Por Assis Ângelo
O grande poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) deixou uma obra enorme, em todos os sentidos.
Ainda na adolescência costumava escrever dois a cinco poemas diariamente.
Com a idade de 15 ou 16 anos, Neruda publicava seus escritos em periódicos da sua terra, em capítulos.
Em 1923, o mestre chileno das letras estreava no mundo da poesia com o livro Crepusculário. Nesse livro se acha o soneto Velho Cego, Choravas. Ei-lo:

“Velho Cego, choravas quando a tua vida
era boa, quando possuías nos teus olhos o sol:
mas se o silêncio já chegou, o que é que esperas,
o que é que esperas, cego, desta maior dor?
Em teu rincão pareces menino nascido
sem pés para a terra e sem olhos de mar
e como os animais dentro da noite cega
– sem dia e sem crepúsculo — cansas de esperar.
Porque se conheces o caminho que leva
em dois ou três minutos para a vida nova,
velho cego, o que esperas, que podes esperar?
E se pela amargura mais dura e destino,
animal velho e cego em caminho e tino,
eu que tenho dois olhos saberei te ensinar”.
Neruda andou por nossas plagas entre 1945 e 1954, ciceroneado pelo bom baiano Jorge Amado. E não custa dizer que, ao contrário do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), detestava poderosos de direita. E ao contrário de Neruda, que era declaradamente comunista, Borges que tinha especial admiração por poderosos fardados, desenvolveu toda a sua literatura sem a visão dos olhos. É dele o poema Um Cego. É muito bonito:

“Não sei qual é a face que me fita
Quando observo a face de algum espelho;
No seu reflexo espreita-me esse velho
Com ira muda, fatigada, aflita.
Lento na sombra, com as mãos exploro
Meus invisíveis traços. O mais belo
Fulgor me atinge. Vi o teu cabelo
Que é já de cinza ou é ainda de ouro.
Repito que perdi unicamente
A superfície sempre vã das coisas.
O consolo é de Milton e é valente,
Mas eu penso nas letras e nas rosas,
Penso que se pudesse ver a cara
Saberia quem sou na terra rara”.
O mestre argentino tinha entre seus leitores o conterrâneo que virou papa: Francisco.
Outro grande poeta que findou seus dias cego foi o inglês John Milton (1608-1674).

John Milton escreveu muita coisa bonita em línguas diversas: latim, italiano, inglês, francês, alemão etc. Entre seus escritos poéticos se acha Paraíso Perdido, de 1667, no qual há um embate entre Deus e o diabo.
Ainda não foi dito, creio, que o nosso Machado de Assis se inspirou em Milton para escrever o conto A Igreja do Diabo, de 1884. Tanto numa como na outra obra, o diabo acaba onde sempre deveria ou deverá estar: no Inferno.
É em Paraíso Perdido, poema desenvolvido em 10.565 versos brancos, que se lê a famosa frase: “É melhor reinar no inferno do que servir no Céu”.
Atenção, meus amigos e amigas, alerto: o Milton a quem nos referimos é o Milton nascido e crescido na Inglaterra. Enfim, lá na terra dele chegou a ser preso político por criticar a monarquia. Detestava esse tipo de governo. E, por defender o que defendia politicamente, pagou caro: seus direitos foram cassados, inclusive o da profissão que exercia como professor.
O mais importante épico poético na língua inglesa de Shakespeare foi feito por John Milton e nasceu de modo ditado quando já estava completamente cego.
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