Redator do caderno de Cultura do Correio Braziliense, o paraibano Cosme Teixeira considerava-se um erudito. Viera de sua João Pessoa natal, rumo a Brasília, numa daquelas periódicas ondas partidas de estados onde os jornais e emissoras locais entravam em crise. No caso da Paraíba, fora mais um dos espasmos ocorridos nos Diários Associados, que lá mantinham O Norte, na capital, e Diário da Borborema, em Campina Grande. Fora em O Norte que Carlos Teixeira começara a se dedicar à área cultural, onde se considerava um peixe dentro d’água, apesar das passagens por várias outras editorias, sempre como copidesque.

Trabalhador, esforçado, dono de um texto correto, sempre contara com a confiança do comando das redações em que circulou. Sabia-se que ele dominava o fechamento do impresso, ainda que preferisse produzir textos sobre literatura, música, teatro ou cinema. Assim, primeiro no Jornal de Brasília e depois no Correio Braziliense por longos anos, Teixeira serviu como uma espécie de coringa no fechamento noturno.

Só havia um problema: Teixeira era normalmente um bom papo, ameno e comunicativo; no entanto, tinha pavio curto, aliás, curtíssimo. Quando se sentia fustigado de alguma forma, perdia o controle. Como definia um colega do caderno de Cultura, também chegado a palavras difíceis, Teixeira era colérico, ou melhor, irascível.

Os colegas precisaram, certa vez, arranjar-lhe um advogado às pressas. Enfurecido com o alarme disparado por um carro, já alta madrugada, desceu de seu apartamento com um revólver e fuzilou o pobre do veículo. Meteu-lhe uma sequência de balas e ainda ameaçou um vizinho a quem responsabilizou pela encrenca.

Outro episódio teve ainda mais potencial de encrenca. À falta de coisa melhor para fazer, engatou um flerte com uma redatora – e ainda por cima casada. Conseguiu que lhe emprestasse o carro para ir a uma festa, mas o veículo apagou no meio do caminho. Estava sem combustível. Teixeira não teve dúvidas. Pegou o celular, ligou para a colega e, enfurecido, acusou-a de entregar-lhe o carro sem gasolina por puro ciúme. Ofendidíssimo, trancou as portas e deixou o veículo no meio da pista. Evidentemente, foi abalroado pouco depois. Ignora-se até hoje como a moça explicou o caso ao maridão.

Como todos sabem, jornalistas de cabeça esquentada são alvo frequente dos trotes comuns a todas as redações. No caso de Teixeira, porém, a imprevisibilidade de suas fúrias deixava-o impune. Até que, numa tarde, um colega não resistiu. Fazia-se uma faxina nos armários do Correio Braziliense e o malvado temerário – pois só um temerário ousaria despertar a fúria de Teixeira – encontrou na pilha de lixo um exemplar de livro do poeta Cassiano Nunes, professor da Universidade de Brasília e assíduo frequentador de rodas culturais, assim como de redações de jornais.

Pegou o livro poeirento, adormecido nos armários fazia uns três anos e sapecou uma dedicatória: “Ao brilhante confrade Carlos Teixeira, para sua preciosa avaliação e não menos preciosos comentários, que aguardo impaciente, Cassiano Nunes”. Entregou o livro a um dos contínuos – nessa época remota as redações ainda tinham contínuos – e disse que entregasse a encomenda ao colega.

Teixeira recebeu o exemplar, viu a dedicatória e constatou que estava datada de três anos antes. Seu rosto avermelhou, ele agarrou o contínuo pelo braço e começou a sacudi-lo pela redação, afirmando que ele privara uma importante fonte da atenção que merecia por parte do jornal. Quanto mais o rapaz explicava que nada tinha a ver com aquilo, mais Teixeira se enfurecia.

Claro, formou-se uma roda. Os colegas perceberam de imediato a gozação. Mas quem teria coragem de explicar a Carlos Teixeira que ele era alvo de um trote e não da expectativa ansiosa do confrade? Sugeriram então que telefonasse a Cassiano e explicasse tudo. Certamente o poeta o acalmaria.

Era subestimar Teixeira e o professor. A vítima enfurecida imediatamente pegou o telefone e localizou Cassiano. Não prestou. O poeta respondeu-lhe que realmente enviara o livro a Teixeira, tanto lhe prezava os conhecimentos literários, e informou que estava indócil pela falta de resposta, mas que agora certamente o Correio publicaria toda uma página sobre o livro. Foi apagar o incêndio com gasolina. Teixeira desligou o telefone, agarrou de novo o infeliz contínuo e arrastou-o à sala do editor executivo, exigindo que demitisse o faltoso.

Histórias de trotes em redação acabam, em geral, com o chefe explicando o caso e com riso geral, senão de toda a equipe, ao menos dos malvados envolvidos. Não no caso de Teixeira. Nem o editor executivo, que imediatamente compreendeu toda a gozação, arriscou-se a enfrentá-lo. Deu dois dias de folga ao contínuo e pediu a Teixeira que fizesse uma página inteira de análise do livro de Cassiano. Evidentemente o texto nunca foi publicado, mas Cosme Teixeira passou alguns dias sossegado.


Eduardo Brito da Cunha

A história desta semana é novamente uma colaboração de Eduardo Brito da Cunha, ex-Estadão, Jornal do Brasil, Correio Braziliense e Jornal de Brasília. Ele afirma que os fatos são reais, mas que, para evitar embaraços, os personagens secundários não são identificáveis e que o nome do personagem principal, embora já falecido, é fictício − “pois, como verão, com ele não se brinca”.

Nosso estoque do Memórias da Redação está muito baixo. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments