Alexandre Campello, editor na TV Assembleia de MG, e sua família sobreviveram à queda do paredão no reservatório de Furnas, em Capitólio, no dia 8 de janeiro, que matou dez pessoas. Ainda se recuperando do trauma – e a esposa, de uma cirurgia por causa do acidente −, ele conversou sobre o ocorrido com Admilson Resende, correspondente de J&Cia em Minas.

Jornalistas&Cia − Você estava de férias em Capitólio?

Alexandre Campello − Eu estava em Capitólio com minha família (esposa e dois filhos) e familiares da minha esposa (uma cunhada, o marido e dois sobrinhos; outra cunhada com o filho) e dois casais de amigos, um deles com dois filhos. Foi uma viagem de férias planejada desde agosto de 2021. Queríamos conhecer as Escarpas do Lago e fazer o passeio pelos cânions do chamado Mar de Minas. Estávamos animados e felizes, desfrutando das férias. Nunca poderíamos imaginar que qualquer coisa de ruim pudesse acontecer. Isso nunca passou pelas nossas cabeças, mesmo com o clima adverso, de muita chuva durante os sete dias que passamos lá.

Alexandre com a família

J&Cia − Quem estava com você? Estava numa embarcação só para vocês ou havia outras pessoas? A embarcação forneceu colete salva-vidas?

Alexandre − No passeio de lancha, no sábado, dia 8 de janeiro de 2022, estávamos todos numa embarcação alugada apenas para levar a nossa família. Éramos 15 na lancha: eu, minha esposa e dois filhos (9 e 11 anos); minha cunhada e o marido, mais dois filhos (9 e 14 anos); minha outra cunhada e meu sobrinho (14 anos); um casal de amigos, com os dois filhos (9 e 11 anos); e o piloto da lancha. Ao chegarmos na embarcação, fomos informados de que o uso do colete salva-vidas era obrigatório apenas para as crianças e idosos. Colocamos os coletes nas crianças e nós, adultos, seguimos sem colete, o que, passada a tragédia, avaliamos como um erro nosso, do ponto de vista da segurança.

J&Cia − Descreva como foi, quando viu o que aconteceu. E depois do fato, o que fez?

Alexandre − Embarcamos no pier, em Capitólio, todos animados com o passeio, há muito esperado. Não estava chovendo na hora do passeio. No trajeto até os cânions, que dura cerca de 40 minutos, choveu um pouco, mas logo passou e o tempo continuou nublado. No caminho, passamos pelo bar Lagoa Azul, um bar flutuante, primeira parada do passeio. Como o local estava cheio de embarcações e com muita gente sem máscara, resolvemos não parar e seguir viagem para os cânions (talvez se tivéssemos parado lá uns 15 minutos teríamos escapado da tragédia, mas não há como saber o futuro). Chegando no cânion, como as demais lanchas que estavam no local, nos aproximamos da formação rochosa e da queda d’água, que são realmente de uma beleza natural que impressiona. Próximo ao paredão de pedra, observamos que algumas pedrinhas estavam caindo. Achamos que aquilo fosse normal, até mesmo o piloto da lancha não se incomodou. Mas como pedrinhas caíram mais duas vezes, já nos olhamos com um pouco de apreensão. Foi quando uma amiga nossa que estava na lancha pediu para que fossemos embora. Prontamente, o piloto da lancha iniciou as manobras para sair do local. Quando a lancha está de frente para sair do cânion, o paredão de pedra despencou. O impacto da pedra na água gerou uma onda gigante que atingiu nossa lancha, que em poucos minutos afundou. Felizmente, as crianças estavam de coletes salva-vidas e todos os adultos sabiam nadar e não perderam a consciência mesmo com o impacto da onda sobre a lancha. Nessa hora, pensei que fôssemos todos morrer. Todos empurrados para o fundo do lago. Mas, felizmente, conseguimos voltar à superfície e socorrer as crianças e nós todos. Hoje penso que foi um milagre de Deus, um livramento. Fomos para a margem do lago e ficamos aguardando ajuda. As lanchas que não foram atingidas pela tragédia voltaram para nos socorrer. Divididos em várias lanchas, fomos todos levados de volta ao bar Lagoa Azul, onde ficamos aguardando o socorro da Marinha, que, segundo os pilotos de lanchas, já havia sido avisada pelo rádio. Infelizmente, o socorro da Marinha não chegou. Como havia crianças com fraturas e cortes, resolvemos colocar os feridos numa lancha e voltar para o pier em Capitólio. Felizmente, quando chegamos em terra, as ambulâncias do SAMU já estavam chegando e fomos colocados nelas e distribuídos para as Santas Casas das cidades próximas.

