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quinta-feira, abril 18, 2024

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O adeus a Célia Chaim

Morreu nessa 3ª.feira (12/1), em São Paulo, aos 64 anos, Célia Chaim, considerada por todos os que a conheceram como uma das mais competentes, dedicadas e éticas profissionais do jornalismo brasileiro. Ela travava desde o final dos anos 1990 uma batalha contra um câncer no cérebro, que a fez passar por diversas cirurgias e ficar internada por longos períodos

Segundo José Trajano, com quem foi casada e teve seu filho mais novo, Pedro, de 22 anos, ela estava em casa, passou mal, foi levada ao hospital, mas teve duas paradas respiratórias e faleceu por volta das 20 horas. O corpo foi cremado na Vila Alpina na tarde desta 4ª.feira (13/1). Célia deixa outro filho, Bruno, de 33 anos, do casamento com Marco Antonio Antunes.

Natural de Avaré, no interior de São Paulo, Célia graduou-se em Jornalismo pela Cásper Libero e trabalhou na maioria dos principais veículos da imprensa brasileira. Começou como repórter do extinto DCI, foi chefe de Redação do Jornal do Brasil, no Rio, repórter especial da Folha de São Paulo e coordenadora de Economia em O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Também teve passagens por IstoÉ, IstoÉ Dinheiro, Gazeta Mercantil, Exame e Valor Econômico.

Segundo Cley Scholz, quando Hélio Campos Mello era editor-chefe da IstoÉ, citou-a em editorial por uma reportagem especial sobre o Dia do Trabalho: “Profissional brilhante, no sentido mais amplo da palavra, ela própria é um raro exemplo de persistência e resistência. Célia nasceu em Avaré, interior paulista, fez jornalismo na Cásper Líbero em São Paulo e já passou pelas melhores publicações do Brasil. Se sua especialidade atual é economia, sua preocupação maior é o ser humano, o que a leva muito além dos números e das estatísticas”.

Sobre ela, Eduardo Ribeiro, diretor de J&Cia e deste Portal dos Jornalistas, escreveu o texto que vai a seguir:

“Estrela de luz Somos privilegiados. Fomos o último veículo em que Célia Chaim trabalhou. E o fez até enquanto sua capacidade física e intelectual permitiu. Com liberdade total, como ela sempre gostou. E que texto, meu Deus!! Foram dez edições de nosso projeto especial J&Cia Entrevista, em que Célia viajou pelo mundo de vários amigos, todos famosos em nosso meio, mas que para ela eram simples mortais, humildes seres humanos.

Para nós, cada uma das dez edições foi única. Eram quadros de um jornalismo poético, emoldurados e afixados em nosso espírito, em nossa mente, em nosso modo de ver e fazer um jornalismo de qualidade, com arte, liberdade, criatividade e ousadia – como ela gostava. A doença? Ora, a doença… Ela que esperasse. Nem a falta de um olho, que o câncer agressivo no cérebro subtraiu, nem as dificuldades de fala e movimento a impediram de a cada mês entregar uma joia jornalística para nossos leitores. De início, com regularidade.

Mais ao final, já em 2010, sem a mesma regularidade, mas com a mesma qualidade de sempre. Até que não deu mais para ela, pois já sem autonomia e com a saúde muito debilitada não teve mais condições de seguir trabalhando, ainda que esporadicamente. E, para nós, o ciclo também se fechou. Sem ela, o projeto não tinha mais sentido. Quem encontrar para escrever daquele jeito sublime, solto, coloquial, criativo, que dava bronca nas fontes em pleno texto, como foi o caso de Hebe Camargo, que não a atendeu para falar de sua amizade com Faustão, o último dos personagens que ela desenhou em palavras? Assim foi também com os demais perfilados que escolhemos a quatro mãos: Zuenir Ventura, Tostão, Lillian Witte Fibe, Reali Jr., Eleonora de Lucena, Ancelmo Gois, Eliane Brum, Ricardo Kotscho e Evandro Teixeira.

