O chamado Jornalismo de Soluções é algo importante a ser debatido nas redações dos veículos. Utilizar como fio condutor da reportagem o processo de resolução (ou tentativa) de um problema e apresentar o que já está sendo feito e os resultados, mesmo que iniciais. Estas são algumas características que poderiam ajudar a afastar o jornalismo de uma impressão mais “pessimista”, causada em muitos consumidores de notícias. De acordo com a Solutions Journalism Network, o Jornalismo de Soluções nada mais é do que a “cobertura rigorosa e baseada nas evidências das respostas a problemas sociais”.

Em meio a diversos acontecimentos negativos que ocorrem pelo mundo – conflitos político-econômico-sociais dos mais diversos tipos, guerras, crimes, os impactos devastadores das mudanças climáticas –, como fazer um jornalismo que, obviamente, traga informações bem apuradas e fundamentadas, mas também soluções para os problemas? Como fazer um trabalho que, em vez de afastar o leitor, com apenas notícias negativas, traga também os caminhos para melhorar a situação?

Foi justamente com esta mentalidade que surgiu, em junho de 2025, Amado Mundo, projeto multiplataforma comandando e fundado pelo premiado jornalista Guilherme Amado, que busca justamente trazer informações, de forma leve e descontraída, e também as soluções para os problemas. O objetivo é fugir um pouco do imediatismo e “pessimismo” do jornalismo tradicional, unido o mundo da informação com o dos influenciadores digitais.

Em conversa com o Portal dos Jornalistas, Amado falou sobre as origens do projeto, o modelo de negócios, a união entre jornalistas e criadores de conteúdo, como conciliar as carreiras de comunicador e empresários, e alguns planos para o ano que vem.

A origem do Amado Mundo

“O projeto começa anos atrás, na minha cabeça, após detectar um crescente news avoidance entre os leitores, uma espécie de resistência à notícia”, explicou Amado. Segundo ele, durante sua experiência de 15 anos no Grupo Globo, passando por diferentes veículos, percebeu que cada vez mais as pessoas se afastavam do jornalismo, por excesso de informações, notícias pesadas que as deprimem, ou mesmo uma grande quantidade de locais diferentes para se informar, o que faz inevitavelmente algumas pessoas deixarem de consumir certos produtos e veículos. “Ao longo dos últimos anos, vim amadurecendo isso dentro de mim, ou seja, como fazer com que esses leitores, consumidores de notícias, deixem se se afastar do jornalismo. Após algum tempo de estudos sobre empreendedorismo e gestão de negócios em mídia no exterior, lancei a Rede Cordiais, uma ONG de educação midiática. E foi aí que, com a bagagem acumulada nos últimos anos, decidi, em 2024, que havia chegado o momento de começar um negócio próprio”.

Foi em junho deste ano que nasceu o Amado Mundo, projeto jornalístico com uma série de programas que abordam temas como política, negócios e cultura. Desde o início, a ideia foi “gerar conversas que apontem para um mundo melhor”. O Amado Mundo tem ao todo nove programas, como Matinal, com as principais notícias do dia; Lisboa Connection, programa de entrevistas com personalidades no eixo Brasil-Europa; Notas de Rodapé, que discute questões da atualidade a partir de um livro diferente a cada episódio; e Tech Tech Tech, sobre as novidades do momento na tecnologia.

Amado explicou que, com a criação do Amado Mundo, ele encontrou uma “fórmula” de trabalho ideal, unindo o novo projeto com a sua já consagrada coluna sobre política no PlatôBR: “De um lado, mantive a minha coluna, com o foco noticioso, de furo, jornalismo investigativo, coisas em que me envolvo diretamente na apuração; e no Amado Mundo, a ideia sempre foi gerar uma ‘conversa para o mundo melhor’, a partir de análise, programas de entrevistas, documentários e outros formatos”.

Mais recentemente, em novembro, o Amado Mundo ampliou sua operação com o lançamento de um portal de notícias, o amadomundo.com. Com conteúdos de política, negócios, entretenimento e cultura, além de colunas e reportagens exclusivas, a página fez parte de uma estratégia de ampliação nos negócios da marca, com uma visão cada vez mais multiplataforma. O projeto, que inicialmente tinha cerca de 25 profissionais, conta hoje com uma redação composta por quase 50 pessoas.

Guilherme Amado (divulgação)

A união faz a força: jornalistas e criadores de conteúdo

Um dos grandes diferenciais do projeto Amado Mundo é unir, nos mesmos programas e conteúdos noticiosos, o mundo do jornalismo e o dos criadores de conteúdo: jornalistas e influenciadores que, juntos, produzem conteúdo de qualidade, com informações confiáveis, mas ao mesmo tempo uma linguagem leve e descontraída, que chega a todos os setores da sociedade.

Bel Coelho (Crédito: Amado Mundo/YouTube)

Para Guilherme, os jornalistas têm muito a aprender com os influenciadores, e vice-versa: “Nós, jornalistas, temos muito a aprender com os criadores de conteúdo em relação à forma, e eles tem a aprender com a gente sobre conteúdo, não na qualidade, mas na precisão da informação. Ao longo destes anos trabalhando na Rede Cordial, convivemos com muitos influenciadores, e essa convivência me ensinou muito sobre esse universo. Os criadores conseguem desenvolver uma linguagem que é mais acessível à população, e eu acho que esse é um dever de casa que todo jornalista deveria perseguir, porque não adianta a gente fazer excelentes reportagens, excelentes análises que não sejam lidas, não sejam apreciadas pelas pessoas”.

Hoje, o Amado Mundo tem em sua equipe criadores de conteúdo de diferentes perfis, como a chefe de cozinha Bel Coelho, a humorista Cláudia Campolina e a escritora Eliana Alves Cruz. Em 2026, a ideia é ampliar a equipe com ainda mais influencers e analistas em diversas vertentes. Não à toa, essa união tem gerado muitos frutos: Segundo número divulgados pelo projeto, em cinco meses de trabalho, o ecossistema digital do Amado Mundo, que inclui YouTube, Spotify, Instagram, TikTok, Facebook, X, Threads e BlueSky, alcançou mais de 580 mil usuários e atingiu a marca de 15 milhões de visualizações. Somente o canal no YouTube já tem 1,4 mil vídeos publicados, 4 milhões de views e conta com um público mensal de 276 mil pessoas.

Um jornalismo cada vez mais transmídia

E por falar em números de audiência, o case do Amado Mundo levanta a discussão sobre o jornalismo em um mundo totalmente digitalizado, como o que vivemos atualmente, com a ascensão das redes sociais e das plataformas digitais e a necessidade de estar constantemente conectado e presente em todo e em qualquer aplicativo. Sobre este jornalismo mais conectado, mais transmídia, Amado acredita que o importante é que a informação chegue onde o leitor está.

“Estamos caminhando para ter em todas as nossas redes um milhão de seguidores, a gente está em praticamente todas as redes. Nossa proposta é chegar onde o leitor está. Afinal de contas, o número de leitores que se informam pelas redes sociais é muito maior do que os que se informam pelos sites. E para além das informações nas plataformas, colocamos também a publicidade ali. Então, tanto para o leitor, o espectador, quanto para o anunciante, isso é uma oportunidade, e tem muito benefício, porque a gente consegue customizar a informação de acordo com o meio”.

Crédito: Berke Citak/ Unsplash

Amado falou também sobre a importância de sempre ter em mente o formato, a forma como se deve abordar determinadas informações, e a plataforma onde tais informações serão publicadas, que mudam constantemente. “Por exemplo, para falarmos sobre a fuga de Alexandre Ramagem, um furo que dei lá no PlatôBR, no TikTok, por exemplo, é uma linguagem específica para um determinado público; já no YouTube a gente fala com outra linguagem; no site a gente analisa aquilo de outro jeito. Aí, ao olharmos a cadeia inteira de informações, juntando o Platô nessa equação, percebo uma sinergia muito grande. Isso faz todo sentido, porque a notícia e a investigação foram publicadas no PlatôBR, com foco no jornalismo investigativo, e a análise dos fatos foi desdobrada no Amado Mundo, em diferentes plataformas. Acho que essa adaptação de linguagem, plataforma a plataforma, é justamente esse jornalismo transmídia na veia”.

