Entre um bicão e outro pedindo autógrafo, consegui um espaço e fiz as entrevistas de que precisava. Eram quase 23h, tinha que correr para pegar o metrô aberto. E sem jantar, fui escrever no hotel, todo o resto do material de gaveta feito durante o dia, além de editar as sonoras. Quando terminei de enviar a última matéria e fui ver o relógio, já eram 6 da manhã DO DIA SEGUINTE.

Foi assim, na prática, que aprendi uma regra básica do jornalista que trabalha em Jogos Olímpicos: o dia nunca tem somente 24 horas.


Marcelo Laguna

Marcelo Laguna cobriu quatro Olimpíadas, quatro mundiais de basquete, três Jogos Pan-Americanos. Atualmente, escreve o blog Laguna Olímpico no site Olimpíada Todo Dia e trabalha como assessor de comunicação na Agência Race.

O Portal dos Jornalistas traz neste espaço histórias de colegas da imprensa esportiva em preparação ao Prêmio Os +Admirados da Imprensa Esportiva, que será realizado em parceria com 2 Toques e Live Sports, no segundo semestre.

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