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O carro elétrico e a piteira: o risco de perseverar num erro claro

Por Leão Serva (*)

O debate sobre os carros elétricos hoje traz duas perspectivas diferentes, que desenham dois cenários. O pior deles é aquele em que a nova tecnologia para a tração dos veículos – a substituição dos motores a combustível fóssil por motores elétricos – se resuma tão somente a isso: a troca de um tipo de motor poluente por outro que não emite os gases que o motor a combustão joga no ar.

Isso me parece algo semelhante ao que se tentou com o uso de piteiras para os fumantes ou, mais tarde a invenção do cigarro elétrico. O que se obtém não é a solução de um problema, mas apenas uma mudança na forma de cometer o mesmo erro, talvez com menos gás tóxico.

O conceito embutido na ideia de um transporte individual, baseado na propriedade de uma máquina de cerca de uma tonelada, que, estacionada, ocupa uma área de pouco mais de 12 metros quadrados, seja de garagem, seja de via pública (maior do que muitos quartos em residências brasileiras), e que, em movimento, anda cada vez mais devagar, por conta dos congestionamentos que causa, já se mostra cada vez mais inadequado para uma vida urbana razoável. Trocar o motor não o fará melhor nesse aspecto.

Hoje, é preciso encarar a necessidade da mudança desse paradigma centenário, de que é preciso ter a posse permanente de uma máquina cara e pesada, que fica parada e sem uso em mais de 20 das 24 horas do dia. A questão que se coloca, portanto, não é a de qual motor é mais adequado para essa máquina de andar, mas sim que solução é mais inteligente para transportar pessoas individualmente (isso continuará a ser a preferência de grande parte da população), sem que se atulhem as cidades de máquinas cada vez mais paradas.

A resposta pode estar em ver o automóvel não mais como produto, mas como serviço. O carro compartilhado parece ser cada vez mais um caminho para a diminuição das enormes frotas que temos nas grandes cidades hoje. Soluções como o Uber também se mostram como alternativa eficiente.

Há uma mudança cultural em curso. Sustentabilidade e vida saudável não vêm somente da diminuição da emissão de poluentes. Um dos maiores causadores de infartos do miocárdio nas metrópoles do planeta é o estresse provocado pelo trânsito. Em São Paulo, apenas uma fração da frota transita pelas ruas, e já vemos os quilômetros de congestionamento a que assistimos todo dia. Quando esse índice aumenta, incentivado por combustível barato ou em dias de chuva ou quando o transporte público para, a cidade para.

É hora de rever esse conceito do carro individual, da mesma forma que estamos sendo capazes de superar o tabagismo. No caso do carro, não precisamos passar por uma etapa de cigarro elétrico para só então entender que o caminho é a mudança de hábito, e não de técnica.

(*) Leão Serva é diretor de Jornalismo da TV Cultura e coautor do livro Como viver em São Paulo sem carro

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