Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Todos já vimos esse filme várias vezes. Uma celebridade em crise passa a ver como inimigos os jornalistas que fazem perguntas incômodas e exploram seus pontos fracos.

Mas o que aconteceu nos últimos dias com a tenista japonesa Naomi Osaka é diferente do enredo habitual mídia x famosos em crise em vários aspectos.

Um deles é que, ao surpreender os fãs, os jornalistas e os organizadores do campeonato anunciando pelo Twitter que não iria participar das coletivas obrigatórias nos grandes eventos esportivos, ela o fez sem estar pressionada por um problema em particular. Nem vivendo um declínio acentuado na carreira.

Osaka consagrou-se em 2020 como a atleta de maior faturamento em um só ano na história desse esporte. Integrou a lista de pessoas mais influentes do mundo da revista Time em 2019 e 2020.

Mas tem 22 anos. Se para muitos executivos experientes o momento de uma coletiva é assustador, é compreensível que para uma quase menina a experiência seja aterrorizante.

A tenista não deve ser a única atleta a ter calafrios na hora de enfrentar a mídia. Mas foi a primeira que verbalizou isso com tal magnitude. Causou uma confusão que durou vários dias, com direito a nota dura dos organizadores de quatro Grand Slams e uma multa de US$ 15 mil.

Até que na segunda-feira (31/5), Naomi Osaka jogou a raquete ao chão e desistiu de competir na França.

Ao explicar por que tomou tal decisão, rompendo uma tradição e o contrato, disse que as perguntas feitas pelos jornalistas depois das partidas deixam o atleta inseguro, duvidando de sua capacidade. Pode até ser. Mas como resolver isso, se fazer perguntas sobre vulnerabilidades é o papel da imprensa?

Alguns podem pensar que o problema está nela, e que precisa de acompanhamento para lidar melhor com a pressão e as perguntas incômodas sem se abater. Individualmente, talvez seja uma solução.

Mas a japonesa não é uma atleta qualquer. Uma de suas características é o engajamento em causas. Expressou apoio ao movimento Black Lives Matter em várias ocasiões. Retirou-se do Cincinnati Open de 2020, em Nova York, em protesto contra o assassinato de Jacob Blake, levando o torneio a adiar as partidas como forma de apoio.

Por isso, seu movimento pode ter efeito mais transformador do que o choro de uma celebridade em crise com a mídia ao ser atropelada por um escândalo. E ir além de uma questão individual.

Efeito multiplicador − Nos últimos dias, vários atletas falaram mais abertamente sobre as coletivas depois de partidas. Porque nas quadras, nos campos, nos ringues, eles parecem semideuses. Mas são pessoas com fragilidades e medos, exacerbados pela sua posição e pela responsabilidade diante de fãs e patrocinadores.

Nas entrelinhas das manifestações nas redes sociais, há sinais de que a intenção de Naomi Osaka pode ser mesmo mais do que resolver seu próprio problema com os jornalistas. Quando reagiu à notícia da multa, alfinetou os cartolas dizendo que “mudança deixa as pessoas desconfortáveis”.

Ao comunicar o afastamento temporário das quadras, afirmou querer reunir-se com os organizadores do Grand Slam para melhorar o processo para os jogadores, para a imprensa e para os torcedores.

Talvez os que assinaram uma longa nota explicando porque a atleta estava sendo punida não tenham percebido a extensão do problema. Abriram a possibilidade de diálogo de forma protocolar, mas o texto é duro, apegando-se ao contrato.

Se estiverem analisando a repercussão do caso nas redes sociais terão visto que a reação positiva é quase unânime. E que Naomi Osaka vai sentar-se à mesa com o respaldo de uma parcela significativa da comunidade de fãs e de atletas.

Não vai ser fácil equilibrar tantos pratos: a privacidade dos esportistas em grandes competições, o desejo dos patrocinadores de expor suas marcas e a necessidade da imprensa de conversar diretamente com os astros.

Mas em um momento em que saúde mental é uma questão cada vez levada mais a sério, é possível que mudanças defendidas por Naomi Osaka na relação entre atletas e imprensa nos grandes torneios sejam uma questão de tempo.


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