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quinta-feira, abril 25, 2024

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Marido de uma revista só

Publicamos uma homenagem de Marcelo Fairbanks ao pai, Emanoel Fairbanks, diretor da Química e Derivados, que faleceu em São Paulo no último dia 9 de setembro. Marcelo é o sucessor dele na revista.

 

Marido de uma revista só

 

O jornalista Emanoel Fairbanks foi marido de uma revista só. Farmacêutico de formação, pós-graduado em Química e Administração de Empresas, atuou por mais de dez anos nas indústrias farmacêutica e de alimentos até ingressar na profissão definitiva em março de 1968, atraído pela Química e Derivados, da Editora Abril, então com quatro anos de existência, e reformulando sua redação.

Foi paixão à primeira vista. Lá encontrou o antigo colega de faculdade Alberto Gambirasio, responsável por ensinar o caminho das pedras ao foca, que logo encontrou um jeito de enfiar o conhecimento adquirido em processos industriais em um texto sobre filtração, aproveitando para explicar como se fazia um então famoso suplemento de ferro – a filtração era a etapa crucial – de um antigo patrão.

Por conta dessa pequena travessura, foi chamado à sala de Victor Civita, onde encontrou uma comissão de advogados da multinacional a exigir a cabeça do redator. “Seu” Victor perguntou se fora ele o autor do texto, autoria confirmada de pronto. Então, o dono da Abril perguntou aos advogados se o que estava publicado era fato verdadeiro, obtendo a mesma resposta. “Senhores, eu pago a esse rapaz para que ele escreva a verdade e, como os srs. confirmaram, ele só escreveu a verdade, nada tenho a fazer”, sentenciou o empresário, despedindo-se da comissão, para depois mandar o jornalista de volta ao trabalho.

Dessa lição, ele nunca se esqueceu. E a adotou como padrão de conduta. Ainda no prédio da Otaviano Alves de Lima, nome comprido da marginal do Tietê, por vezes assolado pelo aroma fétido do licor negro efluente da papeleira vizinha (expulsa depois pela vizinhança), participou de inúmeros rachas de futebol noturno, nos quais as bolas eram feitas das laudas rejeitadas pelos editores.

Das lembranças de infância, guardo os dias em que subi ao quinto andar (será que me engano?) daquele prédio, com as suntuosas escadarias de mármore, para buscar meu pai no meio da barafunda das várias equipes das Revistas Técnicas. Emanoel fazia questão de apresentar aos colegas o caçula que sempre saía de lá com algum gibi. Lá embaixo, no carro, nos esperava Renata, mulher dele por 42 anos felizes, série interrompida por um câncer fatal, em 2001.

As Técnicas foram transferidas alguns anos depois para um prédio na rua Aurélia, mais perto de nossa casa. Isso tornou mais frequente minhas visitas, moleque de calças curtas, à redação. Das entranhas da Química e Derivados já nascera a Plásticos e Borracha, renomeada Plásticos e Embalagem, atual Plástico Moderno. Emanoel era o redator principal e logo seria o redator-chefe de ambas.

Em 1976, porém, veio a notícia: a Abril decidiu se desfazer do chamado Grupo Técnico e abriu aos empregados a possibilidade de compra dos títulos. Foi assim que ele e o sócio Denisard Silva Pinto formaram a Editora QD, que até hoje permanece ativa, resistindo a ventos e tempestades. De 1976 para cá, Emanoel – aliás Mané, como quase todos o conheciam, com a exceção de um “seu” Mané, desferido por algum repórter mais respeitoso –, passou de chefe a patrão, sem nunca deixar de ser um grande amigo de todos quantos dele se aproximaram. Formou muitos jornalistas com seu jeito peculiar de ler em voz alta os textos no meio da redação, ressaltando as frases mancas e os cacófatos, para desespero dos autores.

Quantos focas pegaram seus primeiros frilas com Mané, não sei dizer. Vez por outra encontro alguém que frilou ou passou pela redação da QD, invariavelmente com alguma boa recordação do Mané, “a duna que ri”, na qualificação precisa do eterno repórter José Roberto de Alencar, o Zé Grandão, amigo que partiu mais cedo. Tive a honra e o prazer de trabalhar com Mané durante 25 anos.

Nesse período ele foi consecutivamente meu patrão, chefe, mestre, amigo e, no final, quase um filho. Aprendi com ele a usar mais o sorriso e menos a carranca, a ser humano e não máquina. A crer em Deus e na sua misericórdia, essa que abreviou seu sofrimento, aos 82 anos, depois de ser atropelado por um derrame (AVC, para os íntimos) forte o suficiente para prender a um leito de hospital por quase três meses o corpulento e irrequieto Mané.

Ficamos por aqui os filhos Renato e Marcelo, as noras Silza e Cilene, cinco netos e uma bisneta, além da mulher Sônia, com quem completaria 11 anos de união neste mês. Além de nós, a multidão de amigos fiéis que dele se despedem sem lágrimas, mas com a alegria típica do velho colega.

Até um dia, Mané!

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