O grupo Conteúdo Jornalístico tem Valor convoca profissionais a apoiarem PL em consulta pública

Está em consulta pública no Senado o Projeto de Lei 4255/20, de autoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que tem como objetivo regulamentar o pagamento pelas empresas de internet de conteúdos jornalísticos. Pelo teor da proposta, ele abre uma importante oportunidade para que os profissionais retomem direitos de autoria que foram monopolizados pelas empresas depois da edição da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9610/1989). Desde então, as empresas jornalísticas adotam um documento denominado Cessão de Direito Autoral, pelo qual os jornalistas abrem mão da autoria de seus trabalhos.

De acordo com o grupo Conteúdo Jornalístico tem Valor, um dos problemas do projeto de Coronel é que ele não deixa claro, por exemplo, o direito dos autores, e como os profissionais serão remunerados por sua produção intelectual. Para sanar pontos como este, um grupo de jornalistas empenhou-se em produzir um substitutivo ao texto original do projeto. Para garantir que o PL tramite na Casa, o movimento chama a categoria para participar do apoio à proposição.

Diretor da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública), Lincoln Macário, que é um dos coordenadores do movimento, ao lado de Fred Ghedini, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, conversou com Kátia Morais, editora da newsletter Jornalistas&Cia em Brasília, sobre os principais pontos da iniciativa.

Lincoln Macário é um dos coordenadores do movimento que luta contra a monopolização dos direitos autorais pelas empresas
Lincoln Macário é um dos coordenadores do movimento que luta contra a monopolização dos direitos autorais pelas empresas

Jornalistas&Cia − Quais os principais pontos do substitutivo que vocês elaboraram ao PL 4255?

Lincoln Macário − O aspecto mais importante é regular uma área em que reina a desregulação, visto que a LDA nunca foi clara e eficiente em garantir o reconhecimento de autoria e a remuneração adequada desse direito patrimonial a jornalistas. Também é importante destacar que nossa sugestão de substitutivo ao PL 4255/2020 busca ser simples e autoaplicável, aproveitando o potencial das tecnologias já existentes e largamente utilizadas pelas plataformas para garantir seus lucros, mas nunca usadas paras reparti-lo com justiça. Ressalte-se, ainda, o caráter progressivo da remuneração, incentivando a ação voluntária dos veículos e plataformas e encarecendo muito o desrespeito à lei. Por exemplo: se algum veículo publica parcialmente matéria, até metade do conteúdo original, com o devido reconhecimento de autoria, e paga sem a necessidade de notificação, a remuneração devida é de apenas 10% da monetização, metade para autor e metade para veículo original. Já se publica mais da metade, sem reconhecer autoria, necessitando de notificação, o valor devido passa a ser 100% do monetizado. E em caso de judicialização pode chegar a 500%. Por esses mecanismos-fim o projeto objetiva garantir, além de segurança jurídica, a baixa judicialização das relações entre produtores de conteúdo jornalístico, veículos e plataformas. Outra vantagem é não deixar ninguém de fora do ecossistema regulatório, ao contrário do que se pensou para a chamada Lei das Fake News, que atingiria apenas as chamadas BigTechs. Essas grandes empresas carecem de regulação específica, em razão do poder significativo de mercado, porém, não são apenas elas que têm lucrado com a monetização de conteúdo jornalístico de terceiros, publicados sem o devido reconhecimento de autoria e a devida remuneração dos autores.

J&Cia − Qual seria a expectativa de votação nas duas casas? O que espera da tramitação na Câmara? O lobby das empresas de comunicação e de internet é mais forte em qual das duas casas?

Macário − Nossa expectativa é fazer avançar a tramitação primeiro no Senado, em respeito ao fato de os senadores terem demonstrado efetivamente entender a importância e a urgência da temática. Esse reconhecimento se dá especialmente em relação ao autor do PL 4255, senador Ângelo Coronel, e ao líder da minoria, senador Jean Paul Prates. Além disso, o caminho no Senado é regimentalmente mais simples, e sua aprovação lá acelera a tramitação na Câmara. O lobby das empresas de comunicação é forte no Congresso como um todo; entretanto, acreditamos que todos os atores políticos, inclusive as empresas, compreenderão que se trata de uma saída engenhosa e justa para o problema do desrespeito ao direito de autoria e da não remuneração adequada de um trabalho fundamental para a sociedade.

J&Cia − Se aprovado na integra, como o texto do substitutivo poderá reverter em benefícios reais para os jornalistas? Qual a expectativa de ganho acrescido ao salário?

Macário − O acréscimo de renda vai depender não apenas de cada jornalista e sua produtividade mas também, e talvez principalmente, de como os demais elos da cadeia vão se comportar no curto, médio e longo prazos. Se vão aderir voluntariamente à regra ou se será necessário judicialização. O mais urgente é encarar o problema, estabelecer o mecanismo e, se necessário, fazer os ajustes para garantir justiça aos jornalistas.

J&Cia − Se aprovado o projeto e sancionado na íntegra, a cessão de direitos autorais cai? Passa a ser considerada letra morta?

Macário − A cessão de direitos autorais pode continuar existindo nas plataformas analógicas. Porém, nas plataformas digitais, ela perderia o sentido.

J&Cia − E os jornalistas que trabalham na área pública, também podem ser beneficiados pelo projeto?

Macário − Os jornalistas da área pública serão diretamente beneficiados pelo reconhecimento da autoria, um direito que vem sendo constantemente desrespeitado. No texto não há previsão explícita de remuneração direta. O dinheiro seria destinado a um fundo público gerido pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, que poderia optar pela destinação direta ou pela aplicação difusa desses recursos, ou uma combinação de ambos. Uma ideia subjacente é destinar recursos para o fortalecimento das iniciativas de comunicação pública, tão atacadas recentemente e ainda tão negligenciadas em nosso país. Nós, os autores, não estamos completamente aferrados a esse aspecto. Estamos abertos ao debate e dispostos a construir outra redação que deixe mais claro se e como poderá ocorrer remuneração direta dos jornalistas do setor público.

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