Morreu nesta quinta-feira (2/2) a repórter da TV Globo Glória Maria, no Rio de Janeiro. Ela estava afastada do trabalho desde dezembro para combater metástases cerebrais decorrentes de um câncer no pulmão, diagnosticado em 2019, mas o tratamento deixou de fazer efeito nos últimos dias.

Pioneira no jornalismo em diversos sentidos, Glória foi a primeira repórter a entrar ao vivo e em cores no Jornal Nacional. Mostrou mais de 100 países em suas reportagens. Nascida no Rio de Janeiro, filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, estudou em colégios públicos e sempre se destacou.

Formou-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), conciliando os estudos com o emprego de telefonista da Embratel. Em 1970, foi levada por uma amiga para ser radioescuta da Globo do Rio. Na época, ainda não havia internet, então Glória ouvia as frequências da polícia para descobrir o que estava acontecendo na cidade.

Estreou como repórter na Globo em 1971, na cobertura do desabamento do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. Trabalhou em diversos programas da casa, como Jornal Hoje e RJTV. Foi responsável pela primeira reportagem do Bom Dia Rio, há 40 anos, sobre a febre das corridas de rua.

No Jornal Nacional, foi a primeira repórter a aparecer ao vivo. Glória cobriu a posse de Jimmy Carter em Washington e, no Brasil, durante o período militar, entrevistou chefes de estado, como o ex-presidente João Baptista Figueiredo.

“Foi quando ele (João Figueiredo) fez aquele discurso ‘eu prendo e arrebento’ – para defender a abertura (1979)”, relatou Glória em entrevista à Globo. “Na hora, o filme acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o Jornal Nacional, será que o senhor poderia repetir? Problema seu, eu não vou repetir’, disse Figueiredo. Onde ela chegava, o ex-presidente dizia para a segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”.

Em 1977, Glória foi a repórter que entrou no ar ao vivo na primeira matéria em cores no Jornal Nacional, mostrando o movimento de saída de carros do Rio de Janeiro, em um fim de semana.

Em 1986, foi para o Fantástico, programa do qual foi apresentadora de 1998 a 2007. Produziu reportagens especiais sobre lugares exóticos e entrevistou diversas celebridades, como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna. Cobriu ainda a guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998).

Em 2007, ao lado do repórter cinematográfico Lúcio Rodrigues, realizou a primeira transmissão em HD da televisão brasileira, com uma reportagem no Fantástico sobre a festa do pequi.

Após dez anos no Fantástico, Glória tirou dois anos de licença para se dedicar a projetos pessoais. De volta à Globo, em 2010, foi para o Globo Repórter, programa em que permaneceu até agora. Produziu diversas matérias especiais sobre viagens e as belezas de outros países.

Em setembro de 2019, com a aposentadoria de Sérgio Chapelin, passou a dividir comando do Globo Repórter com Sandra Annenberg. No mesmo ano, foi diagnosticada com câncer no pulmão. O tratamento com imunoterapia teve sucesso. Posteriormente,  sofreu metástase no cérebro, tratada em cirurgia, com êxito inicialmente, mas o tratamento deixou de fazer efeito nos últimos dias.

Primeira repórter negra do Brasil

Além de ter sido a primeira pessoa a entrar ao vivo, Glória é considerada também a primeira repórter negra da TV brasileira. Ela falava da importância de seu pioneirismo no jornalismo e luta contra o racismo. “Racismo é algo que vivi desde sempre e a gente vai aprendendo a se defender”, disse em entrevista ao Globo Repórter, em junho de 2020.

A apresentadora foi a primeira pessoa a usar a lei Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Foi necessário o uso da lei, em 1970, após ter sido impedida pelo gerente de um hotel no Rio de Janeiro a entrar pela porta da frente do estabelecimento.

“Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar, chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, disse.

A apresentadora deixa duas filhas

Glória deixa duas filhas adolescentes, Maria, 15 anos, e Laura, de 14. As duas foram adotadas em 2009, enquanto a jornalista fazia uma ação voluntária em um orfanato em Salvador.

O processo de adoção, que durou 11 meses, levou Glória Maria a mudar-se para a Bahia para estar mais perto das meninas enquanto a documentação era analisada. Em entrevistas sobre o assunto, revelou que antes de conhecer as meninas não tinha maternidade nos planos de vida.

Quando conheceu Maria, a mais velha, a criança tinha quase um ano de vida e, durante o levantamento da história das meninas para dar início ao processo, Glória descobriu que Laura era irmã biológica dela, e que tinha apenas 22 dias de vida.

“Eu nunca quis ser mãe. O trabalho me preenchia, minha vida era perfeita. Elas surgiram por acaso”, disse em entrevista para o programa Encontro. “Eu nunca tinha pensado em ter filhos até que vi as duas pela primeira vez e tive certeza que elas eram minhas filhas. Isso é uma coisa que não sei explicar”, completou.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments