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sexta-feira, abril 19, 2024

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Especial Dia do Jornalista: Enquanto a flor branca da paineira não vem

Com alma, talento e inspiração, eles fazem a diferença no jornalismo brasileiro A partir de hoje, e pelos próximos dias, o Portal dos Jornalistas apresenta histórias dos dez jornalistas mais premiados de todos os tempos pelo Ranking J&Cia 2012, na celebração deste 7 de abril, Dia do Jornalista. Poderiam ser cem, quinhentas, quem sabe mil, tamanha é a importância que o jornalismo e os jornalistas têm para a sociedade e para a democracia de nosso País e tantos são os talentos que despontam Brasil afora. Em textos de Paulo Vieira Lima e Pedro Venceslau, vamos descobrir um pouco das paixões, das inspirações e da trajetória desses homens e mulheres que enchem de orgulho essa nossa atividade profissional. O primeiro homenageado é José Hamilton Ribeiro, repórter especial do Globo Rural. José Hamilton Ribeiro Enquanto a flor branca da paineira não vem José Hamilton Ribeiro fez questão de marcar a entrevista pessoalmente e impôs como “condição” que ela acontecesse depois do almoço, em seu apartamento, que fica em um condomínio arborizado e repleto de pássaros no bairro da Aclimação, em São Paulo. De férias do programa Globo Rural, ele acabara de chegar de seu sítio na próspera Uberaba, em Minas Gerais, e recém tinha desistido de ir para a praia em Santa Catarina, por causa do tempo pouco confiável. Ficou em casa mesmo, caçando documentários de animais na tevê a cabo. Embalado pelo ócio e pelo clima vaticanista daqueles dias de Papa Francisco na telinha, decidiu também encarar o livro Jesus de Nazaré, do demissionário Joseph Ratzinger, que versa sobre a infância de Jesus: “É a última tentativa minha de acreditar em alguma coisa. Não acredito nem em milagre, nem nessa moleza de achar que rezando cinco minutos você resolve alguma coisa”. Viúvo desde que perdeu sua companheira Maria Cecília, em 2011 – eles foram casados por mais de quatro décadas –, Zé Hamilton tenta driblar a saudade dedicando cada vez mais tempo ao seu próprio mundo rural no município mineiro: “A morte dela me deu um desequilíbrio. Foi uma luta longa, de sete anos, contra o câncer. Esse período foi de muito sofrimento, mas de muita solidariedade também”. Pai de Teté Ribeiro, que é casada com Sérgio Dávila, da Folha de S.Paulo, e de Ana Lucia, ele confidencia que ainda espera a chegada de netos. Mas enquanto eles não chegam, Zé viaja com amigos para sua propriedade, que cada vez mais ganha ares de um bem-sucedido empreendimento do agronegócio. Ele investe em eucalipto e na engorda de suínos e frangos. Um gerente trata de tocar o dia a dia da produção e negociá-la: “Fazenda não é uma coisa só para ter renda. É mais do que tudo um lugar para ir. Você planta seu abacateiro, seu pé de flor…Minha curtição é chegar lá no sítio e ver as espécies que estão florindo”. Zé conta que está vivendo um suspense. Em meados dos anos 1990, ele estava na zona rural da Argentina fazendo uma reportagem para o Globo Rural sobre tropeiros quando se deparou com uma paineira que o deixou enfeitiçado: “A paineira dá flor rosa, mas aquela dava flor branca. Consegui três mudas e dei um jeito de cruzar a fronteira com elas, o que era proibido”. Chegando ao Brasil, correu para Uberaba e tratou de plantar a novidade entre outras paineiras recém-chegadas. Mas como não é organizado, esqueceu-se de marcar o local de cada uma. Desde então, fica esperando para ver em qual delas surgirá a flor branca. Trazer mudas na bagagem, aliás, é um ritual que Zé cultiva desde que começou no Globo Rural, onde está desde 1982: “Dizem que se todas as mudas que eu trouxe tivessem vingado eu teria uma floresta. Se eu não fosse jornalista, seria jardineiro. Adoro pegar uma muda e plantar. Quando vejo que está abatida ou abalada, pego e vou ver a causa”. A relação com o mundo rural vem de muito antes do matutino da Globo sobre o campo. As lembranças da fazenda onde cresceu com oito irmãos em Santa Rosa do Viterbo, no interior de São Paulo, ainda frequentam as lembranças do repórter de guerra. As terras da família foram sendo vendidas aos poucos, sempre que