Célia era incrível. Quando menos esperávamos, lá aparecia ela com um bolo e alguns salgadinhos, que trazia para a equipe, na redação da Vila Mariana, onde então estava o Jornalistas&Cia. E ali ficava a prosear, a contar os bastidores da apuração e da pesquisa que fazia. Se o personagem era difícil, mais ela vibrava e ia até o fim. Só mesmo ela para conseguir fazer um perfil do craque Tostão, arredio como ninguém à exposição.

Mas era amiga dele, que era amigo de seu marido José Trajano. Cedeu aos seus encantos e argumentos e acabou dando um belo perfil. Foi tomar um chá da tarde com Eliane Brum e ali ficaram horas tricotando, falando da admiração que ambas tinham entre si. Uma conversa, como ela nos contou, emocionante do começo ao fim, que resultou num texto maravilhoso, digno de um prêmio Esso, que nunca veio.

Convidei-a para pilotar esse projeto porque achei que tinha a cara dela. E tinha. E ela de pronto disse isso. E foi um estímulo para que continuasse a lutar contra a doença e pela vida, pelos dois filhos que sempre amou e para os quais se dedicava com todas as suas forças, Bruno, de seu primeiro casamento, com Marco Antonio Antunes, e Pedro, de seu matrimônio com José Trajano. E pensa que falava em dinheiro? Nunca quis falar, nunca questionou, nunca pediu absolutamente nada, embora tivéssemos garantido ao menos um pagamento decente – mas muito longe do que ela merecia – dentro de nossa capacidade de pequena empresa.

E antes? Sim, porque Célia tem uma história pessoal comigo praticamente desde comecei no jornalismo, nos anos 1970. Quando ela ainda estava no Shopping News, jornal dominical que era distribuído de graça em São Paulo nas décadas de 1960 e 1970, com grande sucesso, fizemos um curso de criatividade em redação juntos, que também contou com as participações da saudosa Cida Taiar e de Beth Caló, ambas na época no mesmo jornal. Foram alguns meses com uma professora da USP, em que dávamos asas à imaginação, na busca de construir textos criativos, interessantes, atraentes. Não sei se fui um bom aluno, mas quanto a Célia…

Basta ler sua produção jornalística para se certificar. E continuamos juntos e separados, professando crenças políticas semelhantes, um olhar de mundo muito parecido, militância sindical em tempo quase integral, até que nasceu o Moagem, coluna criada por José Hamilton Ribeiro no jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que assumi desde o início.

A partir daí, Célia virou fonte permanente de informação para mim, qualquer que fosse a redação em que estivesse. Semana sim, semana não, eu ligava para ela no JT, na Folha, no JB, na IstoÉ, na IstoÉ Dinheiro, no Valor Econômico, atrás de notícias, que nunca eram negadas, mesmo as mais cabeludas, que poderiam lhe trazer dissabores no trabalho. Era uma defensora da transparência, da verdade, da independência jornalística e, estivesse onde estivesse, lutava por esses princípios diuturnamente. Veio a doença e pude acompanhar, ainda que à distância, o drama que se instalou em sua vida.

O câncer detectado, o tratamento iniciado, as sequelas que viriam com a doença, a dificuldade de continuar trabalhando numa redação de hardnews, mas nunca a vi entregar os pontos. Falava da doença e dos problemas com absoluta naturalidade, sem se exasperar, sem maldizer o destino. E não abria a guarda quanto aos valores que trouxe do interior, na dura vida de infância, que lhe emoldurou o caráter. De nossa parte, a ela só gratidão. Conviver com Célia Chaim foi uma benção, uma alegria e um privilégio. Sua luz certamente nos acompanhará eternamente.

Em tempo: Em homenagem a ela, vamos veicular novamente, a partir desta 5ª.feira (14/1), as dez edições de J&Cia Entrevista, uma a cada semana.

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