Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Muitos dos que saíram do escritório ou da redação há um ano e oito meses carregando poucos pertences, convictos de que passariam poucas semanas em casa até a pandemia arrefecer, vivem agora um retorno nem sempre fácil, alegre ou satisfatório.

Retorno é maneira de dizer. Na maioria das vezes não há uma volta ao que foi deixado para trás. Escritórios encolheram ou sumiram, rotinas mudaram. Nem todos os colegas retornaram, ou não se cruzam no mesmo dia nos corredores.

As dificuldades para a retomada do trabalho presencial, híbrido ou para a adoção permanente do sistema remoto existem em todas as atividades. Mas no jornalismo, em que o ambiente da redação faz parte da engrenagem, o drama pode ser maior.

O Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo na Universidade de Oxford fez um estudo para mapear a situação. E constatou que ainda falta muito para tudo se acomodar.

O relatório baseou-se em pesquisa com 132 líderes de redações de 42 países (incluindo o Brasil, que responde por 2% da amostra), e em uma série de entrevistas em profundidade realizadas em setembro passado.

A combinação entre trabalho remoto e presencial é a opção preferida de 89% dos líderes ouvidos. Mas não necessariamente das empresas onde trabalham: 75% acham que suas organizações estão comprometidas com esse modelo.

Transformar a teoria em prática não parece fácil. Mesmo convencidos de que o trabalho híbrido funciona, mais de 57% dos entrevistados ainda não sabem exatamente a melhor maneira de implantá-lo. E somente 34% afirmaram que a implantação já está em curso em suas empresas.

Para os saudosistas, a notícia não é boa. Apenas 9% acham que suas organizações querem retornar a um modelo de trabalho semelhante ao de antes da pandemia.

E são principalmente emissoras de rádio e TV, que não podem mandar para a casa dos jornalista uma equipe técnica ou os equipamentos sofisticados necessários às transmissões.

Voltar ou não voltar, eis a questão

Fim do burburinho da redação

No mundo do trabalho, muitos preferem o trabalho remoto, com o tempo consumido em deslocamentos mais bem aproveitado para lazer ou convívio familiar. Mas no jornalismo, a perda do ambiente da redação tem mais impacto do que em algumas outras atividades.

Reuniões de pauta passaram a ser feitas por meio de teleconferência. Mas elas não substituem a conversa no café ou no corredor, a opinião pedida ao colega da mesa ao lado sobre uma palavra ou um ângulo. São momentos que ficaram no passado para muitos.

O estudo do Reuters indica que líderes das redações estão preocupados também com o “viés de proximidade”, em que as vozes dos que trabalham remotamente são ignoradas, enquanto aqueles fisicamente no escritório e próximos aos tomadores de decisão acabam sendo beneficiados.

Outra dificuldade é contratar e manter a equipe. Quase a metade dos entrevistados (47%) disse que a pandemia dificultou o recrutamento e a retenção de profissionais. Menos de um quinto (17%) discordam.

Uma das razões é a disputa com outras atividades. Os editores lutam agora para atrair e reter profissionais experientes em tecnologia e dados, que também são muito procurados por outros setores, segundo o Instituto.

Pesa para todo mundo, mas o peso maior é para os líderes. O estudo aponta que eles sentem que estão arcando com o fardo das grandes mudanças no trabalho operacional e com o fardo extra de se comunicarem e motivarem uma equipe que raramente veem pessoalmente.

O Instituto Reuters faz a ressalva de que a maioria dos entrevistados da pesquisa trabalha em organizações de médio e pequeno porte do Hemisfério Norte. Por isso, os resultados não capturam a situação de pequenas organizações ou das que operam em países pobres ou autoritários.

Mas é um retrato que ajuda a identificar padrões gerais, que em muitos casos não diferem daqueles apontados em pesquisas com gente de outras profissões.

O fato é que, assim como acontece com outros mundos, o mundo do jornalismo não vai ser igual ao que era antes de março de 2020. Pelo menos nas empresas em que trabalham 91% dos entrevistados para a pesquisa.


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