Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia

Luciana Gurgel

Há pouco mais de uma semana, a COP26 terminou Glasgow em tom de desânimo, devido ao avanço limitado nos compromissos de descarbonização da economia e no financiamento para nações implantarem medidas de controle do aquecimento global.

Mas nem tudo é pessimismo. Ao prepararmos a edição especial do MediaTalks sobre a COP26, que circulará na semana que vem, temos observado sinais de aumento da consciência ambiental vindos de vários lados, o que é uma ótima notícia.

Um dos mais animadores para quem espera um futuro melhor é engajamento dos jovens na questão do clima, um movimento que para alguns começou com Greta Thunberg, mas está longe de limitar-se a ela.

Correspondentes que participam da edição especial atestaram isso. Da terra de Greta, a Suécia, Cláudia Wallin acha que ela é um ativo, um patrimônio do país. E já começa a ser cobrada a se engajar na política, para ir além do discurso.

Não é apenas Greta. Aqui e ali surgem lideranças jovens que inspiram outros jovens e formam uma cadeia que vai bater na porta de governos, setores empresariais e marcas, cobrando uma conduta diferente da que era aceitável no passado. Ou boicotá-los.

Greta Thunberg

Boicotes não costumam afetar severamente as vendas ou receitas das grandes empresas. Mas o que vem com eles é a má reputação, que pode fechar a porta para negócios, afastar parceiros, dificultar alianças.

Em entrevista ao MediaTalks para a edição especial sobre a conferência ambiental, Robert Haigh, diretor de Estratégia e Insights da consultoria de branding britânica Brand Finance, salientou que os princípios ESG tornaram-se uma questão crítica para investidores.

Ele acredita que marcas de alguns países podem ser excluídas de carteiras de ativos que levam em conta a conformidade com esses princípios. Não crê que isso vá acontecer como resultado direto da COP26, mas recomenda que empresas e governos estejam atentos a essa tendencia, que se acelera.

Os que vão decidir

Quando se olha para a garotada de rosto pintado na marcha dos 100 mil de Glasgow, nem todos podem estar enxergando ali pessoas que tomam decisões sobre investimentos ou costuram alianças.

Mas quem tem filhos ou acompanha o crescimento de filhos dos outros sabe o quanto eles crescem rápido. Em breve, alguns estarão em posição de comando, com influência que irá além de protestar nas ruas ou reclamar nas redes.

No futuro, alguns deles estarão no comando

O Partido Verde Alemão tornou-se o mais popular entre aqueles com menos de 30 anos nas eleições para o Parlamento Europeu de 2019 e nas eleições federais de 2021. Ganhou apoio suficiente para entrar no governo de coalizão, provando que as vozes dos jovens podem influenciar diretamente a direção da política.

Um artigo da revista canadense Corporate Knights, compartilhado pela coalizão global Covering Climate Now, destaca a história grupo Shift Action for Pension Wealth and Planet Health, que tem mobilizado beneficiários dos maiores fundos de pensão do país para exigir mais transparência sobre como estão administrando o risco climático.

Uma das campanhas do Shift envolve a organização de alunos e professores para pressionar o fundo de pensão dos docentes de Ontario a tomar decisões de investimento verdes com os recursos administrados para as aposentadoria dos beneficiários.

A iniciativa alinhou interesses de alunos e professores: os jovens querem um futuro climático seguro, enquanto os professores desejam proteger suas economias dos riscos ambientais.

Um pouco de desconforto

Mas nem tudo vai ser doce e meigo assim. Há correntes mais radicais, e não estamos falando somente de grupos como o Extinction Rebellion, que fecha estradas e pontes e cola as mãos no asfalto exigindo medidas concretas para reverter o aquecimento global.

As jornalistas Mary Annaïse Heglar e Amy Westervelt, do americano The Nation, fizeram em um artigo uma reflexão sobre a cordialidade na luta por mudanças. Acham que os ativistas do clima passaram décadas pedindo educadamente aos líderes mundiais para agirem, e mantiveram diálogo em fóruns respeitáveis.

Porém, para elas nada disso adiantou, o que leva a questionarem: “Existe algum movimento de justiça social na história que teve sucesso seguindo a etiqueta?”.

Heglar e Wstervelt defenderam a ideia de que compromisso e civilidade são o conforto dos ricos e poderosos. “Se quisermos que as elites ajam, teremos que tornar sua complacência desconfortável e isso vai exigir alguma falta de civilidade”, alertam.

Não é pensamento de jovens inconsequentes. Em conversa com o MediaTalks semanas antes da COP26, o diretor do Brazil Institute do King´s College, Vinícius de Carvalho, lembrou que foi graças ao radicalismo que mulheres ganharam o direito ao voto.

E pode ser assim que a temperatura do planeta acabe sendo controlada.


Inscreva-se em [email protected] para receber as newsletters MediaTalks trazendo notícias, pesquisas e tendências globais em jornalismo e mídias sociais.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments