A pesquisadora e professora Maria Helena Weber foi indicada pela Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) para receber o Prêmio Beth Brandão de Comunicação Pública. A solenidade de entrega do prêmio será em outubro de 2025, durante o III Congresso Brasileiro de Comunicação (III Compública). O prêmio é uma iniciativa da ABCPública para homenagear profissionais que se destacam pela pesquisa e/ou prática da comunicação pública em favor do fortalecimento da democracia brasileira.
Nessa conversa exclusiva com a ABCPública, Maria Helena Weber fala sobre e emoção de ser indicada ao prêmio, sobre sua trajetória na comunicação e também sobre questões atuais e desafios que estão postos aos comunicadores públicos na atualidade.
Professora, como a senhora recebeu a notícia da indicação ao Prêmio Beth Brandão de Comunicação Pública?
Fiquei surpresa porque é um prêmio muito importante e fiquei emocionada por saber que minhas reflexões, produção científica, minhas experiências e meu trabalho como professora forma reconhecidos e até premiados.
Que importância tem, para a senhora, o legado da Beth Brandão no campo da comunicação pública?
O legado de Elisabeth Brandão é um dos mais importantes no campo da comunicação pública com repercussões fundamentais para a comunicação política e governamental e, também, para a profissão de Relações Públicas. Ela promove o conceito, a partir de Pierre Zémor, quando o Brasil voltava a respirar democracia e a comunicação – imanente a este regime – precisava extrapolar a dimensão persuasiva, funcional e autoritária executada pelo regime militar. Beth Brandão questiona e analisa a responsabilidade dos sistemas e profissionais na comunicação entre o estado brasileiro e a sociedade e, a partir deste movimento, ‘comunicação pública’ passa a ser um conceito em construção, instigante teoricamente como demonstram tantas abordagens da produção científica e, ainda, profissionalmente, desafiador.
O 3º Congresso Brasileiro de Comunicação Pública, em outubro deste ano em Sergipe, tem como tema comunicação pública e emergência climática. Qual deve ser o papel da CP na promoção do diálogo social em favor de avanços nesse tema?
São muitas as experiências que incidem sobre as temáticas “comunicação pública e emergência climática” e precisam ser analisadas, sob duas perspectivas. Na perspectiva epistêmica, o entendimento e as pesquisas sobre a relação entre informação, comunicação e meio ambiente são fundamentais na produção de novas linhas de pesquisa de caráter interdisciplinar como a recente produção científica vem demonstrando. Essa relação indica a perspectiva técnico-estratégica necessária para a compreensão e a prevenção dos desastres e tragédias climáticas. Essas perspectivas exigem a normatividade própria da comunicação pública sob a responsabilidade do estado, das instituições de ensino, da imprensa, das mídias sociais, do mercado e da sociedade.
Ao longo da sua trajetória, a senhora contribuiu para consolidar o conceito de comunicação pública como campo. Como ocorreu este processo?
A consolidação desse conceito ocorreu aos poucos. As experiências e a militância na política, desde a adolescência, e a minha formação em Comunicação me permitiram atuar em diferentes instituições na redemocratização do país (Ministério da Educação e Prefeitura Municipal de Porto Alegre) e foi essa combinação que me levou à comunicação pública. Entendia que meu ingresso na universidade como docente seria transitório, pois sempre disse que não queria ser professora. Mas foi este lugar que me permitiu refletir sobre política, poder, comunicação até chegar à comunicação pública. Na década de setenta (auge da ditadura brasileira) fui estudante e professora, na UNISINOS e depois na UFRGS, porque minha mestra Martha D’Azevedo me convenceu que eu sabia ensinar e … aqui estou até hoje. Aos poucos, a busca de conhecimento nos novos tempos democráticos me levaram para o mestrado (Sociologia UFRGS) e o doutorado (Comunicação UFRJ), com teses voltadas à ditadura e à comunicação política. No entanto, a participação no primeiro governo democrático da Prefeitura de Porto Alegre foi diferenciada e falávamos na comunicação pública, na comunicação e participação da sociedade. Essa experiência fantástica (enquanto dava aulas) gerou meu primeiro projeto como pesquisadora CNPq. Meu ingresso no PPGCOM/UFRGS, a sequência de orientações de teses e dissertações e o funcionamento do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Pública e Política (NUCOP) e do Observatório da Comunicação Pública (OBCOMP) permitiram debates e produção coletiva que ampliaram o conceito ‘Comunicação Pública’ sustentado pelo interesse público, para além da comunicação estatal e governamental.
Como a senhora avalia a relação entre comunicação pública e processos democráticos no contexto atual?
A Comunicação Pública ocorre somente em regimes democráticos porque exige o debate público, a liberdade de expressão, a organização e participação da sociedade. O fortalecimento e a qualidade da democracia dependem, portanto, da comunicação pública (escrevemos recentemente sobre isso). Essa hipótese permite pesquisar, especialmente, dois aspectos. Primeiro, sobre o interesse público: de que maneira a informação, a publicidade, os discursos e eventos dos poderes legislativo, executivo e judiciário; das instituições públicas; das universidades; do mercado e da imprensa respondem ao interesse público, considerando o poder das mídias sociais, das mídias convencionais. O segundo aspecto está relacionado ao debate público sobre temas de interesse público e vitais à democracia – que deveria ser promovido pelos poderes do Estado, na tomada de decisões relacionadas a políticas públicas.
Em suas pesquisas, a senhora destaca o papel da escuta e da interlocução. Que dicas a senhora nos dá para avançar nesse quesito no Brasil?
