A história desta semana é de uma estreante no espaço, Célia Valente ([email protected]), que teve passagens por Pais&Filhos, Realidade, Intervalo, Exame (em duas ocasiões), Gazeta Mercantil e Folha de S.Paulo, e depois passou a desenvolver projetos editoriais, vários deles na área de memória empresarial e de pessoas. Um desses, O salto para a vida – A história de Léa Mamber (FTD), virou livro paradidático do Ensino Fundamental. Poucas meninas (3.286 a.C.) Aconteceu há muito tempo, tempo em que havia poucas meninas na imprensa econômica e a cobertura de empresas engatinhava. Business era palavra nova e a revista desbravava um setor ainda incipiente. Era o início dos anos 1970. Eu era repórter e a revista, a recém-lançada Exame. Tinha uma única colega do sexo feminino em meio a uma dúzia de marmanjos estrelados – vários deles Prêmio Esso. Sonia também trabalhava na reportagem, embora fosse economista de formação, um ponto a mais do que eu em termos de currículo naquele ambiente. Um dia, na pauta, uma entrevista com o presidente de uma multinacional que seria seguida por um almoço tête-à-tête: fui destacada pelo chefe de Reportagem para ouvir, indagar com propriedade e reproduzir o que me contaria o alto executivo sobre os planos da companhia no Brasil. A empresa já havia celebrado seu cinquentenário aqui, por isso tinha um bom portfólio de matérias à disposição; o presidente era um expatriado, como se dizia dos estrangeiros enviados da matriz para as filiais para ocupar altas funções. Alguns dias antes da data marcada para a entrevista, dei uma olhada no que havia de informações publicadas. Percebi que meu entrevistado me falaria de uma empresa sólida, muito atuante no mercado nacional, líder no seu segmento e que deveria ter grandes revelações. Estava orgulhosa de estar com pauta de tamanha importância, embora, é claro, um pouco intimidada. Devo dizer que eu tinha 20 e poucos anos e a experiência de uma repórter de 20 e poucos anos… Cheguei com um pouco de antecedência, como mandava a boa educação, trajada de acordo com a ocasião, segundo o modelo que eu mesma havia delineado para uma repórter de economia. O endereço era conhecido e o edifício, de mármore branco, imponente. Uma recepcionista me atende: digo com a boca cheia que tenho uma entrevista marcada com o sr. presidente. “Pois não, sim, senhora. Ele está aguardando. Por aqui, por favor”. Ela aperta o botão do elevador, sinal de deferência. O coração bate. Não levo pauta escrita, nem informações colhidas nos arquivos – estou um pouco intimidada, mas segura. Chego ao andar acarpetado da diretoria. Outra recepcionista me encaminha à sala de reuniões e me diz que sr. presidente me atenderá em instantes. “Água? Café?” “Não obrigada, mais tarde”. A sala é ampla, mesa grande, muitas poltronas em volta, vários aparelhos de telefone. Penso que deve ter linha direta para ligar para a matriz na Europa, linhas diretas para todas as filiais no mundo, linhas diretas para todos os departamentos e todos os diretores. Dois, três, cinco minutos, alguém abre a porta com determinação e põe a cabeça no vão. Vejo que é senhor de cabelos grisalhos. Ele me vê e balbucia desculpas com sotaque. “Ah! Não é nesta sala…” Ele sai, eu fico. Ele volta. Com a recepcionista. “Ah! É nesta sala…” Ela explica: “Desculpe, mas o sr. presidente não entendeu que a senhora era a pessoa que ele esperava… Não uma moça, e tão jovem…” A entrevista foi boa, o almoço que se seguiu foi agradável e sem tropeços. Não lembro se a matéria saiu e nem lembro dos planos da empresa para o País. Só lembro do susto que monsieur (*) levou quando viu uma menina falar de business. (*) Também não lembro do nome dele – era o presidente suiço (?) da filial da Nestlé.
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