Por Luciana Gurgel 

Luciana Gurgel

Ao mesmo tempo em que cobram inclusão e diversidade das empresas e da sociedade, organizações de mídia nem sempre escapam de críticas por suas condutas.

O constrangimento mais recente envolve o New York Times. Na semana passada, a Associação Nacional de Jornalistas Hispânicos, a Associação de Jornalistas Asiático-Americanos e a Associação Nacional de Jornalistas Negros uniram-se para condenar o jornal em resposta a um levantamento feito pelo NewsGuild de Nova York, o sindicato dos funcionários do Times.

O problema não foi a quantidade de profissionais negros, hispânicos ou asiáticos nos quadros do jornal, e sim algo mais subjetivo: uma alegada discriminação nas avaliações de desempenho.

A análise do sindicato, com base em dados fornecidos pelo próprio New York Times, constatou que em 2021 mais da metade (56,1%) dos membros do Latino Guild, 39% dos membros do Asian Guild e 37% dos membros do Black Guild que trabalhavam havia três anos ou menos no jornal receberam classificação baixa. Já entre os profissionais sindicalizados brancos, apenas 25,9% foram mal avaliados.

O caso expõe preconceitos velados, que resistem a programas e políticas, nem sempre visíveis e fáceis de serem desconstruídos. E que não são um problema somente do New York Times.

As três associações elogiaram o Times por identificar deficiências quando anunciou um plano para tornar a empresa mais inclusiva, em 2021. O jornal admitiu na época que seus sistemas de recursos humanos e as práticas de gestão “permaneciam subdesenvolvidos”. E assumiu que sem sistemas funcionando bem para definir as maneiras pelas quais as pessoas vivenciam uma organização − contratação, feedback e avaliações, desenvolvimento − a informalidade pode levar a uma falta de consistência e de justiça.

Mas para as três associações não houve avanços desde então. A insatisfação foi agravada pelo fato de o jornal não se ter mostrado aberto ao diálogo, segundo afirmaram as entidades.

Depois que o levantamento foi publicado, uma porta-voz do Times, Danielle Rhoades, disse à NPR (National Public Radio, a rede pública de notícias americana) que as classificações não refletiam preconceito… mas que a empresa estava trabalhando para melhorar o sistema.

O problema apontado pelos representantes dos funcionários vai além de insatisfações ou injustiças individuais. Jornalistas talentosos − ou profissionais talentosos de qualquer outra companhia em que isso também aconteça − tendem a mudar de emprego. E isso torna mais difícil atingir as metas de equidade e inclusão na força de trabalho. A reportagem da NPR citou jornalistas que disseram ter saído do New York Times diante de avaliações frustrantes e incompatíveis com o feedback recebido verbalmente.

Nem todos concordam com essa visão. Jenny Holland, uma jornalista irlandesa-americana que já trabalhou no NYT, escreveu um artigo na revista britânica Spike (reduto de gente “anti-woke”) sobre o assunto, afirmando nunca ter experimentado racismo no jornal.

Sendo ela uma bonita mulher branca de olhos bem azuis, talvez fosse difícil mesmo. Ela não questiona os dados do relatório, mas sugere que “obcecados” enxergam racismo onde não existe. E que as acusações poderiam estar relacionadas a negociações de acordo salarial, com o sindicato acusando o jornal “do pecado mais grave na América liberal, o racismo”.

Se há motivações trabalhistas ou não, o fato é que o relatório tem números, não apenas queixas isoladas ou subjetivas, lembrando a expressão “contra fatos não há argumentos”.

Na manifestação conjunta, Michelle Ye Hee Lee, presidente da organização de jornalistas asiáticos, defendeu a necessidade de as redações questionarem suas culturas e sistemas internos que marginalizam jornalistas de outras etnias e são responsáveis por criar ou contribuir para desequilíbrios − incluindo as avaliações de desempenho.

Um bom alerta, que vale para qualquer tipo de empresa, pois como diz outra expressão popular, “o diabo mora nos detalhes”.


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