Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Assim como jornalistas jovens não fazem ideia do que era uma redação analógica − e alguns mais jovens ainda nem sabem o que é uma redação −, pode estar ficando longe o tempo em que sigilo da fonte era tão parte da profissão quanto o tec-tec-tec das máquinas de escrever ou pedir um lide emprestado ao colega ao lado.

Na sexta-feira (27/1), chegou ao fim um processo judicial na Finlândia que, para a Repórteres Sem Fronteiras, é um precedente perigoso para a liberdade de imprensa no mundo.

Tuomo Pietiläinen, um dos dois autores de uma reportagem no Helsingin Sanomat sobre um centro de inteligência militar publicada em 2017, foi condenado a uma multa de 4,2 mil euros. A segunda autora, Laura Halminen, também foi considerada culpada, mas o tribunal não a sancionou considerando seu “papel claramente menor”. Kalle Silfverberg, o editor, foi absolvido da acusação de revelar segredos de Estado.

O espanto é que isso ocorreu no país que ocupa o quinto lugar no ranking de liberdade de imprensa em 2022. É uma moda que se espalhou pelo mundo, e não apenas em ditaduras.

Vêm se repetindo tentativas de violar o sigilo da fonte, pressionando jornalistas a revelarem quem deu informações para uma reportagem ou fazendo operações de busca e apreensão em redações e até em residências.

Na Itália, foram dois casos em 2022. Em julho, Paolo Mondani teve a casa e a redação do programa que comanda na RAI revistados por ordem de autoridades que investigam a máfia. O motivo foi uma reportagem sobre a morte do juiz Giovanni Falcone, que teve a colaboração de fontes da polícia.

Semanas depois, Francesco Pesante, do site L’Immediato, foi convocado a depor sobre a origem de imagens do assassinato de um prisioneiro que tinha autorização para trabalhar e foi morto na rua. O jornalista teve o celular confiscado.

Nos EUA, a Starbucks conseguiu em novembro autorização judicial para ter acesso às comunicações entre o sindicato de profissionais da rede em Buffalo (Nova York) e jornalistas. O motivo alegado foi descobrir “desinformação” que os dirigentes teriam disseminado sobre suas práticas.

Julian Assange mofa em uma prisão britânica enquanto aguarda a tramitação do processo de extradição movido pelos EUA para condená-lo pelo vazamento de documentos de guerra no site Wikileaks.

Enquanto alguns profissionais de imprensa continuam a correr riscos, outros podem estar engavetando pautas, o chamado chilling effect.

E não é apenas esta a ameaça ao jornalismo investigativo. Um estudo da pesquisadora Karin Assmann, da Universidade da Geórgia, publicado no fim de dezembro, examinou a percepção sobre a mídia por parte de 16 denunciantes americanos que passaram informações à imprensa entre as décadas de 1970 e o ano de 2010. Um deles é o lendário Daniel Ellsberg, que na década de 1970 entregou a jornais documentos secretos sobre a guerra do Vietnã − um pré-Assange.

Assman descobriu que os informantes revelavam segredos por acreditarem que os jornalistas compartilhavam com eles os mesmos ideais: manter os poderosos sob controle e defender o interesse público.

Mas isso mudou. Agora, a metade vê a imprensa como antagônica e pouco propensa a cumprir o seu papel.

Os adjetivos são pesados: “corrupta, tendenciosa, politizada, egoísta, em dívida com o governo e negligente com as fontes”.

Alguns dos participantes disseram que hoje evitariam a imprensa se tivessem que fazer uma denúncia, preferindo publicar diretamente. E mesmo quando decidem entrar em contato com jornalistas, confiam menos neles.

A pesquisadora credita o comportamento ao ambiente de mídia nos EUA, em que empresas jornalísticas não conseguem manter repórteres dedicados, com a experiência e os recursos necessários para gerar confiança nas fontes − uma situação que não acontece somente lá.

Pode não fazer mais sentido retomar o trabalho presencial como antes ou trazer de volta as máquinas de escrever. Mas o respeito ao sigilo das fontes e a confiança delas nos jornalistas vão deixar saudades no jornalismo caso acabem indo embora de vez.


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