Modelos de negócios e eventos

Mas, afinal, como fazer funcionar um projeto jornalístico transmídia com jornalistas e influenciadores? Como tornar esse negócio sustentável? Amado falou sobre o modelo de negócios do Amado Mundo, incluindo a realização de eventos, no Brasil e no exterior, destacando três grandes vertentes: publicidade, eventos e curadoria de influenciadores. “Quando falamos de captação de recursos, precisamos destacar nossos números de visualizações e seguidores. Colocamos as marcas em contato com esses números, é uma publicidade fundamentalmente de construção de reputação. Assim, o anunciante que vem para o Amado Mundo está interessado no público altamente qualificado que a gente tem. Um público que, de largada, já era leitor na minha coluna, tanto na época do Metrópoles como no trabalho com Lauro Jardim em O Globo. Então, é um leitor muito qualificado, em termos econômicos, e também de políticos, de empresários, de pessoas com tomada de decisão”.

Sobre os eventos, o fundador do Amado Mundo destacou a importância do programa Lisboa Connection, comandado por ele e o economista Paulo Dalla Nora Macedo, que aborda justamente assuntos do Brasil e da Europa, o que facilita conversas e networking. Só em 2025, foram cinco eventos na Europa, em cidades como Paris, Lisboa e Madrid. Tais eventos são para marcas, com temas específicos de interesse público. O mais recente foi em Paris, sobre os dez anos do Acordo de Paris, apoiado pela Vale e pela Supermicro: “E aqui, no Brasil, tivemos uma casa na Flip, já no primeiro mês do canal, que recebeu 78 autores no total. Posteriormente, vendemos o name rights da casa para a Caixa Econômica”.

E em relação à curadoria de influenciadores, Guilherme explicou a importância de analisar e selecionar os criadores específicos para cada assunto abordado: “É um trabalho em que a gente acredita muito, porque quando selecionamos influenciadores para trabalhar em um projeto específico junto a uma marca, um evento, é essa junção aí que nos faz pensar na forma do conteúdo. Nós fazemos uma boa curadoria, damos orientações e indicações, acompanhamos gravações, monitoramos resultados, é uma vertente muito importante de monetização também”.

Por fim, destacou a importância das marcas que estiveram desde o início do projeto ao lado do Amado Mundo, investindo em seu jornalismo: “Acredito que, com base em tudo o que falei, surge uma dúvida que muitas pessoas têm: Onde o Guilherme está arrumando dinheiro para fazer isso? A gente está com 45 pessoas, uma estrutura cara, eventos no exterior… Isso é reflexo direto das marcas que estão trabalhando com a gente, como Embraer, Vale, YouTube, Rede Dor, BR Partners, Banco de Investimento, a Caixa. A boa performance financeira que estamos tendo é reflexo de ter essas marcas com a gente. Acho muito importante ressaltar isso, porque valoriza também o investimento que essas marcas estão fazendo no projeto jornalístico. Acho que o modelo de publicidade ainda tem uma longa vida pela frente, é um modelo muito importante para o financiamento de jornalismo. E estou feliz que esteja conseguindo criar um veículo apostando nisso”.

Carreira de jornalista e carreira de empresário

E como conciliar a carreira e as funções de jornalista – com a apuração, os furos, as entrevistas – e a de empresário, gerindo um negócio? Amado explicou que faz uma grande diferenciação das duas profissões dentro do Amado Mundo e acredita, inclusive, que negócios de sucesso dentro do jornalismo devem sempre fazer esta separação: “Como fundador e publisher, eu me envolvo na estratégia do negócio como um todo e dou a direção editorial. Tenho seis diretores que trabalham comigo, cada um cuida de uma área. Fiz uma divisão muito rígida aqui entre o comercial e o editorial. E é muito importante deixar isso bem claro: o editorial tem que ser o editorial e o comercial tem que ser o comercial. Por isso que a gente tem princípios editoriais que estão no site e são muito rígidos. E eu, Guilherme, pessoalmente, apresento ideias, comunico e faço pitch de projetos, mas não me envolvo em venda de nada. E isso para não só para fazer essa separação editorial muito rígida, mas também para dar total liberdade às pessoas também de saberem quando estão falando com o jornalista (e eu sempre serei o jornalista) e quando estão falando com o comercial. Eu não misturo as situações. Não acredito que haja caminho para a gente fazer um negócio jornalístico sem haver essa separação”.

