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quarta-feira, maio 1, 2024

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Sem Juvenal, sem bilhar, sem pastel, mas com o Balaio do Kotscho

Por Roberto Salim

“A São Paulo dos meus tempos, com a Praça da República, o Caetano de Campos, a Avenida São João e o Largo Paissandu, era muito mais charmosa. E reportagem era o que recheava um jornal”

Cheguei em casa e liguei para o Trajano no início da semana.

Fui contando que estive no prédio da Alameda Barão de Limeira onde em 1977 fazíamos o caderno de esportes da Folha de S.Paulo. Disse que não tem mais o Bar do Juvenal nem o bilhar nem o Hotel Jandaya.

Mas logo ele me cortou:

O Ricardo Kotscho acabou de escrever sobre a volta dele ao prédio. Olha só que coincidência!”

Que coincidência e que saudade de uma história que durou até setembro de 1984.

Fui acertar de fazer uma reportagem e voltei com uma coluna para o Ultrajano.

Em um instante vieram à minha frente Gil Passarelli, Professor Nicolini, o fotógrafo Cacareco, o meu amigo Aroldo Chiorino, Jorge Araújo, Ubirajara Dettmar, José Roberto Malia, Alfredo Teixeira, Landão de Almeida, Colibri, Michel Laurence, Luizinho Nascimento, Dega Alves, seu Américo Mendes e uma série de histórias que vivemos juntos ali naquele pedaço durante oito anos da minha vida. 

Tinha o Zé Roberto de Aquino, um repórter inacreditável.

Divertido.

Digno. E maluco.

Orra, meu”, dizia ele com sua voz rouca.

Quando a gente descia para o Bar do Juvenal para tomar uma cervejinha, ele pedia um copo e berrava:

Suja, suja com Fernet”.

Era pinga com Fernet. 

Que ele tomava em um gole só.

Ali no Juvenal, nas noites de sexta-feira, o nosso conjunto tocava ao som do cavaco do Rubens Ribeiro, repórter, maestro e pianista do Piolin.

O bar lotava e era preciso baixar as portas.

Do outro lado da rua, eu costumava jogar bilhar com o Horácio Marana.

Nós dois jogávamos muito, mas muito… mal.

Mas quando a gente já não aguentava mais trabalhar, dava uma escapada, descia os quatro andares, atravessava a rua, subia as escadas ao lado da padaria, escolhia uma mesa e começava uma partida. Na verdade, mesmo, a gente ia tomar um Cynar com limão e comer uma porção de mortadela.

Éramos jovens.

A turma velha da Folha se reunia na Alameda Barão de Campinas.

Era o 308… onde a turma da “diretoria” bebia seu uísque, sua cerveja, comia, contava histórias e falava das matérias do dia seguinte.

Nós, os focas, apenas escutávamos… respeitosamente.

Discutia-se a política, a greve dos jornalistas e lamentava-se pelos fura-greves.

Quantas vezes esperávamos o jornal rodar para sair com ele nas mãos lá pelas duas da manhã.

Quando o dinheiro sobrava, a gente costumava sofisticar o lanchinho e a bebida e ia ao bar do Hotel Jandaya. Os donos davam 10% de desconto para a gente, até que um dia fomos proibidos de frequentar o local. Nas paredes existiam alguns enfeites indígenas: bordunas, arcos, tacapes e flechas.

E numa discussão, acho que entre Thomás (diagramador) e um outro amigo, a confusão se generalizou e tudo voou pelos ares.

Mas havia um monte de bares e até a pastelaria do chinês na Avenida São João. Quando eu ia embora para casa e esperava a condução no ponto (o velho Perdizes), rezava para o ônibus demorar. Assim, tinha tempo de comer pastel de palmito no chinês.

E quando a minha mulher saía do Diário Popular e dava tempo de jantar, a gente ia ao Restaurante do Papai comer um frango assado, na esquina da Duque de Caxias com a São João.

Depois, era pegar uma sessão de cinema no Comodoro ou no Cine Espacial, que tinha três telas. No Comodoro e sua tela gigante, assistia-se a E o vento levou. Assisti também a Terremoto.

Pois é, quando saí do prédio da Folha no começo desta semana e fui caminhando até a Avenida São João, não vi mais o Bar do Juvenal nem a Padaria nem o Hotel Jandaya nem o prédio em que minha tia Ema morava na Duque de Caxias – o edifício está abandonado, com uma placa de “aluga-se”.

A cidade parece meio abandonada.

A pastelaria não existe mais.

Nem o Cine Espacial nem o Comodoro.

Quando peguei o táxi e o motorista veio conversando comigo, ele falou também da saudade dos velhos tempos.

Eu era office-boy e frequentava tudo aqui na cidade. Gostava de cinema e lembro que vim assistir a Indiana Jones no templo da perdição. Quando o filme acabou, os donos do Comodoro disseram que aquela tinha sido a última sessão e o cinema iria fechar suas portas. Deram vinho e pipoca. E nunca mais teve filme aqui”.

Uma pena”, falei para o motorista.

A São Paulo dos meus tempos, com a Praça da República, o Caetano de Campos, a Avenida São João e o Largo Paissandu, era muito mais charmosa.

E reportagem era o que recheava um jornal.

Lembro que sob as ordens do José Roberto Malia e do José Trajano cobri Campeonato Paulista de Palitinho, com mais de mil participantes, entrevistei o cavalo favorito do GP Brasil, cobri a Copa da Espanha e fui testemunha da Tragédia do Sarriá. Cobri também Fórmula 1 na velha pista de Interlagos, que era cercada por uma favela onde havia até criação de cavalos e vacas.

Como disse em algum dos parágrafos anteriores: éramos jovens.

Tudo era alegria. E luta.

Veio a Campanha das Diretas Já.

E todos nós repórteres queríamos ser como o Ricardo Kotscho.

Ele sempre foi um exemplo, uma meta para a nossa geração.

Como escrevia, como fuçava, como descobria, como tinha fontes!

E tem.

Ricardo e Ronaldo Kotscho

Nunca trabalhei com ele diretamente, mas os deuses do jornalismo me deram de presente um parceiro da família: o Ronaldo Kotscho, irmão do meu-nosso ídolo.

E durante anos trabalhei com ele na Placar, no SBT e na ESPN Brasil.

E eles têm o tal do jornalismo no sangue.

Ninguém conhece o Brasil como o Alemão, como também é conhecido o Ronaldo – premiado diversas vezes por suas fotos e reportagens de denúncia, como a que fez na Placar ao lado do Sérgio Martins, sob o comando do Juca Kfouri.

Sorte minha.

Sorte dos leitores.

Roberto Salim

Reproduzimos nesta edição, com a autorização de José Trajano, artigo que o repórter esportivo Roberto Salim (ex-Placar, Folha de S.Paulo e ESPN, entre outros) publicou no Ultrajano em 5 de março passado.


Tem alguma história de redação interessante para contar? Mande para [email protected].

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