Por Luciana Gurgel 

Luciana Gurgel

O Dia Internacional da Mulher está sendo comemorado com eventos, campanhas, discursos sobre desigualdade de gênero, que resiste firme porque mudar mentalidades e quebrar estruturas de poder é mais difícil do que parece.

Uma fala de António Guterres, secretário-geral da ONU, quantificou a extensão do problema. Ele disse que a igualdade de gênero está a 300 anos de distância.

Pode ser mais, pode ser menos. Mas a frase repercutiu no mundo, alertando sobre as barreiras que bloqueiam ou atrasam avanços.

Há muitas áreas em que a igualdade de gênero parece um sonho distante. A mídia e a tecnologia estão entre elas. Mulheres seguem fora dos cargos de liderança de empresas jornalísticas em vários países, incluindo o Brasil, apesar de serem maioria nas redações. São sub-representadas na mídia, e sofrem mais ataques online.

Nas entrevistas e análises de correspondentes brasileiras para a edição especial sobre representação de mulheres na mídia que está sendo preparada pelo MediaTalks, vemos que os problemas se repetem em todos os países, apesar das diferenças sociais, econômicas e culturais.

Segundo a ONU, as mulheres são mais sujeitas à exclusão digital e têm menos oportunidades no mundo da tecnologia. O tema escolhido pela organização para celebrar a data este ano foi DigitALL: Inovação e tecnologia para a igualdade de gênero.

 

Os números justificam a escolha, com uma lista interminável de desigualdades destacadas na campanha. Nem a inteligência artificial  escapou: apenas 22% de mulheres no mundo trabalham na área. Pode ser coincidência, mas 44% dos sistemas de IA analisados em uma pesquisa citada pela ONU demonstraram preconceito de gênero.

Em tecnologia, as mulheres ocupam menos cargos e enfrentam diferença salarial de 21%, diz a ONU. E quase metade delas já enfrentou assédio no ambiente profissional.

Entrando no mundo das pessoas comuns, Sima Bahous, subsecretária-geral da ONU e diretora executiva da ONU Mulheres, apresentou um quadro sombrio da exclusão digital, apontada como um novo  e devastador tipo de pobreza. “As mulheres têm 18% menos probabilidade do que os homens de possuir um smartphone e muito menos probabilidade de acessar ou usar a internet. Em 2022, 259 milhões de homens a mais do que mulheres estavam online”, disse Bahous.

A chamada “pobreza digital” afeta desproporcionalmente meninas e mulheres de baixa escolaridade ou renda, que vivem em áreas rurais ou remotas, migrantes, com deficiência e mais velhas.

”A exclusão limita o acesso a informações que salvam vidas, a serviços financeiros e a serviços públicos. Isso influencia a capacidade de uma mulher concluir seus estudos, ter conta bancária, tomar decisões informadas sobre seu corpo, alimentar a família ou conseguir emprego”, disse a diretora da ONU Mulher.

A organização também abordou os riscos online para mulheres. Uma pesquisa mostrou que 80% das crianças em 25 países relataram sentir-se em perigo de abuso e exploração sexual ao usar a internet.

Outra, com mulheres jornalistas em 125 países, constatou que três quartos sofreram violência online durante seu trabalho e um terço praticou autocensura.

Há ainda a opressão digital, com grupo radicais e governos usando as mídias sociais para atingir mulheres que defendem direitos humanos. Um exemplo foi a repressão do Talibã às que se manifestaram pelo YouTube e tiveram as portas de suas casas marcadas pelo grupo extremista.

Sima Bahous (Crédito: Manuel Elías/UN Photo)

Na apresentação, Sima Bahous salientou a contribuição positiva das redes sociais, apontadas como “conectores” cruciais para  o  movimento de igualdade de gênero. E disse que “cabe a nós usar a oportunidade para construir um mundo melhor, sem deixar nenhuma mulher ou menina para trás na revolução digital”, uma responsabilidade de governos, plataformas, sociedade civil e setor privado.

É uma boa reflexão para lembrar que a busca por igualdade de gênero não se resume a aumentar a presença de mulheres como fontes na mídia e nas chefias das empresas.

A “pobreza digital” deve estar no radar de quem tem instrumentos − espaço na imprensa, verba para investir em projetos sociais, poder de decisão em empresas de tecnologia − capazes de ajudar a abreviar a projeção de 300 anos para acabar com a desigualdade.


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