Diferencial do Amado Mundo

Um modelo de negócios inteligente, que une jornalistas e criadores de conteúdo, mas qual é a cereja do bolo? Qual é o diferencial do Amado Mundo Novo? Para o ele, alguns pontos se destacam: a linguagem, o foco em jornalismo de soluções, e a ausência de “chefismo” na redação do projeto: “A linguagem é você conversar com as pessoas, você falar de uma maneira leve e passar as informações olhando para o futuro. O nosso slogan é conversas para o mundo melhor, e é exatamente isso: Quando falamos de qualquer assunto, por mais pesado que seja, a gente tem uma proposta, uma abordagem de solução. Uma abordagem propositiva”.

Amado citou o exemplo de notícias sobre a tensão entre Estados Unidos e Irã, e a possibilidade de uma terceira guerra mundial: “Como é que você consegue fazer esse jornalismo diferente nesse ponto, sem explorar uma falsa polêmica? Então, naquele momento, a gente botou a bola no centro do campo. Trouxemos especialistas para conversar, para explicar ao público os riscos concretos (ou no caso como não havia riscos) de estourar uma guerra. Acho que muitas pessoas se afastaram do jornalismo por isso, porque sentiam que não estavam devidamente informadas por veículos que acabam focando em pessimismo e sensacionalismo, seja pela necessidade de vender o jornal ou de gerar cliques. Eu prefiro perder o clique do que enganar o leitor. No nosso caso, na hora em que a pessoa vier, quero ter a certeza de que ela consumirá nosso conteúdo e sairá com clareza sobre os fatos e com uma ponta de esperança. Acho, inclusive, que isso é também é um pouco o papel do jornalismo, de apontar caminhos, que dá para construir um mundo melhor. E todos os assuntos têm caminhos para essa construção de um mundo melhor. É o chamado jornalismo de soluções que devemos praticar”.

Amado destacou também a ausência de “chefismo” no projeto; ou seja, na redação todos são iguais, sem ninguém querer se colocar acima de ninguém, desde os chefes de redação até os estagiários: “Nossa redação é diferente. Me preocupo em manter uma redação horizontal, sem ‘chefismo’. Isso é uma coisa com que sempre me incomodei no jornalismo, que é o jornalista querendo mostrar que é chefe. Aqui, o estagiário tem meu telefone e eu converso ele e aprendo com ele. A gente faz aqui as construções, elas são colaborativas. E essa é a forma que enxergo para o bom jornalismo acontecer”.

Spoilers para 2026

Com alguns projetos em andamento e outros engatilhados, Amado destacou o início da exibição de seus projetos em documentário: “Produzimos, por exemplo, um documentário de 20 minutos sobre a eleição do democrata Zohan Mandani, novo prefeito de Nova York, nos Estados Unidos. A gente mandou o Luiz Nachbin para os EUA, ele acompanhou a última semana toda da campanha. Além disso, estamos produzindo quatro curtas documentários sobre o Carnaval de Recife, um projeto em parceria com o YouTube Brasil, que estão sendo filmados e devem ser lançados já em janeiro. E já temos em produção também um outro documentário bem interessante, cujo tema revelaremos em breve, então, aguardem os próximos capítulos!”.

O e-mail para pautas e projetos do Amado Mundo é [email protected], da Yvna Sousa, diretora executiva do projeto.

Quem faz o Amado Mundo acontecer

Os responsáveis por tocar o Amado Mundo, entre outros, são: Guilherme Amado, (ex-Metrópoles, Grupo Globo, Veja, Correio Braziliense, Extra e Época), fundador e publisher; Yvna Sousa (ex-Valor Econômico e ex-TV Globo), diretora executiva; Luís Gustavo Ferraz (premiado diretor e roteirista de cinema), diretor audiovisual; Bárbara Guimarães (há 20 anos no mercado publicitário), diretora comercial; Clara Amado (há 14 anos especialista na produção de eventos), diretora de eventos; Flavia Martin (ex-O Globo e Folha de S.Paulo), editora-chefe do site do Amado Mundo; Angelina Nunes (coordenadora do Projeto Tim Lopes, da Abraji), editora de Projetos Especiais; Priscila Montandon (ex-Play9 e Grupo RBS), diretora de estratégia digital; Stella Tó (ex-Globo, g1, BandFM e Mídia Ninja), gerente de produção; as jornalistas Beatriz Bulla e Raquel Cozer, que apresentam programas no canal, além de Caio Barretto Briso (ex-O Globo e The Guardian) e Gabriela Ferreira (ex-Globonews), que atuam na produção e nos bastidores dos programas.

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