Abordei a questão do debate público, essencial à democracia e, portanto, à comunicação pública, ou seja, a participação da sociedade – escuta e interlocução – são partes indissociáveis à qualidade das democracias. Não tenho dicas, porque este avanço depende de projetos políticos-ideológicos e de governança que privilegie o interesse público e crie espaços de participação.
Recentemente a senhora lançou o livro “A imagem pública tecida entre política, mídias e afetos”, que é uma reflexão da imagem pública num cenário de disputa de poder. Como a comunicação pública estratégica pode contribuir para fomentar mudanças nesse cenário?
A obtenção de uma imagem pública favorável é o desejo de políticos, governantes e cidadãos em lugares de poder e domínio. Neste sentido, a imagem pública será sempre uma disputa permanente entre as informações e imagens veiculadas pelas mídias sociais, imprensa e aquelas produzidas pela própria organização. Em relação a isso não há mudanças nesse cenário e a história nos mostra isto. Os dispositivos de comunicação, propaganda, discursos visam mobilizar afetos (paixões e emoções) e atrair cada eleitor e cidadão para que formem a imagem desejada. Muitas são as variáveis que limitam esse processo sempre finalizado na opinião.
Nesse cenário, cabe ressaltar, o grande problema da comunicação pública na relação entre imagem pública e instituição constituído pelo “paradoxo político-comunicacional”, (Weber, 2023) que é aparentemente indissolúvel. O conceito define a dependência e a decisão voluntária de associar o projeto político de um governante, por exemplo, à comunicação da instituição governada, ou seja o interesse público submetido a um projeto privado. A comunicação pública é o posto disso.
Quais os principais desafios que as instituições públicas enfrentam para efetivar a comunicação como direito e não como instrumento de marketing?
O instrumental e a estética do marketing estão consolidados pelo mercado e a tecnologia, as IAs e os dispositivos de conteúdo tornam cada vez mais fascinantes as propostas das agências às instituições públicas. O problema não é o marketing. O grande desafio reside na compreensão sobre a normatividade da comunicação pública e a capacitação de profissionais para que a tradução do projeto político seja feita a partir do interesse público, da visibilidade da instituição e do direito público de saber. Ou seja, a responsabilidade é da instituição e não do marketing. O próprio brieffing para campanhas depende da compreensão da instituição sobre suas funções e responsabilidades político-sociais. Também o uso qualificado do aparato de radiodifusão e das próprias mídias sociais depende de uma política de comunicação pública.
O que falta para que a comunicação pública seja uma diretriz efetiva nas políticas de Estado, e não apenas de governo?
A Comunicação Pública, em suas características definida pela Constituição e deveria se tornar uma política pública. No entanto, a comunicação é tradutora de políticas governamentais, então, dificilmente terá uma configuração que atenda a todos os governos democráticos. Mesmo assim é possível pensar que poderia haver diretrizes para a formulação de políticas de comunicação para cada governo e isso seria o papel do Poder Legislativo, mas este privilegia a comunicação privada. Esta questão é um debate e um desafio importante.
Como a senhora vê o futuro da comunicação pública em tempos de desinformação e ataques à esfera pública?
Vivemos na era de grandes transformações políticas, econômicas, sociais e pessoais desencadeadas pelo espectro da comunicação digital. A desinformação e a circulação de mentiras e maldades a partir de poderosas estruturas tecnológicas desafiam governos e leis. Em meio a isto, as instituições públicas passam a ter uma papel pedagógico que deve ser exercido através de políticas de Comunicação Pública que indiquem a apropriação da tecnologia digital a ser usada para esclarecimentos, para promover o debate público com o objetivo de diminuir a vulnerabilidade das pessoas e da sociedade.
Que experiências ou projetos institucionais mais a inspiram hoje no Brasil ou fora dele?
Os projetos mais interessantes e fundamentais à democracia são aqueles que promovem a pesquisa, o debate, a formação e a circulação da produção científica em torno de temas como comunicação e meio ambiente e comunicação e democracia. Muito dos editais do CNPq e de outras agências de pesquisa, por exemplo, tem feito essa chamada. São muitos os projetos institucionais voltados à qualificação da democracia no Brasil, mas citaria três com objetivo diferenciados na sua estrutura mas que abrangem a comunicação Pública: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD); Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) e a própria Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).
Se pudesse resumir sua trajetória com uma palavra ou imagem, qual seria?
Comunicação (meu trabalho), política (minha utopia), poesia (minha literatura).
Que mensagem gostaria de deixar às pessoas que lutam diariamente por uma comunicação pública ética, democrática e inclusiva?
Creio que as instituições de ensino têm uma grande responsabilidade sobre a formação de profissionais de comunicação que possam estabelecer relações e fazer a crítica no campo da comunicação política, comunicação governamental e comunicação pública, especialmente, os graduandos em jornalismo, propaganda e relações públicas e a pós-graduação que promove a pesquisa. A competência de lidar com temas políticos inicia em aula e evolui para TCCs, teses e dissertações. Por isto creio que a disciplina comunicação e política deveria ser obrigatória. Os profissionais que trabalham com a comunicação pública precisam, ininterruptamente, pesquisar, refletir, debater e atuar junto às instituições públicas incorporando as facilidades dos dispositivos comunicacionais, mas lutando por estratégias de comunicação que atendam ao interesse público, promovam a ética e a democracia.
Conquistar um espaço de poder nas instituições é também dominar, defender e explicar a normatividade do conceito Comunicação Pública, bem como as suas implicações para a democracia.