Por Álvaro Bufarah*
Desde 2008, o consumo de podcasts vem subindo e ganhou impulso com a pandemia da Covid-19, já que as pessoas passaram a buscar mais conteúdos no período de lockdown. Entre os diversos movimentos nesse mercado, um que chama a atenção: o uso de podcasts em programações de emissoras de rádio.
Embora inicialmente o podcast tenha sua linguagem atrelada ao meio radiofônico, o uso da tecnologia democratizou a entrada de novos atores no espaço de produção, levando o podcast a desenvolver algumas características únicas, como a portabilidade.
Outra curiosidade está relacionada à duração. Os produtores de conteúdo em áudio estão fazendo programas que vão de 5 minutos a até mais de 2 horas, sendo que para todos eles sempre há algum ouvinte sedento.
Nesse cenário, as emissoras de rádio acabaram entrando tarde no mercado de podcasts. Inicialmente, algumas viam até com desdém a produção “amadora” desses conteúdos e depois como um inimigo. Só entenderam a complementariedade dos produtos (radio+podcast) quando as produtoras e muitos leigos já tinham invadido seu espaço.
Tudo mudou tão rapidamente que agora temos emissoras de rádio fazendo produtos autorais e veiculando podcasts feitos por diversos tipos de produtores. Ou seja, o podcast está entrando nas programações das emissoras.
Juliana Paiva, jornalista e diretora executiva da RadioData, empresa especializada em distribuição de conteúdos para rádios de todo o Brasil, explica que o mercado de radiodifusão voltou a crescer em agosto de 2021, embora o número de anunciantes tenha caído por conta da paralisação das atividades econômicas. Como muitas dessas emissoras dependem desses recursos, que foram prejudicados pela pandemia, inúmeras entraram no vermelho.
Juliana explica ainda que as rádios têm um custo operacional muito mais alto do que uma webrádio ou uma produtora de podcasts, pois têm de arcar com valores de mão de obra, equipamentos, manutenção e energia, entre outros.
Mas, esse cenário caótico também ajudou os radiodifusores a olharem para dentro de suas empresas e buscarem outras formas de receita, além de apertarem o cinto. E alguns conseguiram fazer de “um limão, uma limonada”, pois entenderam que precisavam melhorar a qualidade das suas programações. “Tudo passa pelo conteúdo. Se você produz conteúdos bons, atrai a audiência e acaba chamando a atenção dos anunciantes”, explica a executiva.
Foi assim que as emissoras de rádio redescobriram os conteúdos em podcast, pois precisavam de material com qualidade e encontraram muitos produtos prontos para turbinarem suas programações. Claro que não dá para veicular todos os podcasts sem um ajuste no formato, já que precisam ser editados para caberem nas programações. Porém, a linguagem mais fluente, o formato menos formal e as produções especiais ganharam a atenção do público das emissoras. Vale lembrar que esse uso de podcasts em rádio não se iniciou com a pandemia, mas foi intensificado por ela.
Ela recorda que levar um programa de rádio para o formato de podcast é muito mais fácil, pois o produto não está tão longe do material acabado, tendo um formato e tempos definidos. Mas, o caminho inverso é bem mais complexo, pois os podcasters roteirizam e montam seus programas sem a preocupação com a grade de programação de uma emissora e sem um limite rigoroso de tempo. Para caber na rádio, é preciso “limpar” muitas marcas do podcast, tornando-o um programa de rádio em um timing diferente.
A executiva lembra que há um ponto importante: “É preciso ter produção e edição diferentes para poder fazer os pontos de corte para as rádios, mas não podemos alterar o conteúdo principal, a essência do podcast. Apenas o enquadramos em um novo formato”.
Vale ressaltar que, nesse processo, os produtos serão diferentes, ou seja, quem ouvir o podcast na rádio terá um programa relativamente diferente (com uma edição leve) do produto veiculado nas plataformas de streaming.
De certa forma, usamos o mesmo material para editar dois programas para mídias diferentes. Pelo menos é a forma correta de se fazer. Se um espertalhão simplesmente pega o material do podcast, sem cortes, e leva para uma emissora de rádio vai acabar espantando os ouvintes, pois o material ficará como um “corpo estranho” na programação.
Mas, qual o motivo dos podcasters se interessarem pelo meio rádio? Para Juliana Paiva, a resposta é simples: o rádio é um veículo de comunicação de massa. “O que um podcast consegue de usuários em um mês pode ser alcançado em um dia em uma emissora de ponta”. Em outras palavras: o rádio alavanca audiência para o podcast e vice-versa.
Esse é o contexto do nosso mercado atualmente, em que os radiodifusores deixaram de ver os podcasts como um concorrente para usar o formato como um complemento para as suas programações.
A demora custou para as rádios tempo e dinheiro, pois facilitou a entrada de produtoras e podcasters independentes, que ganharam mercado produzindo conteúdos de qualidade, mesmo não tendo o parque técnico das rádios e suas equipes.
Esse é outro elemento importante, segundo a especialista em distribuição de conteúdos de áudio. Para ela, os jovens não veem o rádio como um meio para se trabalhar. Com isso, temos poucos jovens talentos despontando no mercado.
Já que os mais jovens não querem trabalhar em rádio, mas sim, fazer podcasts, os quadros das emissoras brasileiras são compostos por muitos profissionais gabaritados, porém sem o conhecimento técnico ou de linguagem para as novas tecnologias. E assim, vamos mantendo um ciclo vicioso, não formando novos profissionais para atuarem com esse mercado mutante.
“O maior problema é a falta de pessoal para fazer conteúdos multimídia, pois as emissoras ainda não conseguiram profissionais capacitados para desenvolver esses produtos, seja para sites, redes sociais ou mesmo para as programações”, afirma ela.
Cabe ressaltar que é muito importante fazer capacitações dos profissionais das emissoras para que entendam e utilizem as ferramentas tecnológicas para produzir programas mais atraentes para as diferentes audiências.
“Uma emissora não pode estar fora das redes sociais ou ter um site ruim ou ainda não atualizar seus conteúdos interagindo com os ouvintes via internet”, afirma Paiva.
Nesse ponto, a executiva lembra que os anunciantes querem mídia em 360º, que impacte os ouvintes/usuários em diversos devices, levando conteúdos relevantes para cada tipo de público.
A especialista afirma que as emissoras que mais necessitam de conteúdo diferenciado e de qualidade são as que estão fora das grandes cidades, ou ainda, as que não pertencem a nenhuma grande rede de rádio.
Para fechar a entrevista, quando perguntada sobre qual o perfil profissional que contrataria em uma emissora diante desse cenário, ela diz: um profissional que saiba utilizar os dados das pesquisas e seja ousado, com a mente aberta às novidades e à qualidade.
(Não esqueça que você pode ouvir essa conversa no podcast RadioFrequencia, disponível nas principais plataformas de streaming de áudio.)
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.