Por Álvaro Bufarah (*)

O relatório State of Data 2025, do Interactive Advertising Bureau (IAB), mais parece uma lupa voltada para os bastidores da indústria midiática global. Ali, entre números e infográficos, desponta um paradoxo: nunca se ouviu tanto áudio… e nunca foi tão difícil saber exatamente quem está ouvindo o quê, onde, como e por quê.

O documento, que se tornou referência anual para anunciantes, plataformas e agências, acende alertas sobre a urgência da governança de dados na publicidade digital. Em 2025, mais de 70% das empresas norte-americanas ainda enfrentam desafios na unificação de dados entre canais – problema que afeta diretamente o setor de áudio digital, onde a multiplicidade de players (Spotify, YouTube, podcasts independentes, rádios digitais, plataformas de áudio programático) tornou a medição mais difusa do que nunca .

O áudio – outrora filho bastardo do audiovisual – agora é protagonista, mas ainda luta por ferramentas de mensuração compatíveis com sua nova relevância. É aí que o dilema se agrava. Conforme o IAB, mesmo com o crescimento exponencial no investimento em áudio programático, poucos anunciantes conseguem ter uma visão holística do retorno efetivo dessas inserções. O dado que salta aos olhos: apenas 23% das marcas afirmam ter total confiança nos modelos atuais de atribuição de resultados em áudio.

No Brasil, o cenário ecoa esses ruídos. Segundo pesquisa da Kantar Ibope Media (2024), 57% dos brasileiros ouvem rádio todos os dias e mais de 40% consomem conteúdo em áudio digital regularmente, entre podcasts e streaming musical. No entanto, a mensuração dessa audiência – especialmente fora dos grandes centros – ainda é um desafio hercúleo. Os dados são fragmentados, as metodologias variam e os critérios de performance digital muitas vezes ignoram a complexidade cultural do som que se espalha pelo país continental.

Enquanto isso, as grandes plataformas tentam dar conta do recado com soluções proprietárias. Spotify investe pesado em adtechs sonoras; Google e Amazon aprimoram assistentes de voz e interfaces de escuta personalizada. Mas a desconfiança persiste. O relatório do IAB mostra que 63% das empresas estão preocupadas com a crescente dependência de plataformas fechadas (walled gardens), como Meta e Google, que concentram dados, ditam métricas e limitam a transparência para o mercado publicitário.

Para as emissoras de rádio brasileiras – especialmente as comunitárias e educativas – o desafio é duplo: entrar na lógica dos dados sem perder sua vocação pública. Emissoras como a Rádio MEC ou a Cultura FM ainda pautam seu valor pela relevância social e diversidade de conteúdo, e não pela performance algorítmica. Mas até elas começam a se debruçar sobre dashboards e CRMs, pressionadas por editais, patrocinadores e governos que exigem resultados quantitativos, mesmo em projetos de missão educativa.

A discussão é urgente. Afinal, o dado não é neutro. Ele é estruturado, selecionado, interpretado. E, como ensina a professora Shoshana Zuboff (2019), vivemos na era do “capitalismo de vigilância”, onde até mesmo o som da sua risada num podcast pode virar métrica de engajamento e, em última instância, produto à venda. O que o relatório do IAB nos revela, portanto, não é apenas um desafio técnico, mas um embate ético: quem controla os dados sonoros? A quem eles servem?

No fim das contas, o som resiste. E talvez, nessa resistência, esteja sua maior força. No rádio de pilha do interior de Minas, no podcast gravado no quarto de um estudante na periferia de Recife ou na playlist personalizada que te acorda todo dia, o áudio continua pulsando. Agora, mais do que nunca, é hora de escutarmos não só o que se ouve… mas o que se mede.


Fontes consultadas:

  • Interactive Advertising Bureau (IAB). State of Data 2025: Reinventing Data Collaboration. March 2025. Disponível em iab.com
  • KANTAR IBOPE MEDIA. Inside Radio 2024. Disponível em kantaribopemedia.com
  • ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism. New York: PublicAffairs, 2019.
Álvaro Bufarah
Álvaro Bufarah

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no r, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.

(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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