Por Álvaro Bufarah (*)
Num sofá, alguém aperta o botão e o som sai, a imagem aparece, o app revela que “ninguém mais está só” – está conectado. A cena resume não um futuro distante, mas o agora brasileiro: o consumo de mídia já atravessa três mundos que antes pareciam separados – rádio digital, televisão conectada e plataformas de streaming – e agora convergem para formar o epicentro da cultura midiática. A esse movimento estudo da Kantar IBOPE Media atribui dados contundentes: em 2024/2025, o vídeo alcança mais de 99% da população, enquanto o áudio digital consolida-se com 92% da população ouvindo rádio ou streaming de áudio.
Segundo relatado no panorama original, a média brasileira dedica cerca de 8 horas por dia ao consumo de conteúdo digital e televisivo, e mais de 60% dos lares com internet utilizam serviços de streaming (Fonte do artigo base). Esse dado encontra eco nas pesquisas da Kantar: o consumo de vídeo, por exemplo, atingia 99,63% da população brasileira em 2023, com média de 5h14min por dia em TV linear e 2h23 em vídeo online. No áudio, o relatório Inside Audio 2025 revela que 92% dos brasileiros consomem alguma forma de áudio (rádio tradicional, música, podcast, streaming) em múltiplos formatos.
Esses números traçam um quadro onde a distinção entre “rádio”, “TV” e “internet” esbarra no óbvio: quem consome importa menos do que como consome. O usuário agora define o dispositivo, o momento, o formato – e o provedor regional, a emissora local, o app de streaming ou a plataforma de áudio digital estão todos na partida.
O material explica – bem – que provedores de internet regionais (“ISPs”) colocam-se como protagonistas nessa fase. A plataforma Watch e seu braço de áudio digital Awdio, por exemplo, já conectam mais de 500 provedores e 120 mil usuários ao ecossistema híbrido rádio + streaming. Esses provedores levam conteúdo local, estúdios nacionais e internacionais, e entregam à audiência sob o mesmo guarda-chuva conectado. Esse modelo ressoa com dados sobre banda larga fixa no Brasil: em junho de 2025, havia cerca de 52,9 milhões de acessos de banda larga fixa no País.
Isso significa que a “última milha” não é mais apenas infraestrutura; é distribuição de conteúdo personalizado. A rádio local acende o microfone, mas também olha para o app que toca no celular ou na TV conectada. A TV tradicional reclama antena, mas também convive com aplicativos e smartvs. O streaming já é multitela. A convergência lesiona velhos confortos – formatos fixos, horários lineares – e abre uma nova pauta: entrega em ecossistema.
Monetização pode ser escuta passiva – e continuará sendo para parte da audiência –, mas o novo impulso vem da interatividade, dos dados e da personalização. Plataformas híbridas permitem: recomendam-me rádio local + podcast + canal de filmes; oferecem pacote agregado; entregam publicidade segmentada e, no caso dos provedores regionais, faturamento com fidelização e retenção. O investimento publicitário brasileiro alcançou R$ 80 bilhões em 2023, com crescimento de 8% ano a ano, segundo a Kantar. A tríade (rádio digital + TV conectada + streaming) aparece no centro desse crescimento.

Mas nem tudo é automação e rostos happy-marketing. A convergência traz tensões:
- Identidade e localidade: A rádio tradicional é local, presença de comunidade; o streaming é global, algoritmo; a TV conectada mistura ambos. Como manter a marca local forte em ecossistema global?
- Infraestrutura e acesso: Apesar dos 52,9 milhões de fixos, a internet banda larga entra onde pode – em muitas regiões, a cobertura ou a velocidade ainda são limitadas. Inclusão digital permanece desafio.
- Métricas e atenção: Muitos dados medem “consumo” (horas, telas), mas não equacionam “atenção real”, “profundidade de engajamento” ou “conversão”. O acesso está, mas o valor preciso acontece quando o conteúdo conecta.
- Competição com ferro-velho de formatos: A TV tradicional domina o share de vídeo: em março um estudo apontou que a TV aberta detinha 70% do consumo de vídeo no Brasil (abratel.org.br). A rádio digital cresce, mas não abandona sua raiz analógica: precisamos de modelos híbridos sustentáveis, não substituição radical.
Em uma tarde qualquer, a avó aperta o controle da TV, muda para rádio, pega o tablet e abre o streaming. A felicidade não é linear: ela quer “algum canal que entenda o que eu quero agora”. A presente tríade – rádio digital, TV conectada, streaming – é o cabo invisível que une o sofá ao fone, o head-unit do carro ao app no celular.
Mas esse cabo não é apenas infraestrutura: é relacionamento. O rádio digital lembra que a voz importa. A TV conectada lembra que a imagem comporta narração e espetáculo. O streaming lembra que o usuário comanda. Quem entender isso não apenas entrega conteúdo: reside no momento de vida do ouvinte/espectador.
A convergência redefine o ecossistema – e treina a indústria para olhar para além da tela e da onda. Líderes regionais, estúdios, emissoras tradicionais e startups entram no mesmo baralho, disputam segmentos, personalizações e fidelização. No fim, o que está em jogo não é quem entrega mais tela ou áudio, mas quem acompanha mais de perto a jornada da atenção humana.
Fontes extras:
- Kantar IBOPE Media – “Conteúdo em vídeo alcança 99,63% da população brasileira” (abril 2024) – kantaribopemedia.com+1
- Kantar IBOPE Media – “92% dos brasileiros consomem áudio em múltiplos formatos” (Inside Audio 2025) – kantaribopemedia.com
- ISPSolution / Análise Banda Larga Brasil 2025 – “52,9 milhões de acessos de banda larga fixa” – ispsolution.com.br
- NegóciosSC – “Traço de consumo de vídeo diário de 5h14min em 2023” NegociosSC
- ACAERT / Relatório Áudio – rádio digital e áudio online ganhando destaque – acaert.com.br

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.










