A Folha de S.Paulo defendeu a publicação do artigo de opinião de Antonio Risério, que foi ao ar no último domingo (16/1), na Ilustrada/Ilustríssima. O texto Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo, que identifica supostos excessos das lutas identitárias que levariam ao “racismo reverso”, foi alvo de uma carta aberta, assinada por quase 200 jornalistas da publicação, que questiona a abordagem da Folha sobre o racismo e o espaço dado para artigos que relativizam a questão no País.

O jornal defendeu-se das acusações de que daria espaço para textos racistas, destacando que publicou também outros artigos que refutam a tese apresentada por Risério. Ainda assim, a Folha defendeu a publicação do texto em questão, em prol da “liberdade de expressão”.

Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha, e Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, deram uma resposta à carta aberta. Eles reconhecem o documento como instrumento legítimo de manifestação, mas acreditam que o conteúdo da carta vai contra a pluralidade e defesa intransigente da liberdade de expressão, dois dos pilares do Projeto Folha.

Dávila declarou que o abaixo-assinado “erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo. Erra ao sugerir que a Folha publicou artigos que relativizam ou fazem apologia do racismo, o que não aconteceu, até porque racismo é crime. É parcial ao omitir iniciativas que têm sido a prioridade do jornal nos últimos três anos. Acusa sem fundamento ao creditar a publicação de opiniões divergentes, que são a base do jornalismo defendido pelo jornal, a uma pretensa busca por audiência – os textos mencionados tiveram cerca de 1% da audiência total dos dias em que foram publicados”.

E Gonçalves escreveu que não concorda com a avaliação feita na carta e que o texto de Risério se inscreve nos limites do debate público, “algo que, infelizmente, vem se estreitando nos últimos tempos”.

O colunista Hélio Schwartsman afirmou que não viu nada de “escandaloso” no artigo de Risério e declarou que comemora “o fato de a Folha continuar promovendo o debate de assuntos que estão se tornando tabu”. E Leandro Narloch, citado na carta, disse que “uma concepção não racista do mundo pressupõe que a cor da pele não determina a moralidade de um indivíduo. Por isso é bastante questionável afirmar que ‘obviamente não existe racismo reverso’, como dizem os autores”.

Em outubro do ano passado, Narloch publicou o artigo Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’, muito criticado por colegas, que acusaram o texto de relativizar a escravidão. Tal artigo foi citado no documento assinado pelos jornalistas da Folha como exemplo de espaço dado a textos que relativizam a questão do racismo.

Nessa quarta-feira (19/1), Suzana Singer, editora de Treinamentos e Especiais da Folha, destacou a criação do treinamento exclusivo para negros, o cargo de editor de diversidade, o aumento no número de colunistas negros e a importância da questão identitária na formação do novo Conselho Editorial. Vale lembrar que, após a publicação do artigo de Narloch, Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista antirracista, deixou o Conselho Editorial do jornal.

Por fim, a Folha declarou que vai organizar um seminário interno para discutir pluralismo e a questão racial. Antonio Risério não quis comentar ocaso, assim como Demétrio Magnoli, também citado na carta.

Leia a seguir as respostas de Sérgio Dávila e Marcos Augusto Gonçalves à carta aberta.

O abaixo-assinado é um instrumento legítimo de manifestação dos jornalistas sem cargo de confiança que ali colocaram seu nome. O recurso já foi usado em outros momentos da história da Folha. Também são saudáveis a crítica e a autocrítica, desde sempre estimuladas pelo jornal. O preocupante é o teor do texto, que vai contra um dos pontos basilares e inegociáveis do Projeto Folha: a pluralidade e a defesa intransigente da liberdade de expressão.

Além disso, o texto erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo.

Erra ao sugerir que a Folha publicou artigos que relativizam ou fazem apologia do racismo, o que não aconteceu, até porque racismo é crime.

É parcial ao omitir iniciativas que têm sido a prioridade do jornal nos últimos três anos, como a contratação de profissionais negros no elenco de colunistas, blogueiros e repórteres e a criação da editoria de Diversidade, a primeira do gênero na grande imprensa.

Acusa sem fundamento ao creditar a publicação de opiniões divergentes, que são a base do jornalismo defendido pelo jornal, a uma suposta busca por audiência –até porque os textos mencionados tiveram menos de 1% da audiência total do dia em que foram publicados e em muitos casos levaram a cancelamentos de assinatura.

A Folhaseguirá fazendo o jornalismo que a consagrou nos últimos 100 anos, com uma Redação que esteja disposta a implementar com profissionalismo os princípios defendidos por seu Projeto Editorial: um jornalismo crítico, apartidário, independente e pluralista.”

Sérgio Dávila, diretor de Redação


Como editor da Ilustríssima, considerei que o texto submetido a mim por Antonio Risério, por criticável que pudesse ser, se inscrevia nos limites do debate público, algo que infelizmente vem se estreitando nos últimos tempos, e não só no Brasil. O autor fala por si, tem uma história intelectual, acadêmica e política. Foi preso pela ditadura militar, estudou e publicou livros sobre as manifestações da cultura negra na Bahia e trabalhou com Gilberto Gil no Ministério da Cultura no governo do PT –partido com o qual passou a divergir posteriormente. Suas posições muito críticas sobre a ideologia identitária e seus dogmas o levaram a protagonista de polarizações com representantes desses movimentos.

Obviamente eu presumia que o texto provocaria reações, mas imaginava que viriam argumentos –o que seria uma contribuição para o debate. Infelizmente, não houve debate algum, mas um tsunami nas redes sociais para tentar silenciar e punir, como de hábito, o divergente. No caso, prevaleceu a acusação tida como verdade absoluta de que se tratou de uma manifestação ‘racista da Folha’. Respeito a posição do grupo expressivo de jornalistas que assinou a carta aberta, embora eu tenha sérias divergências conceituais sobre como e o que foi colocado.

Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima

Abaixo-assinado

A carta assinada por quase 200 jornalistas da própria Folha cobrava uma posição mais firme da direção do jornal contra a publicação recorrente de conteúdos racistas em suas páginas.

Além de negar a existência do “racismo reverso”, os jornalistas lembraram que o jornal não abre espaço em suas páginas, por exemplo, para conteúdos que relativizam o Holocausto e a Ditadura, ou de apoiadores do terraplanismo e movimentos antivacina.

“O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância”, diz a carta. “Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros. Reconhecemos o pluralismo que está na base dos princípios editoriais da Folha e a defesa que nela se faz da liberdade de expressão. No entanto estes não se dissociam de outros valores que o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana”.

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