Por Álvaro Bufarah (*)
Imagine sintonizar uma estação de rádio e, em vez de apenas ouvir, ser convidado a decidir o que vai tocar a seguir. Não como uma ilusão de escolha, mas como uma real curadoria coletiva da programação musical. Esse é o espírito por trás da mudança recente anunciada pela Futuri Media, que renomeou sua plataforma de interatividade Tether para o mais direto e simbólico Listener Driven Radio − ou, em bom português, “Rádio Conduzida pelo Ouvinte”.
Mais do que uma simples troca de nome, o movimento reflete um reposicionamento estratégico no universo da radiodifusão interativa, alinhado às novas demandas do consumo de áudio digital. “A mudança marca nosso compromisso renovado de capacitar o público a participar ativamente da formação de sua experiência auditiva”, declarou a empresa ao anunciar a reformulação em abril de 2025, conforme publicado na Radio World.
Criada em 2010, a plataforma sempre teve como essência permitir que o público interferisse no conteúdo transmitido ao vivo, através de votações em tempo real, notificações personalizadas e integrações com apps e sites das emissoras. Mas, com o avanço da IA e a sofisticação dos algoritmos de recomendação, a proposta torna-se mais robusta − e mais estratégica.
Hoje, com o Listener Driven Radio, qualquer estação pode transformar seu público em cocriador de conteúdo. A audiência pode votar em faixas favoritas que entram diretamente na playlist da rádio, receber alertas personalizados quando sua música preferida está prestes a tocar e ainda interagir com visuais personalizáveis adaptados à identidade da marca ou de seus patrocinadores.
Essa personalização estética também foi potencializada por uma parceria com a ReelWorld, reconhecida produtora de pacotes musicais e jingles para rádio nos Estados Unidos. O objetivo é claro: qualificar o som, padronizar a experiência e manter o ouvinte engajado como parte da jornada.
A mudança acontece num momento em que o rádio global, impulsionado pela digitalização e pelos dispositivos conectados, vive uma espécie de renascimento. Segundo o relatório Audio Today da Nielsen (2024), 93% dos adultos nos EUA ainda ouvem rádio tradicional toda semana − um dado que supera inclusive o alcance da TV aberta ou dos streamings de vídeo. A diferença, agora, é que a experiência sonora deixou de ser passiva para se tornar responsiva.
Nesse cenário, ferramentas como o Listener Driven Radio não apenas mantêm o rádio relevante − elas reposicionam o meio como um ecossistema digital interativo, competitivo com plataformas como Spotify, Deezer e YouTube Music. A lógica se inverte: não se trata mais de “tocar o que a rádio quer”, mas de “tocar o que o público decide, dentro dos limites estratégicos da emissora”.
De acordo com a Inside Radio (2025), o uso de tecnologias que permitem interatividade com o conteúdo cresceu 42% nos últimos três anos em rádios americanas, e já começa a ser adotado por grupos de mídia na Europa e na América Latina. No Brasil, iniciativas como o uso de painéis de votação via WhatsApp, lives com integração ao estúdio, e até sistemas de request em tempo real por IA vêm ganhando espaço, especialmente em rádios jovens e comunitárias.
Em tempos de personalização algorítmica, o rádio percebe que precisa competir com a lógica das plataformas, mas sem abrir mão daquilo que o torna único: a conexão humana, o ao vivo, o improviso, a identidade local. A proposta do Listener Driven Radio parece tentar exatamente isso − equilibrar a inteligência dos dados com a inteligência do coletivo.
Vale lembrar que, segundo o relatório The Infinite Dial 2024, 73% dos ouvintes de rádio AM/FM nos Estados Unidos gostariam de ter mais opções de interação direta com as rádios que escutam. E 61% afirmam que voltariam a ouvir mais rádio se pudessem interferir nas músicas tocadas.
Em resumo: a audiência quer participar − e agora pode.
A mudança da marca Tether para Listener Driven Radio, portanto, não é apenas uma jogada de marketing. É o sinal de uma era em que a programação deixa de ser unilateral para se tornar uma conversa em tempo real. As rádios que souberem interpretar esse movimento não apenas manterão sua relevância − poderão, finalmente, reinventar-se como plataformas digitais com alma sonora.
E, no fim das contas, não é exatamente isso que o rádio sempre foi? Uma conversa entre quem fala e quem escuta? Agora, quem escuta também fala. E escolhe a trilha sonora e talvez até os conteúdos.
Fontes consultadas:
- Radio World (2025): https://www.radioworld.com
- Inside Radio (2025): https://www.insideradio.com
- The Infinite Dial 2024 – Edison Research e Triton Digital
- Nielsen Audio Today Report 2024 – https://www.nielsen.com
- Futuri Media – https://futurimedia.com
- ReelWorld – https://www.reelworld.com

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no r, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.