a situação financeira apertava e que um dos filhos chegava à idade de ir estudar fora: 11 anos. “Fazenda é um sonho difuso da espécie humana. Faz parte do inconsciente coletivo do ser humano”. A conversa é interrompida quando o almoço é servido – carne de panela, suflê de milho, arroz e muita salada. Acompanhado de uma indefectível garrafinha de cachaça mineira de primeiríssima safra, Zé Hamilton muda de assunto. Entramos então na pauta Globo Rural. Ele afirma que, ao contrário do que muita gente pensa, o programa não limita cabeça dos jornalistas que o produzem. Muito ao contrário: “A gente não fala só de diarreia de bezerro. É um programa sobre a natureza e a alma do ser humano que vive no campo. Tem lá angústia, dúvida, sofrimento, conflito, dança e música. Afinal, quem dirá que a extensão da alma do homem do campo é menor do que a do da cidade?”. Zé revela, porém, que às vezes tem que travar uma luta “quixotesca” para evitar que a atração torne-se técnica demais: “Não, não entendo muito de tevê, mas de vez em quando aparece um burocrata dizendo: ‘Isso não é Globo Rural’, É uma frase típica de burocrata. A parte técnica é importante, mas não pode ser todo o programa. De quais reportagens o povo lembra? Certamente não são as sobre técnica de produção, e sim sobre o ser humano”. Para sua sorte, o diretor da atração matutina, Humberto Pereira, comunga da mesma tese.  “Ele sempre aprova com entusiasmo quando sugiro matérias sobre músicos, por exemplo. Quando o Tinoco fez 91 anos, comecei a fazer um grande perfil dele. Eu já havia feito algumas entrevistas quando ele morreu”. Antes do cafezinho, a manchete do dia da Folha de S.Paulo, assinada por seu genro, Sérgio Dávila, que flagrara a explosão de uma bomba no Iraque, nos leva para um tema inevitável: o jornalismo de guerra, sua experiência no Vietnã e a vida com uma perna mecânica desde então. Estender essa trilha, entretanto, seria contar uma história já diversas vezes repetida, sendo uma das mais brilhantes delas na revista Trip, em 2003. Na ocasião, ele posou pela primeira vez, como bem definiu Eduardo Ribeiro em artigo no portal Comunique-se, de forma serena e reflexiva, sem a perna estilhaçada por uma mina do Vietnã: “Apaziguado consigo e com seu destino – tem ao lado, na foto da capa (assinada por Márcio Scavone), a prótese que o ajuda caminhar desde o fatídico episódio, que já vai longe, em 1968”. A pergunta que não quer calar: o que leva um jornalista a correr riscos na zona de guerra?. “Um pouco de vaidade, um pouco aventura, mas também a ambição profissional e a falta de juízo. O jornalista acha que vai mudar mundo com o seu trabalho. Parece romantismo, mas eu afirmo com convicção: a presença de um repórter impede que certos abusos sejam cometidos”. E por falar em vaidade, pergunto como se sente, famoso: “No começo eu estranhava muito, já que fui para a tevê depois de muito tempo de imprensa escrita. O jornalista de texto é conhecido, mas não é reconhecido. Se o Clóvis Rossi andar na Avenida Paulista é capaz de ninguém nem olhar para ele. Se for a Glória Maria o trânsito é capaz de ficar congestionado”. Zé tira da cartola dois episódios para ilustrar sua relação com a fama. No primeiro conta sobre uma faxineira da Globo que sempre o confundia com Rolando Boldrim, que então apresentava o Som Brasil, programa que vinha logo depois do Globo Rural. Ele ria sempre que ela perguntava: “O senhor vai cantar hoje?”. No outro, diverte-se ao recordar do dia em que um casal de velhinhos no aeroporto de Brasília o confundiu com Amaral Neto. Nesse ponto, o entrevistado dá uma pausa e diz, reflexivo. “A gente luta para ser reconhecido pelos colegas. Jornalista é vaidoso. No fundo, tem a ilusão de que fez alguma coisa”. Por fim, deixo o entrevistado em paz para seguir, em suas palavras, “morgando” até o fim das férias. Diante desse tempo nublado que não colabora, o plano consiste em se dividir entre o longo trajeto até Uberaba – com direito a paradas nas casas das irmãs, em Campinas e Ribeirão Preto – e insistir mais um pouco na leitura do livro do Papa, que ele guarda no criado-mudo ao lado das edições especiais da revista Time. Certos hábitos não mudam nunca…

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