Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

O mundo corporativo está cheio de poderosas CEOs liderando grandes organizações. Mas o jornalismo não repete o modelo. A falta de diversidade de gênero na mídia persiste nos altos escalões, a despeito de tantas iniciativas para mudar o quadro.

Por isso, a chegada de Sally Buzbee ao comando do Washington Post, há uma semana, é um fato a ser comemorado. Primeira mulher a dirigir a redação de um dos mais influentes jornais do mundo em 144 anos, ela se tornou notícia não apenas pelo currículo (ocupava cargo semelhante na Associated Press), mas por representar uma virada que muitas organizações globais têm procurado fazer.

Sally Buzbee

Algumas já fizeram. O Financial Times entronizou Roula Khalaf como editora-chefe em 2020, depois de quatro anos como subeditora. Foi a primeira mulher no cargo em 131 anos. A Reuters alçou em abril passado Alessandra Galloni ao comando. A italiana é a primeira mulher em 170 anos a liderar as operações globais da agência de notícias.

São avanços, mas ainda quase exceções em um universo dominado por homens, apesar de as mulheres serem maioria nas redações em vários países.

Um estudo do Instituto Reuters revelou em 2020 que apenas 23% dos chefes de veículos online e off-line em dez mercados, incluindo o Brasil, eram mulheres.

Uma desproporção, considerando que o mesmo estudo mostrou que 40% do conjunto de profissionais de imprensa eram mulheres na época. No Brasil a taxa é superior a 50%.

Com os exemplos de Buzbee, Khalaf e Galloni os números já mudaram. Mas ainda assim há muito a fazer para que o jornalismo seja mais inclusivo para as mulheres, tanto nas redações quanto na cobertura.

A nova edição do Global Media Monitoring Project, lançada na semana passada, mostrou que a baixa representação de mulheres na mídia levará ao menos 67 anos para ser sanada.

A partir do exame de mais de 30 mil reportagens, o estudo mostra que a proporção de mulheres como fontes e personagens aumentou significativamente em cinco anos. Mas ainda está em 25%. E diminuiu na pandemia.

A situação piora com a idade. Apenas 3% das mulheres retratadas em matérias têm mais de 65 anos. Entre os homens, a taxa é de 15%.

Mas o problema não é apenas diversidade de gênero. Ao assumir o cargo no Post, na semana passada, Sally Buzbee dirigiu-se aos leitores para apresentar suas prioridades.

Uma das questões destacadas foi o compromisso de garantir que as várias vozes na redação sejam ouvidas, e que o jornal conte histórias que reflitam as experiências de seus leitores diversos.

A mensagem é clara. Mais do que nomear mulheres para liderar redações, o jornalismo tem uma montanha muito maior a escalar para espelhar o conjunto da sociedade.

Livro examina diversidade na América Latina

Um e-book (gratuito) lançado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, dirigido pelo brasileiro Rosental Calmon Alves, demonstra isso.

Diversidade no Jornalismo Latino-Americano reúne ensaios de 16 profissionais de imprensa da região, apresentando reflexões e experiências bem-sucedidas de inclusão.

O livro é dividido em quatro seções abordando a diversidade em gênero, orientação sexual, questões raciais e étnicas e deficiência.

Paula Cesarino Costa, primeira editora de diversidade da Folha de S.Paulo, escreveu sobre inclusão racial: “Em mais de 30 anos de trabalho em redação, me sobram dedos nas mãos para contar o número de jornalistas negros com quem convivi”.

Embora os debates sobre diversidade na mídia se concentrem mais em raça e gênero, há outras áreas que merecem atenção em projetos de inclusão. Uma delas é o tratamento da mídia a pessoas com deficiência.

A chilena Andrea Medina, autora do ensaio no livro sobre o tema, acha que elas devem ser representadas como agentes ativos, protagonistas de suas próprias notícias, pois muitas vezes são as outras pessoas que falam por elas, com uma abordagem assistencialista.

A subida é longa, mas o livro é um ótimo mapa para alcançar o cume da montanha da inclusão.


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