O Manhattan Connection voltou ao ar em 31/3, no canal My News. Um dos temas foi a guerra da Ucrânia. O programa havia deixado de ser exibido em setembro do ano passado, quando o contrato com a TV Cultura foi encerrado por falta de financiamento.

Aos 78 anos, Lucas Mendes, um dos apresentadores, fez o Manhattan Connection diretamente de Lviv, na Ucrânia. Ele chegou ao país em 25/3 e permaneceu lá por uma semana. O programa exibiu reportagens feitas por ele durante sua estadia em solo ucraniano.

O Portal dos Jornalistas conversou com Mendes sobre a sensação de cobrir uma guerra aos 78 anos. Confira a seguir:

Portal dos Jornalistas: Por que você se dispôs a ir até a Ucrânia?

Lucas Mendes: Por causa do Zelensky. Aos 78 anos, nunca vi um cara fazer o que ele fez, mobilizar o país como mobilizou, um cara que estava lá embaixo nas pesquisas, foi eleito sem ter plano de governo, sem fazer um comício, um debate, e em quatro anos saiu de comediante para presidente da Ucrânia, sempre defendendo a bandeira de acabar com a corrupção. Fiquei interessado. Como se faz isso? Que coragem é essa? Então, como o Manhattan Connection ia voltar dia 31, sugeri esse tema da Ucrânia e a direção, apesar de achar maluquice, topou na hora, tem espírito aventureiro.

Portal: Como foi sua experiência na Ucrânia? Alguma diferença de coberturas anteriores?

Lucas: Em outras experiências que eu tive, em Nicarágua, El Salvador, países da América Central, a situação foi mais arriscada. O motorista chegava e já sabíamos o que apuraríamos, ele já sabia o local do tiroteio, do conflito, onde estavam os feridos, mortos.

Mas, nesse caso da Ucrânia, fiquei em Lviv, cidade que só havia sido bombardeada uma vez, no dia em que nós chegamos, três horas antes. Fomos para lá pois está cheia de jornalistas, e porque tem uma infraestrutura boa. Fizemos o programa de quatro cidades diferentes, isso é muito difícil. Dois em Nova York, um em Belo Horizonte, um em Veneza e eu na Ucrânia, é uma operação tecnicamente muito complicada. Achei que ia dar errado, e teve alguns problemas, mas foi muito bom, valeu a pena.

Portal: E como era sua rotina lá? Algum bastidor interessante para contar?

Lucas: A rotina era simples: não tínhamos um roteiro estabelecido. Saímos às 10 horas da manhã, e procurávamos o que estava acontecendo na cidade. Aí fazíamos alguma pauta para compensar justamente o que não estava rolando. Não sabíamos sobre o que falaríamos, e quando chegávamos perto de locais destruídos, atingidos, a polícia não deixava se aproximar.

Lviv é cidade rica, sofisticada, com centro muito movimentado com lojas e restaurantes, e você não vê sinal de guerra. Eu só entrei em um abrigo para fazer uma reportagem, contar a história de uma avó e duas netas, e três camaradas. Quando estávamos na cidade e veio a sirene, fomos a um mercadinho, mas ninguém saiu de lá, ninguém foi embora, nada mudou. Eu acho que é um contexto diferente, eles têm um senso de perigo mais apurado, eles sabem quando é o momento de correr e quando dá para continuar à vontade.

Uma história legal: no trem, nosso vagão estava cheio, tinha uns 20 camaradas vestidos à paisana, nas cabines deles. De repente, pouco antes da fronteira, estavam todos vestidos de soldado, roupas camufladas, mas não oficiais. Descobrimos que eram todos voluntários para lutar ao lado dos ucranianos, inclusive, entre eles, dois brasileiros, um de Goiás e um de São Paulo. Não quiseram dar entrevista e não se deixaram fotografar. Aí houve uma inspeção detalhada no vagão inteiro, e levaram um português suspeito de ser agente infiltrado.

Portal: No Manhattan Connection você brincou que algumas pessoas perguntaram se você “não está muito velho para esse tipo e coisa”. Fale um pouco sobre isso. Você acha que, aos 78 anos, a idade é um obstáculo?

Lucas: Sinceramente, esperava encontrar lá alguém da minha geração, pois na época em que estive em Nicarágua, El Salvador, fiz muitas amizades, às vezes ficava semanas com as mesmas pessoas. Mas não encontrei, acho que, pelo que vi, eu era o mais velho lá. E como não passei por nenhum momento de correria, de fugir de tiroteio, bombas, não me senti velho na hora. Mas, de fato, uma pessoa mais jovem é muito mais apropriada para cobrir guerras do que um cara de 78 anos. Mas eu quis ir pelo meu fascínio e pela história do Zelensky e como está conseguindo resistir ao Putin.

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