J&Cia – Você ficou traumatizado com o episódio? E a sua família?

Alexandre − Não há como escapar de um certo trauma diante de um acidente tão grave, uma tragédia sem precedentes, que, além de nos atingir, levou à morte de dez pessoas. Foram momentos de sofrimento, insegurança e dor, que ficam marcados na nossa lembrança, principalmente dos meninos, que nos primeiros dias dormiam mal e tinham pesadelos. O mais importante é que estamos vivos e, com a benção de Deus, buscando ajuda para os danos físicos e psicológicos. O que é absolutamente normal nessas situações-limite, em que ficamos entre a vida e a morte. Para isso, buscamos apoio psicológico para nós – eu e minha esposa – e também para nossos filhos”.

J&Cia − Como tem sido a recuperação?

Alexandre − Tem sido boa. Com resiliência e perseverança, estamos melhorando dia a dia. Minha esposa teve um esmagamento no pulso direito e teve que passar por uma cirurgia, colocou uma placa e sete parafusos. Agora, já retirou o gesso e está fazendo fisioterapia. Meu menino mais novo, Henrique (de 9 anos), quebrou o braço direito, quase uma fratura exposta, ainda está com o gesso, mas deve retirá-lo já nesta semana. Eu e o mais velho, Matheus, tivemos apenas escoriações. Mas, como já disse, estamos todos bem, graças à mão de Deus. Com fé, gratidão e perseverança vamos superar esses momentos, essas lembranças, e buscar voltar à nossa rotina de família.

J&Cia − Como vocês estão hoje?

Alexandre − Como jornalista, acredito que o que aconteceu foi uma fatalidade. Tenho dúvidas se essa tragédia poderia ser evitada ou mesmo prevista. O que julgo importante é que o que aconteceu sirva de alerta para que as autoridades tomem medidas que possam aprimorar a segurança nos passeios de lancha nas Escarpas do Lago. Nos depoimentos à Polícia Civil e à Marinha, elenquei algumas sugestões, como delimitar a distância que as embarcações devem manter até as quedas d’água e paredões de pedra. Não vejo necessidade de chegar tão perto. Defendo também uma presença mais significativa da Marinha no lago, com uma embarcação potente, que permita a fiscalização dos passeios e também o socorro em caso de qualquer eventualidade. E, ainda, o uso obrigatório de colete salva-vidas para todos que embarcarem nas lanchas. São apenas sugestões. Na verdade, caberá a Polícia Civil, prefeituras, Marinha e Ministério Público, a partir dos resultados das investigações, buscarem as medidas que se fazem necessárias para dar maior segurança aos turistas.

J&Cia – Você se sentiu “a própria notícia”? Como lidou com isso?

Alexandre − O fato de virar notícia, numa situação tão delicada, de tanto sofrimento e dor, realmente não me deixou confortável. Sem dúvida, preferiria estar do outro lado, apenas cobrindo os fatos, como muitos dos colegas que vi no dia da tragédia e nos dias que se seguiram ao fato, em entrevistas agendadas para vários veículos de comunicação do Brasil e do exterior. Mas, como jornalista, tinha a obrigação de atender aos colegas e mostrar que estávamos todos bem àqueles que se preocuparam com nossa família.

J&Cia − Pretende tomar alguma atitude e/ou ação em relação ao ocorrido?

Alexandre − Não pretendemos acionar a Justiça. Como falei, julgamos que o que aconteceu foi uma fatalidade. Ao contrário disso, nossa preocupação foi ajudar ao dono da lancha, que perdeu seu único meio de sustento. Ao nos depararmos com essa situação, todos da casa concordaram em fazer alguma coisa para ajudar o Guilherme. Criamos então uma vaquinha virtual, em que as pessoas podem fazer doações, para que o dono da lancha possa reformá-la ou comprar uma nova, que custa em torno de R$ 400.000,00. Alguns dias após a tragédia, o Guilherme dispôs-se a devolver o dinheiro do passeio, que não aconteceu, mas de pronto recusamos e falamos que o dinheiro iria ajudá-lo até ter condições de voltar a trabalhar. A ideia é ajudá-lo, da mesma forma como fomos ajudados por todas as pessoas que nos atenderam nas Santas Casas de Capitólio, Passos e Piumhi. A solidariedade das pessoas, nos hospitais e fora deles, foi muito grande. Antes mesmo de chegarmos em terra, depois do acidente, várias pessoas, inclusive enfermeiras que também estavam fazendo o passeio, deram os primeiros socorros à nossa família, permitindo que pudéssemos esperar até chegar aos hospitais. O link para as doações é http://vaka.me/2631066. Até agora (18/2), já arrecadamos mais de R$ 21.000.

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