É bem verdade que a profissão de jornalista não tem muito uma rotina estabelecida. Chegamos à redação e não temos hora para ir embora. Em dias com pautas mais “quentes”, a situação piora ainda mais. Isso sem contar os outros empregos, colaborações e frilas. E o fato de a maior parte da categoria ser contratada como Pessoa Jurídica (PJ), segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), também não ajuda.

Os jornalistas, portanto, estão de certa forma expostos a uma série de abusos e situações desagradáveis no que diz respeito a direitos trabalhistas. Considerando também a baixa estabilidade de trabalho da profissão, como podemos combater esses abusos? Como buscar nossos direitos?

Rubens Gama Jr

Pensando nesses tópicos, o Portal dos Jornalistas conversou com Rubens Gama Jr., advogado especialista em direito trabalhista que atende a muitos jornalistas que enfrentam justamente esses tipos de problema. Ele falou ao repórter Victor Félix sobre o que fazer para impedir ou evitar ao máximo abusos trabalhistas na jornada de trabalho, sobre assédio judicial contra o trabalho jornalístico, e o que a imprensa deve ter em mente ao enfrentar esse tipo de situação.

Confira a entrevista na íntegra:

Portal dos Jornalistas − O jornalista, na grande maioria das vezes, não tem uma rotina fixa. Chega à redação, e não tem hora certa para sair, boa parte deles trabalha no final de semana, raramente tem feriados. Como evitar rotinas de trabalho e empresas abusivas, quando falamos de direitos trabalhistas?

Rubens Gama Jr. − Hoje, talvez o principal desafio, não só para os jornalistas, obviamente, mas para eles em especial, é o fenômeno da “pejotização”, muitos comunicadores sendo contratados em esquema de Pessoa Jurídica. Na medida em que o empregador coloca seus funcionários como PJs – e essa PJ é só uma formalidade, porque, na prática, o funcionário é tão subordinado quanto qualquer empregado registrado na CLT –, não se aplica mais a lei, não se aplica mais a CLT e a jornada de trabalho fica ad infinitum (sem fim). Então, esse é o principal desafio, combater essa “pejotização” no jornalismo.

Um segundo desafio é um certo surto, uma epidemia de ansiedade e depressão entre os jornalistas, que algumas vezes podem ser mal diagnosticados. O advento das novas tecnologias e a diminuição dos postos de trabalho, assim como uma geração nova chegando já com maior intimidade com essas tecnologias, fazem com que os jornalistas sejam ainda mais demandados. E essa demanda adicional, essa pressão adicional, interfere diretamente na saúde, especialmente a mental. E a saúde mental, inclusive tem um agravante por ser de certa forma “oculta”, e às vezes com um pouco de estigma ao redor. As pessoas não gostam, têm vergonha de admitir que estão deprimidas, então é importante valorizar e atentar-se também à saúde mental dos jornalistas.

E um terceiro fator, que se soma aos dois primeiros, é o fato de os jornalistas serem muito apegados à própria atividade, esquecendo que estão trabalhando para um empregador, com uma certa autoridade. Ou seja, na medida em que são muito apegados, vestem muito a camisa, eles acabam não priorizando cuidados próprios à saúde, cuidados de controle de jornada de trabalho, ou seja, acabam não se priorizando e colocando o trabalho à frente deles mesmos.

Portal Outra preocupação da categoria é a falta de estabilidade. Muitos frilas, contratos curtos para a cobertura de determinado evento, fazem parte do cotidiano do jornalista para complementação de renda. Como podemos, ao mesmo tempo, lutar pelos direitos e fugir desses abusos trabalhistas, mas também garantir estabilidade de trabalho?

Rubens − Creio se tratar de uma questão de cultura. Os empregadores ganham quando têm um empregado ativo por períodos mais longos, a cultura da empresa é mais bem incorporada por esses empregados e, portanto, a contratação de freelancers deve ser reservada apenas para situações esporádicas, muito específicas ou de muita demanda. Porque os jornalistas da casa conhecem muito mais a cultura da empresa e conseguem traduzir na sua atividade a cultura corporativa melhor do que aquele que é freelancer. Então, é uma questão de sabedoria tanto do empregado, mas também do empregador. É preciso que as empresas jornalísticas tenham isso em mente.

Portal − Os jornalistas sofrem muito com ataques, processos e ações judiciais, muitas vezes sob o argumento de “danos morais”. Mas, por outro lado, quando falamos de jornalismo sério, feito com apuração, baseado em fatos, os conteúdos são de interesse público. Como combater esse assédio judicial e proteger o conteúdo jornalístico de censuras e exclusões?

Rubens − A sua própria pergunta tem parte da resposta. Porque, na medida em que o jornalismo foi bem-feito, se você tem uma informação precisa, objetivamente constatada, isso já é uma vacina contra qualquer tipo de demanda judicial externa. Você já está bem protegido do ponto de vista dos fatos e, portanto, uma demanda judicial será infrutífera. O que acredito que pode e deve ser feito é que os sindicatos de jornalistas e as próprias empresas fiquem atentos para que, em situações desse tipo, que envolva a pessoa física do jornalista, do repórter que é vítima da ação, o empregador, o veículo, também atue junto na defesa daquela reportagem, daquele determinado conteúdo. Que eles estejam também envolvidos naquela apuração e que deem assistência jurídica, para que a condição do repórter seja mais protegida e mais confortável.

Portal − O que os jornalistas devem saber, ter em mente a todo o momento, quando enfrentam esse tipo de situação em suas trajetórias, seja de violação de direitos trabalhistas ou de assédio judicial por algo publicado? Quais são as “lições de casa” que os jornalistas devem fazer para se defenderem?

Rubens − O primeiro “diploma” é a própria CLT. Ler e se atentar aos artigos 303, 304, 305, até o 309, que são os que falam da profissão do jornalista. A primeira lição de casa é estudar essa parte da CLT especificamente sobre a categoria. A partir disso, um segundo passo é se atentar à questão da “pejotização” que comentei antes, ter o cuidado para não se permitir ser contratado como PJ em situações muito generalizadas e muito vulgares, pois isso derruba todos os seus direitos de uma vez só.  

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