Por Álvaro Bufarah (*)

Pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia (Penn State) desenvolveram uma tecnologia revolucionária capaz de transmitir som de forma direcionada, criando “enclaves audíveis” − zonas acústicas onde o áudio só pode ser ouvido por quem estiver no ponto exato de recepção. O conteúdo, inaudível fora desses bolsões, representa uma inovação promissora para privacidade sonora e personalização de conteúdo em espaços públicos. O estudo foi publicado originalmente no site The Conversation Brasil e republicado pela BBC em abril de 2025.

Utilizando feixes de ultrassom autoflexionados e o conceito de acústica não linear, a técnica cria um som audível apenas na interseção entre dois feixes de ultrassom com frequências ligeiramente diferentes. Esse ponto gera uma onda sonora audível (por exemplo, 500 Hz), que só se forma no espaço designado. Fora dali tudo permanece em silêncio. Isso permite, por exemplo, ouvir um podcast no metrô ou uma chamada telefônica na rua sem fones de ouvido − e sem que ninguém mais escute.

O professor Yun Jing, responsável pelo estudo, afirma que “a pessoa posicionada no enclave escuta claramente, enquanto quem está ao lado não ouve nada”. Já o pós-doutorando Jiaxin “Jay” Zhong, que liderou a execução dos testes, resume: “É como um fone de ouvido virtual, mas sem nada na sua cabeça”.

A tecnologia destaca-se por utilizar metassuperfícies acústicas, materiais especiais capazes de curvar as ondas sonoras no ar, assim como lentes ópticas fazem com a luz. Com isso, o som pode desviar de obstáculos, alcançar o ponto desejado e gerar o efeito apenas onde for necessário − criando experiências sonoras localizadas e não invasivas.

O sistema já foi testado com sucesso em distâncias de até um metro, com volume de 60 decibéis (nível de uma conversa comum), e os cientistas acreditam que poderá ser ampliado com ganhos em potência e alcance. A precisão da transmissão foi comprovada em experimentos com manequins simulando a audição humana.

(Crédito: Pawel Czerwinski na Unsplash)

As aplicações práticas dessa tecnologia têm potencial direto para o cotidiano urbano. Em bibliotecas, museus, shoppings ou salas de espera, por exemplo, diferentes pessoas poderão ouvir conteúdos distintos sem uso de fones de ouvido − e sem ruídos cruzados no ambiente. Em veículos, passageiros poderão ouvir músicas diferentes sem interferir no conteúdo do GPS do motorista. Já em espaços de trabalho, conversas sigilosas poderão ocorrer sem necessidade de salas fechadas ou equipamentos adicionais.

A longo prazo, espera-se que essa inovação mude radicalmente a forma como consumimos mídia e interagimos com sons no dia a dia. No lugar de fones, o conteúdo virá diretamente ao seu espaço pessoal. A publicidade poderá se tornar segmentada por localização sonora; plataformas de áudio sob demanda ganharão uma nova dimensão de imersão. E, em ambientes como escolas ou hospitais, o controle do som poderá tornar-se ferramenta pedagógica ou terapêutica.

Além disso, essa mesma tecnologia poderá ser usada para criar zonas de silêncio controlado, reduzindo a poluição sonora em áreas urbanas e melhorando a concentração em escritórios abertos ou até mesmo em espaços domésticos compartilhados.

Apesar do potencial transformador, a tecnologia ainda enfrenta obstáculos técnicos: o consumo energético é elevado e a qualidade do som pode ser impactada por distorções não lineares. No entanto, a equipe da Penn State está otimista com os avanços futuros.

“O que apresentamos é um novo paradigma para o controle do som”, destaca Yun Jing. “Não se trata apenas de ouvir melhor, mas de escolher onde, quando e como o som deve existir”.

Em um mundo cada vez mais conectado, hiperestimulado e multitarefa, a criação de enclaves audíveis representa uma evolução natural da personalização sonora. E, ao que tudo indica, esse som invisível, privado e preciso poderá em breve fazer parte da rotina de milhões de pessoas − mesmo sem que ninguém mais perceba.


Álvaro Bufarah

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.

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