Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

As manifestações acaloradas do 7 de setembro são mais uma evidência de que os brasileiros nunca estiveram tão divididos.

Protestos a favor e contra o governo aconteceram no Brasil e no mundo, ganhando destaque na mídia internacional.

Se serve de consolo, divisão não é um problema só nosso. E foi agravada pela pandemia, como vêm atestando vários estudos.

Um deles, feito pelo Pew Research Center, constatou que seis em cada dez pessoas de 17 países desenvolvidos − o Brasil não está entre as nações pesquisadas − relataram que as divisões nacionais pioraram desde o início do surto.

Em 12 dos 13 países examinados, o sentimento de divisão aumentou significativamente entre 2020 e 2021 − em alguns casos em mais de 30 pontos percentuais.

Para jornalistas e comunicadores, isso significa que nunca foi tão difícil alinhar a pauta, a edição e o discurso corporativo interno ou externo ao que a maioria pensa, pois “maioria” é algo cada vez mais distante.

Ao todo, 61% das pessoas pesquisadas acreditam que estão mais divididas por diferenças de pensamento. Apenas 34% sentem-se mais unidas.

A desunião foi maior nos Estados Unidos: 88% dos americanos dizem que estão mais divididos do que antes da pandemia, a maior proporção que sustenta essa opinião em todos os lugares pesquisados. A maioria dos canadenses também afirma que seu país está mais dividido.

Na Europa, a maioria em sete das nove nações pesquisadas afirma que a sociedade está mais polarizada do que antes do coronavírus.

A discórdia é maior em Holanda, Alemanha e Espanha, onde cerca de oito em cada dez relataram mais divisão. Já na Suécia e no Reino Unido, cerca de quatro em cada dez acreditam que estão mais unidos do que antes do surto, segundo o Pew.

A divisão refletiu-se na inclinação política. A pesquisa do Pew associa a visão sobre as medidas de isolamento social ao apoio maior a partidos de direita.

Na Holanda, 42% dos entrevistados com opiniões favoráveis sobre o partido de direita Fórum para a Democracia (FvD) dizem que deveria ter havido menos restrições à atividade pública durante o surto de coronavírus. Apenas 17% das pessoas com visões desfavoráveis em relação ao FvD compartilham dessa opinião.

Divisões semelhantes aparecem entre apoiadores e não apoiadores da Alternativa para a Alemanha, Lega e Forza Italia, na Itália, Vox, na Espanha, Partido pela Liberdade, na Holanda, Democratas, da Suécia, Solução, na Grécia, e Reforma, no Reino Unido.

Na maioria dos públicos pesquisados, pessoas que simpatizam com a direita ideológica demonstraram-se muito mais propensas do que as da esquerda a dizer que deveria haver menos restrições.

Nos EUA, 52% dos conservadores são contra medidas de controle; apenas 7% dos liberais dizem o mesmo.

Preço a pagar

No jornalismo e na comunicação, essa polarização tem consequências.

Ataques a organizações sérias e a jornalistas idôneos pelos que discordam da cobertura dos fatos, no estilo “mate o mensageiro”, viraram caso de polícia.

Algumas foram resolvidas judicialmente, com ganho de causa para os atacados. Mas deterioram a confiança na mídia em escala global.

Do outro lado do balcão, cuidados redobrados ao planejar ações de propaganda ou de relações públicas não têm sido suficientes, a julgar pela quantidade de reações negativas a campanhas cheias de boas intenções.

O exemplo mais recente é o do comercial estrelado por Beyoncé e Jay-Z para a grife Tiffany.

Tudo parecia perfeito: um quadro do artista socialmente engajado Jean-Michel Basquiat ao fundo, ela a primeira negra a usar o famoso diamante Tiffany celebrizado no pescoço de Audrey Repburn em Bonequinha de Luxo.

Mas a cantora e a marca viraram alvo de ataques por ativistas desconfortáveis com o endosso a uma jóia associada à escravidão.

A pandemia está demorando a ir embora − há quem diga que nunca irá de vez. Mesmo que vá, é provável que as rupturas por ela causadas persistam.

Talvez a gente fosse feliz e não soubesse.

Beyoncé e o diamante: controvérsia

Inscreva-se em [email protected] para receber as newsletters MediaTalks trazendo notícias, pesquisas e tendências globais em jornalismo e mídias sociais.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments