Por Luciana Gurgel, especial para o Jornalistas&Cia

A crise mais recente da BBC pode não ser a maior de seus 100 anos. Mas, pelo momento político e econômico, tem o potencial de impulsionar transformações em seu modelo de negócio que muitos veem como ameaça à sua existência ou ao padrão de qualidade.

Isso ficou evidente na terça-feira (18/7), quando o diretor-geral da rede, Tim Davie, foi sabatinado pelo Comitê de Comunicação e Tecnologia Digital da Câmara dos Lordes. A sessão havia sido convocada antes do escândalo do apresentador Huw Edwards e tinha o objetivo de debater a sustentabilidade financeira da rede com base em seu relatório anual. Mas o caso do âncora tomou conta da conversa. Os questionamentos sobre os passos da emissora ao saber que uma de suas estrelas teria pago a uma pessoa menor de idade viciada em drogas para receber fotos pornográficas estão afetando a imagem do jornalismo e da corporação em todas as esferas.

Informada sobre o caso em maio, a BBC foi criticada por manter no ar um profissional que pode não ter cometido crime, como entendeu a polícia, mas não teve um comportamento modelo esperado de figuras influentes − e pagas com dinheiro público.

Não parece ter havido um conluio para abafar o caso, pois, segundo a BBC, a denúncia levada pela família ao serviço de atendimento ao consumidor não chegou à direção. A cúpula só teria sido informada quando The Sun pediu uma posição sobre o caso, dois dias antes de a bomba explodir.

Mesmo sendo falha de processo e não acobertamento, a história de Edwards foi um exemplo de mau gerenciamento de crises, a julgar pelos fatos conhecidos. A BBC (e o apresentador) poderiam vir a público antes de a reportagem ter sido publicada para se defender com um fato inquestionável: a polícia foi acionada pela família da suposta vítima em abril, e por falta de evidências de crime não houve inquérito.

Não foi o que aconteceu. Os dias em que o nome do apresentador não foi divulgado se transformaram em pesadelo para outras estrelas, que viraram suspeitas, e para a rede, que apanhou sem parar.

Diante da comissão parlamentar, Davie admitiu que o episódio deixou lições e motivou uma revisão nos processos para lidar com denúncias dessa natureza. A BBC contratou a Deloitte para fazer a revisão, o que pode atenuar as críticas sobre a forma como o caso se desenrolou.

Huw Edwards

Já o debate sobre financiamento é diferente. É uma questão política, insuflada desde a ascensão de Boris Johnson ao poder. Sua administração acusou a BBC de parcialidade e colocou lenha na fogueira de uma modernização do modelo de custeio sem dependência da taxa obrigatória paga pelos contribuintes, o que é visto por muitos como vendetta.

Nesse contexto, a crise do âncora ajuda a tornar esse movimento mais ameaçador, pois o fato de a BBC ser financiada pelo contribuinte tem sido usado como argumento para questionar o uso de dinheiro público em uma corporação que não tem se comportado tão bem aos olhos de seus críticos.

A situação financeira não é confortável. O relatório anual informa que mais de 500 mil residências cancelaram o pagamento da taxa para assistir aos canais da rede.

No ano passado, o valor foi congelado por dois anos. Desde então houve uma crise no custo de vida no país. Menos gente interessada na BBC diante das novas ofertas e mais gente cortando despesas.

A renovação da licença da BBC, que pode resultar em uma mudança no modelo de custeio, está marcada para 2027. O que se discute agora é se esse modelo continua viável em um mundo diferente daquele em que a taxa foi criada.

A diretora de políticas da corporação, Clare Summer, disse à Comissão que estão sendo exploradas alternativas como revisão no valor da taxa e subsídio para pessoas com menos recursos. Já os críticos do atual sistema defendem que a BBC dispute o mercado com outras redes e serviços de streaming, eliminando a taxa de vez.

Isso pode significar mais cortes de equipes e de serviços nacionais e internacionais, além dos que a rede já vem fazendo.

Dificilmente a BBC vai acabar. Mas dificilmente continuará igual ao que era, com risco de queda na quantidade e na qualidade de seu jornalismo e de sua programação cultural. A crise de Huw Edwards veio em péssima hora.


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