O Grande Prêmio, site especializado na cobertura de automobilismo, acusou o jornal O Estado de S. Paulo de plagiar ao menos 47 textos durante dois meses e meio, de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022. Os veículos estão negociando extrajudicialmente uma indenização pelo ocorrido.

Em entrevista à LatAm Journalism Review, Victor Martins, diretor-executivo do Grande Prêmio, disse que descobriu o plágio após a repórter Juliana Tesser perceber que um dos textos escritos por ela havia sido reproduzido integralmente no site do Estadão. Ela chegou a perguntar se o Grande Prêmio tinha fechado alguma parceria de conteúdo com o jornal.

Posteriormente, Martins e a equipe do Grande Prêmio detectaram três matérias do site reproduzidas pelo Estadão, inclusive com erros de digitação. Ele então conferiu todos os textos publicados pelo Estadão sobre automobilismo até aquele momento e identificou 47 matérias do Grande Prêmio reproduzidas pelo jornal desde o fim de dezembro de 2021 até meados de fevereiro.

Os textos foram publicados não só pelo Estadão mas também por outros 40 veículos parceiros do jornal, que compram e republicam o material produzido, em tese, pelo Estadão, por meio da agência Estadão Conteúdo. Martins conversou com o editor de Esportes do Estadão, que pediu desculpas pelo ocorrido e repassou a questão para o departamento jurídico do jornal. Ao menos um funcionário foi afastado.

Em entrevista para o Portal dos Jornalistas, Martins falou sobre as negociações com o Estadão: “Eles avaliaram a situação internamente e marcaram uma reunião, que aconteceu em 11 de março, na qual só participou um membro da área jurídica do Estadão. Eles apresentaram uma proposta que não levava em conta todos os danos morais e materiais, queriam apenas pagar pelas matérias em efeito retroativo. Tiraram um valor por matéria, que não sei de onde veio, de R$ 1.500, e multiplicaram por 47”.

Martins explicou que o valor proposto era muito abaixo do justo, e que o Grande Prêmio já havia passado para o Estadão a quantia ideal, baseada na Lei de Direitos Autorais, somando não só o preço das matérias, mas também danos morais e materiais, indenização e monetização, além do ressarcimento pelo que os 40 veículos parceiros receberam e reproduziram.

“Seria um valor na casa dos milhões, e eles ofereceram algo abaixo dos 100 mil, pois  consideraram de fato apenas o valor da matéria vezes 47. Além disso, queriam que o Grande Prêmio não falasse para os outros 40 veículos; a expressão foi ‘não vamos incomodar nossos parceiros’, para não tirar do ar. Mas não temos como desconsiderar, pois o Estadão ganha em cima disso, com assinaturas, e os parceiros também”.

Em resposta ao Estadão, o Grande Prêmio declarou que seria “um desperdício e perda de tempo vocês nos apresentarem uma proposta dessas, de pagar retroativo e desconsiderar o que foi publicado em outros 40 veículos”. O site então encerrou por aquele momento a negociação, e pediu uma nova proposta, condizente com a Lei de Direitos Autorais, “pois não adiantava nada eles marcarem uma nova reunião, nós nos prepararmos e eles virem com uma proposta que não fosse justa”, explicou Martins.

O Grande Prêmio pediu a nova proposta por e-mail, para que a equipe pudesse avaliar e já responder rapidamente. O Estadão não enviou a nova proposta dentro do prazo estabelecido. Martins contou que então notificou extrajudicialmente os 40 veículos que receberam os conteúdos plagiados, e iniciaram uma petição para entrar na Justiça.

“Muitos desses 40 veículos disseram que não sabiam do ocorrido e, às vezes, o teor era de duvidar do Grande Prêmio, algo como ‘o Estadão não seria capaz de fazer isso’”, contou Martins.

Na última sexta-feira (18/3), um novo escritório de advocacia entrou no caso, defendendo o Estadão. Eles mandaram uma notificação para o Grande Prêmio pedindo uma nova reunião, mas o site insistiu que a nova proposta fosse enviada antes. Segundo Martins, o teor era de que “o Estadão não aceitaria ser constrangido com os valores propostos pelo Grande Prêmio. Respondemos que o constrangimento não estava no valor e sim no que havia sido feito”.

Na terça-feira (22/3), o departamento jurídico do Estadão entrou em contato novamente e pediu nova reunião. Nesta quarta (23/3), o Grande Prêmio aceitou, desde que o jornal aceitasse notoriamente alguns parâmetros estabelecidos pelo site.

Para Martins, “uma ou duas matérias copiadas até poderíamos relevar; agora, um caso que aconteceu durante dois meses e meio, sem que qualquer pessoa tivesse ciência/conhecimento do que estava acontecendo? Não dá. Não pode ter sido erro de um estagiário, e sim de gente que está lá há muito tempo”.

“Hierarquicamente falando, editor executivo, editor de esportes, quem quer que seja responsável por isso, como é que deixam isso passar? E outra: até onde se sabe, isso aconteceu apenas com o Grande Prêmio, mas será que foi apenas conosco? Com outros sites será que não acontece também?”, questionou o diretor do Grande Prêmio.

Para Martins, o caso é muito grave: “Revela que o Estadão não tem controle nenhum sobre um funcionário que copiou conteúdo e despachou para os demais veículos; e que esses veículos não têm controle sobre isso, não sabem o que está indo ao ar, muitos disseram que não sabiam o que estava acontecendo. Então, o ideal seria saber como funciona a redação de um jornal grande, qual o controle que o jornal tem sobre as notícias publicadas por seus funcionários, e como funciona o esquema no qual a pessoa publica para esses veículos parceiros todos, sem que eles tenham nenhum controle sobre o que está sendo publicado”.

Por fim, Martins reitera que o Grande Prêmio esteve aberto a negociar desde o começo do caso: “Estávamos inclusive preocupados com a imagem do Estadão, pois entendemos que é um veículo importantíssimo para o País, mas lamentavelmente o jornal não teve uma reunião correta conosco, pois quiseram apenas pagar por um conteúdo retroativo, e não tiveram respeito e decoro necessários para tratar o caso com a gravidade devida. O Grande Prêmio segue à disposição para negociar, desde que eles tenham também o respeito pela grandeza do Grande Prêmio”.

Estadão afasta repórter

O Portal dos Jornalistas conversou com Mariana Uemura Sampaio, diretora do departamento jurídico do Estadão, que declarou que o jornal está apurando o caso “com máxima prioridade”. Ela contou também que um repórter, que seria o responsável pelo ocorrido, foi afastado.

“Temos experiência com casos semelhantes, mas somente na figura de lesados (quando o conteúdo do Grupo Estado é utilizado de forma não autorizada). Neste sentido, compreendemos e somos solidários com a dor que este tipo de lesão pode causar ao Grande Prêmio, pois sofremos a mesma, regularmente. No nosso processo de apuração deste assunto, já identificamos que o conteúdo em discussão estava sob responsabilidade de único repórter, que já foi afastado. Temos indícios de que esse repórter não cumpriu as regras internas do Grupo Estado. Estamos concluindo a apuração interna e já iniciamos conversas com o Grande Prêmio para quantificar eventual composição financeira por potenciais prejuízos causados”.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments